A China e a inovação (I)

“China’s innovative ability languished after the fourteenth century. Today, however, China is determined not only to catch up with the West, but to re-establish itself at the forefront of technological innovation. Two forces are driving the surge of Chinese innovation. One is based on need-China’s pressing need to solve the myriad domestic problems that rapid economic development has created. The other is based on a new strategic direction for Chinese corporations: to enter high-value, high-margin sectors that are internationally competitive and where they will be matching global corporations, innovation for innovation. Much of this recent drive is through mergers with and acquisitions of successful Western firms that were made to gain brands, technology, and markets.”
“China’s Next Strategic Advantage: From Imitation to Innovation” – George S. Yip and Bruce McKern

[dropcap style≠‘circle’]O[/dropcap]s chineses inventaram a pólvora, bússola, roda de água, papel-moeda, serviço bancário de longa distância, serviço civil e a promoção de mérito. Até ao início do século XIX, a economia da China era mais aberta e estimulada pelo mercado do que as economias da Europa. Actualmente, porém, muitos acreditam que o Ocidente é o lar de pensadores e inovadores de negócios criativos, e que a China é em grande parte uma terra de aprendizes rotineiros, um lugar onde a P&D é diligentemente perseguida, mas as descobertas são raras. Quando perguntamos qual a razão, as respostas em geral variam, segundo um estudo conduzido pela Universidade de Harvard, pois algumas pessoas culpam os engenheiros.

A maioria das “start-ups” chinesas não é fundada por desenhadores ou artistas, mas por engenheiros que não têm criatividade para pensar em novas ideias ou projectos. Outros culpam o governo pela escala sem precedentes da sua falha em proteger os direitos de propriedade intelectual, chegando mesmo a invocar que os produtos da “Apple” foram pirateados em todo o mundo, mas absurdamente apenas a China abriu lojas totalmente falsificadas repletas de funcionários que pensam que trabalham para a empresa americana. Ainda outros culpam o sistema de ensino chinês, com a sua versão modernizada do que os japoneses denominam de inferno dos exames da China. Como é possível que estudantes tão completamente focados nos resultados dos testes possam ser inovadores?

As décadas de experiência de campo e pesquisa na China e as dezenas de estudos de casos que foram analisados e publicados, permitem observar a existência e pouco mérito em todos esses pontos de vista, devendo ressaltar que muitas das empresas ocidentais mais inovadoras foram fundadas por engenheiros. Tais críticas não contam toda a história. A China não tem falta de empreendedores ou procura de mercado e dada a enorme riqueza e vontade política do governo, o país tem o potencial de definir o tipo de políticas económicas e construir o modelo de instituições de ensino e pesquisa idênticas às que impulsionam os Estados Unidos no domínio tecnológico. Mas esse potencial é usado? É possível ver desafios consideráveis. A observação de como a inovação está a acontecer na China, de cima para baixo e vice-versa, através de aquisições e educação, lança luz sobre as complexidades da questão, destacando a promessa e os problemas que o país enfrenta na sua procura para se tornar o líder da inovação mundial.

O “Programa Nacional de Médio e Longo Prazo para o Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (MLP, na sigla em inglês)”, criado em 2006, declara a sua intenção de transformar a China em uma sociedade inovadora até 2020 e líder mundial em ciência e tecnologia até 2050. Tal declaração não é vazia, pois tem um histórico sólido de estabelecer políticas e incentivos, e depois observar os cidadãos e autoridades dos governos locais, até ao nível das aldeias, a segui-la. O governo chinês, durante quarenta anos, tem usado a sua riqueza de recursos e vontade política para estimular a inovação de topo. É de recordar que nas décadas de 1980 e 1990, a China criou a “National Natural Science Foundation of China” e o “State Laboratory”, e reformulou a “Academia Chinesa de Ciências” de estilo soviético para financiar pesquisas universitárias pré-comerciais em bases revistas pelos seus pares (em vez de políticas), da mesma forma que a “National Science Foundation” faz nos Estados Unidos.

Ao mesmo tempo, o Estado, com o apoio dos governos regionais, financiou o desenvolvimento de zonas de alta tecnologia para promover a comercialização da inovação. A partir de 1985, quando a primeira dessas zonas foi desenvolvida, em Shenzhen, proliferaram a ponto de serem uma paragem usual nas excursões oficiais de qualquer grande cidade chinesa. O poder do governo de moldar indústrias inovadoras novas pode ser visto nos efeitos das suas políticas no sector de turbinas eólicas, pois em 2002, lançou um processo aberto de licitação para projectos de parques eólicos para incentivar a concorrência entre os fabricantes de turbinas. As importações estrangeiras inundaram o mercado incipiente da China, e em um modelo que se repetiria em outras indústrias, o governo exigiu que as empresas estatais adquirissem 70 por cento dos componentes das empresas domésticas.

As empresas estrangeiras continuaram a investir directamente na China, mas até 2009, seis das dez maiores empresas de turbinas eólicas eram chinesas, o que culminou em um crescimento notável na participação das empresas domésticas nas vendas totais, que passaram de 51 por cento em 2006 para 93 por cento em 2010. O objectivo do MLP de 2006, era reduzir a dependência da China de tecnologia importada para uma cifra não superior a 30 por cento em poucos anos, aumentar o financiamento interno em P&D e ultrapassar os rivais estrangeiros no que o governo identificou como sectores estratégicos emergentes, biotecnologia, tecnologias de eficiência energética, produção de equipamentos, tecnologia da informação e materiais avançados. A fim de atingir tal objectivo, o governo chinês introduziu subsídios à exportação para as empresas chinesas e uma política que exige que os ministérios e as empresas estatais adquirissem bens, quando viável, de empresas de propriedade chinesa.

