(Des) Conexões | A nova liberdade de Guilherme Ung Vai Meng

Mais de uma dezena de pessoas quiseram ouvir Guilherme Ung Vai Meng no Museu Berardo a explicar uma exposição fora do comum, feita a quatro mãos com o artista Chan Hin Io. Com (Des) Construção, o ex-presidente do Instituto Cultural assume ter feito coisas que nunca imaginou fazer. Agora resta continuar a pensar e a descobrir em novas formas de contar Macau

 

[dropcap]S[/dropcap]ábado à tarde, Museu Berardo, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Mais de uma dezena de pessoas reúnem-se para acompanhar a visita guiada à exposição (Des) Construção, com dezenas de peças onde se inclui a fotografia, a instalação e vídeo, da autoria de Guilherme Ung Vai Meng e Chan Hin Io, que formam o colectivo YiiMa.

Mas antes de explicar uma exposição que revela o que Macau foi e que está, aos poucos, a deixar de ser, Ung Vai Meng, antigo presidente do Instituto Cultural (IC), começa com uma maneira de original de explicar aos interessados parte do que vão ver, ao ensinar os visitantes a trabalhar pedaços de bambu como tradicionalmente se faz no sector da construção civil em Macau.

Os dedos enrolam a ráfia à volta de pedaços de bambu que é oriundo do Alentejo, e não da China. Ung Vai Meng vai explicando uma prática muito comum em Macau, mas que poucos das gerações mais novas querem aprender. A arte de trabalhar o bambu é retratada em duas imagens da exposição, bem como numa grande instalação presente numa das salas.

“Há dois anos, quando visitei o Mosteiro da Batalha, que é lindíssimo, vi que ao lado havia um túmulo, e pensei em usar algo oriental e construir um pórtico”, contou aos visitantes.

Pelo meio, há um ou outro comentário que escapa sobre as decisões do Governo, nomeadamente no que diz respeito à imagem dentro da antiga Central Termoeléctrica da Areia Preta, destruída para dar lugar a habitação pública. “É pena”, disse.

(Des) Construção quase que pode ser chamado de símbolo da liberdade criativa que Guilherme Ung Vai Meng conseguiu desde que deixou a presidência do IC, num processo envolto em polémica, sobre o qual não quer falar. Reformado e a dar aulas de arte na Universidade de Ciências e Tecnologia de Macau, Ung Vai Meng assume que a política nunca foi algo de que gostasse muito.

“Penso que a vida artística não tem fim, sempre quero aprender e ver coisas novas. Antes da minha reforma nem pensava nisso. Desde que me reformei sou muito mais livre, também posso pensar em muitas coisas, ao nível da instalação, escultura, antes nunca tinha feito”, contou ao HM depois da visita guiada.

Apesar de ter estado 34 anos no IC, Ung Vai Meng conta que nunca ambicionou cargos de topo como aquele que desempenhou. “Sou uma pessoa natural, não sou ambicioso. Se aparecer, tudo bem, se não aparecer, tudo bem na mesma. Quando me reformei nunca pensei que fosse fazer algo no Museu Berardo. Se nada aparecesse iria continuar a desenhar ou a pintar.”

Imagens que ficam

Visitar (Des) Construção é depararmo-nos com algo nunca antes feito. Em templos budistas com estruturas de bambu, em antigas casas chinesas com cartazes na parede, nas Ruínas de São Paulo, repousam fotografias com detalhes em que ninguém repara. Há depois o olhar dos próprios artistas cujos corpos se transformam em anjos.

Ung Vai Meng explica ao HM que é como se fossem omnipresentes num território em constante mutação. “Sou pintor e registo paisagens, incluindo as de Macau. Também escrevi um livro sobre a Macau passada. Mas vivemos no século XXI e temos de procurar maneiras novas, ao invés de pintar ou escrever, para contar como era Macau. Por isso utilizámos os nossos corpos como testemunha para olhar o nosso mundo.”

“Sabemos que o anjo tem características muito especiais, consegue aparecer em qualquer sítio, entrar, seja no século XIX, XVI, dentro de casa ou ao ar livre. Somos testemunhas que olhamos, pois os anjos são neutros, nem são maus, nem bons”, relatou.

Esta descoberta constante faz parte da nova vida de Ung Vai Meng. “Trabalhei 34 anos como funcionário do IC e fiquei um bocado cansado. Quis procurar novamente a minha vida de artista. Continuei a pintar e a desenhar, mas em vez de só pintar tenho procurado maneiras de mostrar Macau.”

O facto de a Macau mais tradicional estar a desaparecer não assusta ou afecta Ung Vai Meng, que considera esta mudança natural em muitas cidades, quer sejam asiáticas ou europeias.

“Foi ideia do nosso curador, João Miguel Barros, de olhar para os espaços antigos de Macau. Tínhamos de encontrar uma lógica para organizar esta exposição e penso que isso não acontece só em Macau, mas também na Europa, em Portugal. Por isso em vez de escrever um livro para contar como era Macau, penso que a imagem visual tem mais poder. Por isso fiz este projecto.”

Para o ex-dirigente político, “é normal que sítios ou coisas desapareçam”. “Ontem visitei amigos cá em Portugal e cada pessoa, ou família, em cada sociedade, as coisas estão a desaparecer. É normal, sou testemunha, não tenho respostas. Se algo desaparecer, vão aparecer coisas novas. Sempre olhei para a frente e muitas vezes o passado é um background para conhecer melhor o futuro”, frisou.
Ung Vai Meng prefere não comentar as actuais políticas na área da cultura, numa altura em que o IC é liderado por Mok Ian Ian, depois de várias mudanças na liderança. Mas o artista assume que as especificidades culturais fazem de Macau um território especial.

“Macau é um sítio onde a cultura é algo muito importante e não é fácil, pois nem todas as cidades lidam com esta profundidade cultural, incluindo o património. Para mim a cultura é um recurso que precisa de ser desenvolvido.”

Questionado sobre o que poderia ter feito melhor enquanto esteve à frente do IC, Ung Vai Meng prefere nada apontar. “Fiz aquilo que tinha de fazer. Cabe ao público avaliar se o meu trabalho foi bom ou mau. Penso que tentei o meu melhor, não sei se é bom ou mau, cabe aos cidadãos avaliar. Mas em qualquer área, para um funcionário público, deve ser assim, não apenas na área da cultura.”

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