Via do MeioA Via do Meio em Zhuang Zi Antonio Miguel Campos - 28 Out 2022 De como ele fala da “Via do Meio” ou “linha do meio”, no início do Capítulo III (Nutrir a Vida). A nossa vida flui dentro de margens, mas o conhecimento não tem margens. Perseguir o que não tem margens usando o que tem margens, já é arriscado. Se acreditarmos que temos conhecimento para o fazer, o perigo está à espreita! Fazendo bem sem nos avizinharmos da fama, fazendo mal sem nos avizinharmos da punição, e seguindo pela linha média, consegue-se proteger o corpo, manter intacta a vida, dar apoio aos familiares e esgotar os anos que nos cabem de vida. Comentário Este capítulo parece estar estruturado para ilustrar estas suas primeiras linhas que dizem que a nossa vida é como um rio, que não deve sair das margens. É perigoso usar o conhecimento como guia, porque ele consegue exceder todas as margens, querendo saber mais do que é possível sobre a realidade. Tentar saber o que fazer com a vida é fútil, porque ela não é norteada pela compreensão consciente. Para nutrirmos a vida, não devemos usar o conhecimento (ou devemos usá-lo de modo que ele se adapte a cada situação da vida e não o contrário) para podermos seguir dentro da linha média, sem nos aproximarmos da margem da fama nem da margem da punição. Se fizermos algo que as convenções consideram bom, devemos evitar a fama. Se fizermos algo que as convenções consideram mau, devemos evitar o castigo. Ou seja, embora não nos devamos deixar guiar pelas convenções sociais, quase sempre muito limitativas da ordem natural das coisas, devemos tê-las em conta nas nossas acções. Nem as devemos seguir inteiramente, nem as devemos ignorar. Teremos uma vida mais feliz se seguirmos pelo «caminho do meio». E as flutuações espontâneas do comportamento, entregues a si mesmas, têm tendência para nos fazer seguir por ele. A primeira frase deste texto (吾生也有涯而知也無涯), que literalmente significa «a nossa vida tem margens, mas o conhecimento não tem margens», é um aforismo muito conhecido, usado na China para exprimir a ideia de que «a vida é curta, mas o que há para aprender é ilimitado». É a expressão usada para transcrever para o chinês o aforismo «Ars longa, vita brevis» (Ὁ βίος βραχύς, ἡ δὲ τέχνη μακρή) de Hipócrates, que viveu um século antes de Chuang Tse. O caracter que traduzimos por «linha média» é 督 (dū), que significa «controlador» ou «supervisor» e é também um termo da acupunctura chinesa que designa o meridiano que percorre verticalmente o centro das costas. Os «meridianos» (經絡, jīng luò) são canais de energia, que percorrem o corpo e o protegem. Neles circula o ying chi (營氣, yíng qì), um sopro nutriente que, segundo a tradição chinesa, é capaz de produzir sangue. Uma tradução mais literal do que «seguindo pela linha média» seria: «circulando no meridiano supervisor». Repare-se que o conhecimento de que se fala neste texto é essencialmente o que se relaciona com a definição do que é a conduta certa e a conduta errada. Parece uma rejeição da moralidade. No entanto, como se depreende do resto do capítulo, a conduta recomendada não corresponde a rejeitar os objectivos práticos da moral, como o bem-estar pessoal e a consideração pelos outros. O que se afirma é que, se queremos «nutrir a vida», em vez de orientarmos as nossas acções deliberadamente, tentando seguir as normas morais, devemos tomar por modelo o modo de agir dos artífices exímios e seguir espontaneamente o caminho que responde de uma forma mais ajustada, adequada, eficaz ou harmoniosa às circunstâncias de cada momento. Este texto não deixa de nos chamar a atenção, como Nietzsche, na “Genealogia da moral”, para que a avaliação e a orientação da conduta humana em termos distintamente morais é uma prática cultural, adoptada em determinadas circunstâncias para certos fins, e que pode não ser nem necessária nem inevitável, nem a melhor para a preservação da nossa vida individual.