As alterações climáticas e as contradições de Lula da Silva

O facto de o Brasil ser o quinto país mais extenso1 do globo e o sétimo em termos de número de habitantes justifica que o seu Presidente, Lula da Silva, seja um político que suscita curiosidade a nível global. Foi em parte graças aos seus governos que o índice de desenvolvimento humano (IDH3) do Brasil tem progredido de maneira significativa, tendo atingido, numa lista de 193 países, a 89ª posição em 2024, segundo o Relatório do Desenvolvimento Humano 2023/2024, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Eleito três vezes, Lula da Silva ocupou a presidência de 2003 a 2011 e de 2023 até à atualidade. Da sua política sobressaem os programas “Bolsa Família” e “Fome Zero”, reconhecidos pelas Nações Unidas como tendo contribuído para amenizar consideravelmente a fome no Brasil.

Além da luta contra a fome, são também áreas em que houve maior desenvolvimento, a saúde e a longevidade, devido ao investimento no Sistema Único de Saúde e ao aumento de programas de vacinação. No campo da educação houve progressos significativos graças a incentivos para que mais crianças e adolescentes frequentassem o ensino primário e médio. Iniciativas como o “Programa Universidade para Todos” (ProUni) e o “Fundo de Financiamento Estudantil” (FIES) contribuíram para um maior número de universitários provenientes das camadas populacionais de baixo rendimento.

É devido a este grande país que a língua portuguesa é uma das mais faladas em todo o mundo e a mais usada no hemisfério Sul. Na Internet ocupa o quinto lugar4, muito acima do russo que está em oitavo lugar na lista, segundo a empresa de traduções “Gama!”.

O Brasil também é motivo de atenção principalmente pelo facto de possuir grande parte da Amazónia, a maior floresta tropical do globo5. Esta floresta, que se estende por 9 países, tem cerca de 60% da sua extensão no Brasil, daí a grande responsabilidade dos governos deste país de a preservarem, não só em seu próprio benefício, mas também de todo o planeta.

No tempo do governo de Jair Bolsonaro (2019 – 2022) foram dados passos atrás no que se refere à proteção da Amazónia, nomeadamente o aumento da exploração mineira clandestina e o agronegócio, o que teve como consequência o aumento da desflorestação, da poluição de numerosos cursos de água com fortes repercussões na saúde das populações autóctones e na biodiversidade.

Foi o tempo em que os “grileiros”6 tiveram novamente mais liberdade na sua atividade de falsificação de documentos que se pretendia serem comprovativos de propriedade de terras que, na realidade, foram ocupadas ilegalmente. Passados esses quatro anos de um governo de extrema-direita, o país voltou a ser dirigido por governantes que se preocupam com o papel primordial que a Amazónia tem na regulação do clima à escala global e no bem-estar das populações autóctones.

A biosfera constitui uma das componentes do sistema climático que mais influência tem na regulação do clima à escala global. Grande parte dessa componente é constituída pela Amazónia, atendendo a que se trata da mais extensa floresta tropical, com quase sete milhões de quilómetros quadrados.

Trata-se de um vasto sumidouro de dióxido de carbono, contribuindo para a redução da concentração dos gases de efeito de estufa na atmosfera, e de uma fonte de oxigénio. Os atentados de que tem sido alvo, motivados pela ganância humana, na forma de desflorestação para exploração agropecuária fazem com que haja a possibilidade de se transformar numa extensa savana, havendo o risco de se atingir o ponto sem retorno da capacidade de regeneração, em que a floresta passaria de sumidouro de CO₂ para uma fonte deste gás.

Lula da Silva, apesar de se lhe reconhecer ser um lutador em prol da preservação da Amazónia e defensor das medidas para amenizar as alterações climáticas, é alvo de pressões no sentido de amenizar estas suas características, o que tem causado algumas tergiversações do governo na aplicação de medidas de proteção do ambiente e de luta contra as alterações climáticas. Veja-se, por exemplo, o caso do Projeto de Lei N.º 2159, de 2021, apelidado pelos críticos de Lula por “PL da devastação”.

