Zona de cooperação | Cônsul defende “estabilidade do quadro jurídico”

Alexandre Leitão, Cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, defendeu ser “fundamental a estabilidade do quadro jurídico” na Zona de Cooperação Aprofundada entre Macau e Guangdong em Hengqin. Orador num webinar promovido pela Câmara de Comércio-Luso Chinesa, Alexandre Leitão salientou a existência de uma nova geração de empresários portugueses vocacionados para a internacionalização

 

Muito se tem falado das vantagens da Zona de Cooperação Aprofundada entre Macau e Guangdong em Hengqin, sobretudo no que diz respeito à captação de investimento e atracção de empresas. Mas a verdade é que subsiste ainda um certo desconhecimento sobre o que vai, verdadeiramente, acontecer. A ideia foi deixada pelo Cônsul-geral de Portugal em Macau e Hong Kong, Alexandre Leitão, num webinar promovido pela Câmara de Comércio Luso-Chinesa (CCLC) sobre as vantagens do mercado da Grande Baía Guangdong-Hong Kong-Macau, composta por nove cidades chinesas do sul do país e pelas regiões administrativas especiais.

“Temos de perceber que a Ilha da Montanha é uma entidade em criação e tem ainda muito de laboratorial. Independentemente da mensagem e do discurso oficial, ainda estamos para ver a efectiva transferência de pessoas, serviços e entidades públicas para lá. Não há qualquer dúvida de que há uma vontade política para que isso aconteça.”

Nesse quadro, o responsável salientou ser “fundamental a estabilidade do quadro jurídico” para que as empresas portuguesas possam olhar para a zona de Hengqin.

“Colocam-se questões concretas, e uma delas é a questão do Direito vigente numa área que é perfeitamente inovadora e governada em modo quase de co-decisão paritário entre a província de Guangdong e Macau. Num cenário destes, coloca-se sempre a questão: ‘quando existe uma divergência, como poderá ser resolvida’. Em matéria de Direito isso é particularmente importante para as empresas, pois precisam de saber com o que podem contar”, frisou.

Relativamente à Grande Baía, Alexandre Leitão lembrou que já se trata de um território com um Produto Interno Bruto (PIB) “superior ao do Canadá e do Brasil”, pelo que “é um mercado extraordinariamente atraente, se forem concretizados o potencial e as expectativas”.

O cônsul recorreu, aliás, à metáfora das grandes ondas da Nazaré, em Portugal, para definir o mercado chinês e o acesso que, a ele, devem ter os empresários portugueses. “Em vez de olharmos para uma onda da Nazaré, que é a China toda, convém dividir a onda em áreas mais pequenas, que são as regiões. Assim teremos algumas que podemos surfar.”

A Grande Baía é, portanto, uma dessas ondas. “Temos hoje uma geração de empreendedores e inovadores portugueses que me parece mais qualificada e desejosa de assumir riscos. Percebi, segundo a minha experiência profissional anterior, que há um tecido empresarial inovador, com projectos de norte a sul de Portugal, que são bem estruturados e têm uma ambição de internacionalização que, ao contrário do passado, não receiam jogar no campo dos grandes, como a China e os EUA. Vale a pena aproveitar estes ventos de mudança”, adiantou Alexandre Leitão.

Os nichos de mercado

O cônsul, que assumiu funções em Macau no início de Fevereiro e que é também presidente honorário da CCLC, lembrou o papel de Macau como plataforma de serviços comerciais entre a China e os países de língua portuguesa, baseado “na vontade política” da China, o que constitui “uma enorme vantagem”. O território tem ainda outra vantagem, que é a “proximidade do Direito vigente na província de Guangdong com o Direito de matriz romano-germânica, em comparação com o Direito de Hong Kong que é muito mais afastado”. Assim, “as empresas portuguesas e lusófonas têm uma vantagem assinalável, porque há a vantagem de compreender o Direito em geral”.

Em matéria económica, Alexandre Leitão referiu ainda a prioridade e meta política do Governo de Ho Iat Seng relativa à diversificação económica. “As próprias concessionárias têm de contribuir com montantes significativos para a escala portuguesa, o que significa que há, pelo menos, condições, para a criação de um ecossistema de financiamento completo, seja em termos de risco, inovação ou da banca comercial, de novas ideias empresariais que aqui surjam.”

