VozesDE FILINTO ELÍSIO Amélia Vieira - 12 Nov 2025 O que nos poderá trazer à memória remota este autor é digno de ser entendido à luz dos acontecimentos recentes onde o filicídio e o parricídio se levantam desde obscuros tempos no país da longa Inquisição e de expostos à Roda, portanto, uma memória sombria que um povo pequeno ao longo de séculos foi capaz de perpetrar nas agruras de um fatalismo doentio e inegável brutalidade emocional. Assistimos incautos mas não esquecidos (alguns) às manifestas capacidades malignas que se levantam do seu atavismo e tentamos compreender não só o próprio momento mas todos aqueles que o antecederam, e nele nos ocorre Filinto Elísio, uma figura notável do século XVIII com um percurso monumental, um dos grandes conhecedores da cultura clássica da sua época, lembrando que foi a sua própria mãe que o denunciou à Inquisição, não esquecendo ainda que o país foi fundado por um rei que bateu na sua mãe. Eis que quase subitamente e por um fio rasgado da sorte, existiu para reparar todas estas tragédias o culto mariânico que numa primeira instância se achou suspeitoso mas que fora metodicamente afivelado para transpor, quem sabe, o nível pré-consciente de uma nação que forjou o crime no seio da mais pequena instituição redimindo-a assim do descaso brutal de que deu provas ao longo de séculos. E o mito vingou! Só que deixou a descoberto a existência transsexual das personagens que fixaram os afixos. -Há que descobrir o leitor o que entende por tal definição- Passando de imediato para o autor, a ordem de prisão fora ordenada, só que ele fugira indo parar à casa de um negociante francês, e pouco mais tarde a bordo de um navio sueco; Filinto tinha-se escapulido com todo o seu saber e cultura inscritos para jamais regressar. No meio de tudo isto o drama do obscurantismo foi ainda, e talvez, o melhor que lhe acontecera. Fez um percurso que a nós nos faria falta pela excelência e legou-o a outros, foi amigo de Lamartine que lhe escreveu um poema «Stances à un Poète Portugais Exilé» D. Maria I tinha manifestado simpatia pelo regresso do poeta e em devolver-lhe todos os seus bens alienados, mas os seus muitos adversários impediram o seu retorno. A Revolução Francesa já estava em marcha, só que o espigão do negrume inquisitorial não deixou, levantando-se hoje com força bravia, incalculável. Não há nenhuma perturbação psíquica. Há sim um atavismo reflector de um longo legado de sordidez que se levantou e reclama a sua esfera, que não existe medicação para níveis de malvadez desta dimensão. A ciência trata os casos e corrigi-os de forma a manter a qualidade da existência, não se ocupando das sombras e seus reflexos sanguíneos na corrente colectiva, que ela se tornou de tal ordem avassaladora que entenderemos melhor este Filinto Elísio no seu descaminho e fuga do que uma qualquer análise nos queira transmitir. Um poeta, por o ser, tem um amplo plano de evasão, sustentado quanto vezes por acasos felizes de outra ordem, só que mesmo assim, a sua dor foi real e manteve-se ao longo de uma vida onde temos todos muita honra por ter sido nosso concidadão. Afinal, qual a intenção esmagadora de denunciar um filho às chamas da Inquisição? Porquê ter sido permitido fazer Rodas de enjeitados? Por que não se poder nascer com segurança num local onde a obstetrícia é o parente pobre da saúde pública? (talvez por isso) o mesmo terror antigo que nos inibe e controla como um fardo, que há um país no mundo às portas de um total desconhecimento de seu drama íntimo. À memória esquecida de um grande português são dedicadas estas linhas e todas as interrogações. Aos filhos que matam pais, aos pais que matam filhos, aos homens que matam mulheres, às mulheres que matam maridos, ofereçamos Filinto Elísio.