Em discussão desde há alguns anos, foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 13 de maio do corrente ano, perante a passividade do presidente, que não deu o devido apoio a Marina Silva, sua ministra do “Meio Ambiente e Mudança do Clima”. Após algumas emendas suscetíveis de aumentarem o impacto ambiental, acabou por ser aprovado recentemente pelo Senado. Há mesmo quem afirme que os retrocessos na política ambiental implícitos neste Decreto-Lei não envergonhariam o governo de Jair Bolsonaro, explicitamente considerado antiambientalista.

Perante esta situação, o caminho está aberto para a exploração petrolífera no mar, relativamente próximo da foz do rio Amazonas, o que contraria as recomendações expressas na Conferência sobre o Clima COST287, em que se estabeleceu, pela primeira vez neste tipo de conferências, o compromisso explícito relativamente à necessidade de se proceder à transição dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos de forma “justa, ordenada e equitativa” com intuito de se atingir a neutralidade carbónica até 2050.

Este “Decreto da Devastação” permite a existência de “Licenças Ambientais Especiais” (LAE) para projetos classificados como estratégicos. Estes seriam sujeitos à apreciação do órgão responsável pelo licenciamento apenas durante um ano, após o qual seriam automaticamente aprovados. A escassez crónica de pessoal deste órgão, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA), permitiria frequentemente a respetiva aprovação, abrindo caminho a impactos ambientais imprevisíveis.

Perante esta situação, é compreensível a acusação de passividade por parte de Lula da Silva no que se refere aos trâmites que envolvem a aprovação deste decreto. A posição do presidente do Brasil é deveras incómoda, tanto mais que a próxima Conferência das Partes a promover pela UNFCCC8, a COP30, se vai realizar em Belém, no Brasil, já no próximo mês de novembro.

A aprovação do famigerado “PL da Devastação” ilustra bem a contradição entre a teoria e a prática na política conduzida pelo governo brasileiro.

(Meteorologista)

Distribuição dos dez maiores países em termos de extensão (em km²) segundo “dadosmundiais.com”:

Federação Russa – 17.098.242; Canadá: 9.984.670; China: 9.596.961;Estados Unidos: 9.525.067; Brasil: 8.515.767; Austrália: 7.692.024; Índia: 3.287.263; Argentina: 2.780.400; Cazaquistão: 2.724.900; Argélia: 2.381.741.

Os dez países com maior população (em milhões) segundo “dadosmundiais.com”: Índia 1.438,1; China 1.410,7; EUA 334,9; Indonésia 281,2; Paquistão 247,5; Nigéria 227,9; Brasil 211,1; Bangladeche 171,5; Federação Russa 143,8; México 129,7.

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, adotado pelo PNUD, consiste num número obtido estatisticamente, que vai de zero (desenvolvimento muito baixo) a um (desenvolvimento muito alto), baseado em dados que envolvem vários parâmetros, nomeadamente esperança de vida, educação e rendimento per capita. São 193 os países e territórios abrangidos por este índice.

Segundo a empresa de traduções “Gama!”, é a seguinte a lista das 10 línguas mais utilizadas na Internet (em milhões): 1ª – inglês 952,1 (25,5%); 2ª – Mandarim 763,3 (20,4%); 3ª – Espanhol 293,8 (7,9%); 4ª – Árabe 173,5 (4,6%); 5ª – Português 155,0 (4,1%); 6ª – Malaio 154,7 (4,1%); 7ª Japonês – 118,5 (3,2%); 8ª – Russo – 104,5 (2,8%); 9ª Francês 100,6 (2,7%); 10ª – Alemão 83,9 (2,2%).

A Amazónia estende-se por territórios de nove países, ocupando, aproximadamente, as seguintes extensões: 60% no Brasil, 13% no Peru, e os restantes 27% na Bolívia, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname, Guiana Francesa e Equador.

Grileiros – termo usado no Brasil, para designar os detentores de títulos de posse de propriedades, falsificados com recurso a excrementos de grilos para lhes dar aspeto de documentos antigos.

COP28 – 28ª Conferência das Partes (“Conference of the Parties”) realizada no Dubai, em 2023.

UNFCCC – United Nations Framework Convention on Climate Change.

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