Apesar das objecções de que esses movimentos violassem os termos da participação da China na Organização Mundial do Comércio, poucas firmas internacionais saíram do país, tendo-se resignado a apoiar a inovação chinesa. Assim, enquanto em 2004 havia cerca de seiscentos centros estrangeiros de P&D na China, em 2010 esse número mais do que duplicou, e a sua grandeza e importância estratégica aumentaram. A “Pfizer” mudou a sua sede na Ásia para Xangai no mesmo ano e em 2011, a “Microsoft” abriu o seu centro de P&D na região Ásia-Pacífico, em Pequim, e a “General Motors” abriu um Centro Técnico Avançado, composto por vários laboratórios de engenharia e desenho. A sede da P&D da Ásia da “Merck”, em Pequim entrou em actividade em 2014. Talvez não exista uma demonstração mais possante da capacidade da China de estabelecer e realizar metas ambiciosas do que o apoio do governo ao transporte ferroviário de alta velocidade e os esforços para colocar seres humanos na Lua, em que ambos os projectos exigem financiamento em uma escala aparentemente impossível para o país.

É de acreditar na sua capacidade de inventar e adaptar numerosas tecnologias e que tais ambições podem impulsionar a inovação da mesma forma que os programas financiados pelo governo resultaram nos Estados Unidos na segunda metade do século XX. Há quem defenda limites, no entanto, para os que ainda consideram um governo demasiado musculado e motivado como o da China quanto às exigências em matéria de inovação e contra as intenções do governo e dos recursos nacionais, devido às correntes poderosas que se originam no sistema comunista e amenizadas pela forte liderança do presidente Xi Jinping e na cultura antiga da China. Existia o medo de que essas forças pudessem restringir a criatividade empreendedora que borbulha na China. No início da década de 1990, Edward Tian, um empreendedor educado nos Estados Unidos, fundou a “AsiaInfo”, que em três anos cresceu e se transformou em uma próspera empresa de trezentas e vinte pessoas e uma receita de quarenta e cinco milhões de dólares.

O então primeiro-ministro, em 1996, frustrado com o ritmo lento das mudanças tecnológicas no sector das telecomunicações da China, convenceu Tian de que era seu dever deixar a empresa para liderar uma nova empresa, a “China Netcom”, para construir uma nova rede de fibra óptica que ligasse cerca de trezentas cidades e passados cinco anos era uma empresa inovadora, com uma cultura aberta e criativa, apesar de ser propriedade conjunta de quatro agências governamentais. Em 2002, quando o gigante das telecomunicações “China Telecom” foi desmembrado pelo governo, os seus dez mercados provinciais do norte foram integrados à “China Netcom” e do dia para a noite, Tian tornou-se responsável por uma organização de duzentas e trinta mil pessoas.

O choque cultural entre as duas organizações foi extraordinário. Tian foi visto por muitos funcionários da “China Telecom” como um “outsider” americano que tentava reconstruir uma empresa estatal de forma inaceitável. Seis meses após a fusão, o estudo sobre o caso da “China Netcom” foi apresentado a setenta executivos chineses de topo, incluindo vinte da indústria de telecomunicações que em vez de extraírem lições sobre a relação entre mudança organizacional e o sucesso nos negócios, o grupo atacou Tian pela sua forma não-chinesa de administrar e de incompetência por apresentar a cultura do “Silicon Valley” na China de uma forma tão positiva, o que fez Tian abandonar o cargo na “China Netcom”. A “China Netcom” acabou por se parecer com uma empresa de telecomunicações moderna, com as estruturas de governança necessárias para serem cotadas nas bolsas de valores internacionais, mas permaneceu no coração de uma empresa estatal. Quando se pretende descobrir os gestores da empresa na procura do real proprietário poder-se-á pensar que é o secretário do partido, pois o “Partido Comunista da China” exige que um representante esteja presente em todas as empresas com mais de cinquenta funcionários. Todas as empresas com mais de cem funcionários devem ter uma célula partidária, cujo líder se reporta directamente ao partido no município ou província.

Tais requisitos não se vêem que possam comprometer a natureza proprietária da direcção estratégica, das operações e da vantagem competitiva de uma empresa, restringindo assim o comportamento competitivo normal. Mas mesmo se o governo dissolver as células partidárias e, em vez disso, redobrar os seus esforços para incentivar inovações revolucionárias, não haverá um desincentivo maior que seriam as realidades económicas dos mercados nos quais as empresas chinesas operam e há quem se interrogue qual o motivo de ter o trabalho de ser pioneiro em ofertas inovadoras, quando as recompensas e as perspectivas de crescimento para melhorias são tão grandes, quer no mercado doméstico como no exterior? Se considerarmos a plataforma de serviço “business-to-business (B2B) Alibaba”, que em 2001 era tão insegura que se temia que fosse à falência, mas que adaptou criativamente as tecnologias estrangeiras às necessidades dos mercados em desenvolvimento, e que serve cem milhões de clientes em quase duzentos e cinquenta países.

[continuação]
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