Esta diversificação económica, com menor peso do jogo, “tem obviamente de ser lida à escala local, pois Macau não é Shenzhen, nem Guangzhou”. “Macau compete numa região que, no fundo, vai de Singapura a Tóquio na captação de investimento e desenvolvimento económico, mas existem nichos que, para outras cidades e regiões podem ser insignificantes, mas aqui podem ter um forte valor, dada a relativa dimensão de Macau, desde que o território tenha a flexibilidade e a rapidez para se ajustar às oportunidades que surjam”, disse o cônsul.

O diplomata considera que esses nichos de mercado podem ser aproveitados, nomeadamente o turismo fora do jogo, “onde Portugal é competitivo e tem provas dadas”, mas também “áreas como a economia verde e o digital”.
Alexandre Leitão destacou o exemplo da Universidade de Macau, que é líder mundial na área da electrónica. A instituição de ensino superior viu 15 trabalhos de investigação serem aceites em Fevereiro numa conferência internacional de electrónica em São Francisco, nos Estados Unidos. Os artigos científicos abordaram temas como a conversão de dados, comunicações ‘wireless’ ou conversão de energia.

“Há condições para nichos [económicos] que podem ser aproveitados e que podem ser, no fundo, um pouco à escala da nossa realidade portuguesa”, disse Alexandre Leitão, lembrando algumas “desvantagens” em fazer comércio com a China, nomeadamente em matéria de comunicação e na existência de diferenças culturais.

Aposta em joint-ventures

Carlos Cid Álvares, CEO do Banco Nacional Ultramarino (BNU) e recém-eleito presidente da CCLC, foi outro dos oradores da conferência. O líder do BNU defendeu a possibilidade de empresas portuguesas chegarem a este mercado através da constituição de joint-ventures. “A economia local é muito puxada pelos casinos, os chamados resorts integrados, mas é algo que o Governo pretende alterar. A ideia é que Macau seja um centro mundial de turismo e lazer, mas pretende-se dar espaço à diversificação económica, daí que surge esta oportunidade para as empresas portuguesas, em joint-ventures com empresários locais, de tentarem fazer negócios nesta zona. Macau não é Macau, é a Grande Baía, é Hong Kong, é esta região toda com um potencial enorme.”

Carlos Cid Álvares destacou alguns dados macroeconómicos importantes, como a baixa percentagem de crédito malparado nos bancos, apesar da pandemia, e da baixa taxa de desemprego (cerca de quatro por cento ) quando comparado com outras economias. O responsável lembrou ainda a estratégia de diversificação já anunciada pelo Chefe do Executivo, Ho Iat Seng, de “4+1”, ou seja, a aposta em quatro sectores como a banca, a indústria financeira e de saúde, a alta tecnologia e o sector das exposições e convenções.

Relativamente ao mercado da Grande Baía, o CEO do BNU lembrou que o PIB é de 1.7 mil milhões de dólares, o equivalente a 12 por cento do PIB de todo o país. “Está previsto um crescimento muito acelerado do PIB nesta zona, e fala-se que, daqui a dez anos, será de cerca de quatro mil milhões de dólares. Macau compete com uma área muito pequena, mas espera-se que, a curto prazo, com a recuperação da economia, possa vir a ter o maior PIB do mundo”, lembrou.

Pedro Magalhães, responsável pela área de comércio internacional da CCLC, frisou que “a China e a Grande Baía não podem estar fora do radar internacional das empresas nacionais [portuguesas], principalmente no contexto do pós-pandemia”.

“O PIB da China tem aumentado nos últimos anos, com um incremento de cerca de 8,1 por cento entre 2020 e 2021. Muitos dos complexos desafios que a China hoje enfrenta são desafiantes para todo o mundo, nomeadamente a transição para um novo modelo de crescimento pelo qual o país está a passar e o rápido envelhecimento da população, a construção de um sistema de saúde rentável e a promoção de uma trajectória energética diferente”, rematou.

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