Sexanálise VozesA narrativa erótica em áudio está a substituir o vídeo? Tânia dos Santos - 19 Dez 2025 O erotismo está a ganhar uma nova voz — literalmente. Enquanto o vídeo dominou durante décadas o imaginário sexual mainstream, hoje a fantasia sexual narrativa em áudio está a viver um momento de grande popularidade: podcasts eróticos, apps que contam histórias sensuais e audiobooks capazes de provocar tesão. É uma forma de erotismo que apela à imaginação, à intimidade e à experiência pessoal de uma forma que a pornografia visual raramente consegue. O formato áudio funciona de maneira radicalmente diferente do vídeo. Quando vemos vídeos, recebemos uma imagem pronta, um guião visual que dita aquilo que deveria excitar-nos. São corpos com características específicas, muitos deles com alterações cirúrgicas que seguem modas do que é suposto ser sensual ou excitante. O áudio, por outro lado, funciona como sugestão: somos nós que construímos o cenário, as personagens e a química. A narrativa entra em jogo como uma espécie de gatilho — um gatilho que permite à imaginação fazer aquilo que sabe melhor: criar a nossa própria fantasia erótica. Quando ouvimos uma história erótica em áudio, os nossos cérebros não estão apenas a processar estímulos externos; estão a colaborar activamente com a narrativa, a preencher espaços, a gerar imagens e sensações únicas. Essa participação pode intensificar a resposta erótica de uma forma diferente da experiência mais passiva de observar um ecrã. Estas histórias em áudio conseguem centrar a experiência no ouvinte, muitas vezes colocando-o no papel principal da fantasia e criando uma sensação de conexão e intimidade difícil de replicar em vídeo. A crescente popularidade do áudio erótico parece responder a necessidades emocionais e sexuais que muitas pessoas sentem não estar contempladas pelas formas tradicionais de pornografia. Com a narrativa, o ouvinte deixa de ser apenas consumidor e passa a estar envolvido num processo de co-criação do erótico. Apps como a Quinn ou a Dipsea produzem histórias narradas, muitas vezes focadas na perspectiva do ouvinte — com vozes, som ambiente e uma narrativa envolvente — em vez de imagens explícitas. Não é apenas a natureza do erotismo que explica esta popularidade crescente, mas também o público para quem estas histórias são criadas. Muitas destas aplicações e podcasts são pensados por mulheres e para mulheres, ou para pessoas queer. A pornografia, historicamente associada ao olhar e ao desejo masculino (com algumas excepções), tende a deixar de fora outros imaginários igualmente relevantes. As narrativas eróticas em áudio têm explorado precisamente esses territórios tradicionalmente considerados mais “femininos”: o consentimento, a emoção, a vulnerabilidade e o prazer feminino. Aqui, o foco na história e na antecipação constrói uma forma de erotismo que privilegia a conexão — sem nunca abdicar da excitação. O sucesso destas apps, podcasts e contos áudio sugere que muitas pessoas procuram histórias que as incluam e respeitem os seus ritmos e desejos, especialmente aquelas que nunca se reconheceram na erótica mainstream. O foco na conexão emocional, o simples facto de alguém sussurrar palavras sensuais directamente pelos headphones adentro, cria uma experiência íntima e quase confidencial. Esta raridade emocional — sentir-se ouvido, desejado e imaginado no universo erótico — torna o áudio simultaneamente excitante, libertador e seguro. O regresso à voz pode, por isso, ser mais do que uma moda passageira. Pode ser um reflexo de como queremos experienciar o erotismo hoje: não como espectadores distantes, mas como participantes activos na nossa própria co-criação erótica.