Amores de Shunzhi

[dropcap]O[/dropcap]Imperador Qing Huang Taiji morreu em 1643 sem designar sucessor e um comité de príncipes manchus elegeu, entre os seus onze filhos, o nono [e não o terceiro, como por engano ficou referido no artigo da semana passada], Aisin-Gioro Fulin (1638-1661) como continuador da Dinastia Qing. Tal ficou a dever-se em muito ao trabalho de bastidores da sua mãe, Bumbutai (1613-1688), a Imperatriz Xiaozhuang após Aisin-Gioro Fulin ser Imperador. Era uma das três mulheres que o clã mongol Borjigit enviara à corte nürzhen para estreitar relações, sendo as outras duas, a tia de Bumbutai, a então Imperatriz Xiaoduan (Jerjer, 1599-1649) e a irmã mais velha, a favorita consorte Minhui (Harjol, 1609-1641).

Fulin tornou-se o Imperador Shunzhi (1643-1661), o segundo da manchu Dinastia Qing, quando em 8 de Outubro de 1643 no Palácio Imperial de Mukden (Shenjiang) foi entronizado. Por ter apenas seis anos foram nomeados os regentes Jirgalang e Dorgon, filho mais novo de Nurhachi e meio irmão de Huang Taiji.

Quando os qing atravessaram em 1644 a Grande Muralha contava o seu exército aproximadamente dois milhões de homens no sistema das 8 bandeiras. No nono dia da décima Lua de Jiashen (8 de Novembro de 1644) Shunzhi tornou-se em Beijing o primeiro Imperador da Dinastia Qing da China. Aí, os jesuítas acabavam de alcançar uma grande vitória sobre os astrónomos chineses ao conseguirem prever um eclipse solar para o primeiro dia do oitavo mês lunar de 1644, não calculado pelo então calendário chinês. Tal demonstrava a necessidade de substituir o Calendário Shou Shi (Narração do Tempo) feito por Guo Shoujing em 1281.

Em Beijing, os jesuítas vinham trabalhando desde 1629 na correcção desse calendário e contra a vontade dos astrónomos da Dinastia Ming preparavam um novo calendário para o substituir.

Reinava já a Dinastia Qing quando aconteceu como previsto por Joannes Adam Schall von Bell o eclipse lunar de 15 de Janeiro de 1645, o que levou a ser oficializado o Calendário Shixian feito por esse jesuíta alemão, logo nomeado Director do Departamento de Astronomia de Beijing e a quem o Imperador Shunzhi sempre deu protecção.

Liberdade religiosa

Os padres da Corte puderam continuar em Beijing devido ao entusiasmo da Dinastia Qing para com o novo calendário. O elevado estatuto que gozava o então mandarim jesuíta Schall von Bell e a sua grande intimidade com o Imperador levaram-no a conseguir em 1650 autorização para construir a Igreja da Imaculada Conceição, mais tarde Catedral do Sul (Nantang).

Durante seis anos esteve o Imperador Shunzhi liberto da governação do país, entregue ao regente Dorgon, e por isso teve tempo para se dedicar às artes, sendo um bom calígrafo e um excelente desenhador de paisagens. Estudou o confucionismo e como extremoso adepto da piedade filial escreveu uma série de poemas dedicados à sua mãe. Após a morte de Dorgon, no último dia de 1650, Shunzhi iniciou com doze anos a governação do país.

Em 1651, numa caçada pela Montanha Jingzhong em Hebei, ao saber encontrar-se ali há nove anos o monge Bieshan em meditação numa gruta, para lá se dirigiu. Após ser por ele recebido, regressou ao palácio e mandou construir um local especial para o acolher, mas o monge recusou. Assim se iniciou o interesse do Imperador Shunzhi pela doutrina budista.

As esposas

A concubina Tunggiya hala (1640-1663) era proveniente de uma família manchu mas vivera sempre entre os chineses han. Entrara na Cidade Proibida em 1653 e a 4 de Maio de 1654 deu à luz Xuanye, o terceiro filho de Shunzhi e por este se ter tornado em 1661 o Imperador Kangxi tomou ela o título Cihe, mãe do imperador e após a morte, Imperatriz Xiaokangzhang.

Já por uma questão política e de tradição, para acalmar o clã mongol Borjigit, o Imperador Shunzhi casou-se em 1654 com Alatan Qiqige (1641-1718), que ficou a ser a Imperatriz mãe Xiaohuizhang, apesar do pouco afecto do imperador por ela.

A sua favorita era a concubina Donggo hala (1639-1660), que entrara no palácio em 1656 e tornou-se a consorte Xian. A 12 de Novembro de 1657 deu à luz o quarto filho do imperador e tal era o amor por ela que Shunzhi o escolheu para seu sucessor, mas este morreu passado três meses, trazendo um grande desgosto ao casal.

Em 1658 Shunzhi mandou chamar o monge budista Yülinxiu do Templo Baoen em Huzhou (hoje Wuxing, em Zhejiang) para ir a Beijing falar com ele. Este recusou e só após várias tentativas acedeu. O imperador ofereceu-lhe o título de mestre Dajue e tomou-o como professor, pedindo para que lhe desse um nome budista e assim ficou a chamar-se Xingchi, aliás Chidaoren. Após dois meses, o mestre regressou ao templo e o Imperador requereu que lhe enviasse um dos seus estudantes.

Shunzhi convidou um outro famoso monge do Templo Tiantong de Zhejiang, Muchenqin que nas conversas se apercebeu da sensibilidade do Imperador e seu entendimento sobre a abstracta doutrina do Budismo Chan. Teria na última reincarnação sido um monge, o que Shunzhi concordou pois, cada vez que visitava um templo não tinha vontade de lá sair e não fosse deixar a mãe sozinha já seria monge.

A Beijing chegou Xisen, o estudante enviado por Yülinxiu, com quem o imperador falava frequentemente sobre a doutrina e lhe pedia conselhos. Com a sua favorita Donggo hala conversava e discutia sobre os livros Chan tornando-se ela também budista. A sua morte em 23 de Setembro de 1660 afectou profundamente o Imperador, que logo passados dois dias lhe atribuiu o título póstumo de Imperatriz Xiaoxian e mandou celebrar um grande funeral budista, convidando 108 monges para durante 21 dias recitarem orações do Clássico budista.

O Imperador deprimido quis suicidar-se, obrigando dia e noite a ter uma pessoa a acompanhá-lo. Com uma tristeza imensa, pensou abandonar o trono e fazer-se monge. Dois meses após a morte da sua favorita, Shunzhi pediu a Xisen que lhe rapasse o cabelo e nem a Imperatriz viúva sua mãe o conseguiu demover. Esta, desesperada, mandou chamar Yülinxiu para vir ao palácio a fim de o obrigar a abandonar tal ideia. Levava 18 dias de monge, quando este chegou, mas nem as várias razões expostas o demoveram e em desespero, Yülinxiu ameaçou com a chantagem de mandar queimar Xisen. Só assim o conseguiu demover.

Dos oito filhos masculinos de Shunzhi, o primeiro nascido em 1651 morrera 89 dias depois.
Ao preparar a sucessão, dos seis candidatos o imperador inclinava-se para o segundo filho Fuquan (1653-1703), então com nove anos. Mas a mãe de Shunzhi, a Imperatriz viúva Xiaozhuang não concordou e por sugestão de von Bell, o único a saber sofrer o Imperador de varíola, propôs a escolha de Xuanye, pois aos dois anos tivera essa doença, bastante mortífera para os manchus que não tinham defesas contra ela. Assim vacinado, o seu terceiro filho Xuanye com oito anos foi o escolhido.

A 5 de Fevereiro de 1661, Shunzhi com 22 anos morreu, sendo sepultado conjuntamente com a sua favorita, a Imperatriz Xiaoxian, no Mausoléu Xiao.

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