Os sistemas meteorológicos de alerta precoce e a sua importância

Olavo Rasquinho *

É do conhecimento geral a importância que os avisos meteorológicos têm para atividades humanas. No entanto, cerca de um terço dos 193 membros da Organização Meteorológica Mundial (OMM) ainda não possuem sistemas eficientes de alerta precoce no sentido de avisar as populações para se precaverem contra a perda de vidas e bens perante desastres naturais de carácter meteorológico.

Em face desta realidade, a OMM selecionou para tema das celebrações do Dia Meteorológico Mundial (DMM) de 2025 “Closing the early warning gap together”, que se pode traduzir por “Reduzamos, juntos, as falhas dos sistemas de alerta precoce”. O tema insere-se na “Iniciativa Alertas Precoces para Todos” (“The Early Warnings for All Initiative”), a qual visa a proteção das populaações, à escala global, relativamente a fenómenos perigosos de carácter hidrometeorológico, climático e eventos ambientais relacionados.

Os sistemas de alerta precoce assentam essencialmente em quatro componentes: conhecimento do risco; monitorização e previsão; comunicação e disseminação de alertas e capacidade de resposta das comunidades. A falha de qualquer destas componentes compromete a eficácia das medidas a tomar para evitar que um desastre natural se transforme numa catástrofe.

Os serviços meteorológicos, com recurso a meios que fazem parte de uma rede global de observação, e a modelos físico-matemáticos que simulam o comportamento da atmosfera, preveem a ocorrência de fenómenos que poderão afetar a vida dos cidadãos. Por exemplo, a hora aproximada da chegada de um tufão a terra pode ser prevista, mas o simples facto de o seu movimento retardar ou acelerar pode ter como consequência não acertar na hora em que tal acontece. Normalmente os tufões, que se formam sempre no mar, diminuem a velocidade de progressão e a intensidade ao se aproximarem de terra.

No entanto, esporadicamente, tal pode não acontecer. Foi o que ocorreu com o tufão Hato que, em agosto de 2017, atingiu Macau com consequências graves. Em vez de diminuir a sua velocidade de deslocamento e enfraquecer, sofreu uma súbita intensificação e aumento de velocidade, surpreendendo os meteorologistas. Tal aconteceu com a agravante de a chegada do tufão ter coincidido com a maré astronómica alta, o que reforçou as consequências da maré de tempestade. Pode-se então deduzir que a componente “monitorização e previsão” e, consequentemente, a componente “comunicação e disseminação de alertas” do sistema de alerta precoce não funcionaram a cem por cento devido ao comportamento anómalo do tufão.

Tal aconteceu num território em que o sistema de alerta precoce está bem estruturado e funciona geralmente com elevado índice de sucesso. Imagine-se o que poderá acontecer quando este tipo de fenómenos ocorre em regiões onde não existem sistemas de alerta precoce ou, existindo, não são suficientemente eficazes devido a deficiência de meios ou inexistência de recursos humanos. Como exemplo desta situação pode-se mencionar o que ocorreu, em novembro de 1970, no então designado Paquistão Oriental. Esta província paquistanesa foi atingida por um dos ciclones mais violentos do século passado, o “Grande Ciclone Bhola”, que causou um número de mortos que se estima entre trezentos mil a meio milhão.

É considerado o ciclone tropical que mais vítimas causou desde que há registos. Ventos de cerca de 200 km/h, coincidentes com uma maré astronómica alta, arrastaram as águas do Índico terra-a-dentro, invadindo grande parte do delta do rio Ganges, causando uma maré de tempestade de grandes proporções, que chegou a atingir 6 metros. As consequências foram tão graves que contribuíram para a revolta do povo da região, motivada pela fraca resposta do governo central. O descontentamento gerado contribuiu para intensificar a luta pela independência da província, o que se concretizou em 1971, dando origem a um novo país, o Bangladeche.

Outro exemplo foi o que aconteceu em Mianmar (antiga Birmânia), em maio de 2008. Este país, dirigido durante dezenas de anos por ditaduras militares, não sofreria tanto as consequências do ciclone Nargis se estivesse apetrechado com um sistema de alerta moderno e eficiente. As mais de 130.000 vítimas mortais causadas pela maré de tempestade associada ao ciclone tropical seriam, certamente, em grande parte evitadas. Alguns dias antes do ciclone ter atingido aquele país já haviam sido emitidos avisos pelo Centro Meteorológico Regional Especializado (“Regional Specialized Meteorological Center – RSMC”) de Nova Deli, que é o centro responsável pela vigilância meteorológica para a bacia do Índico Norte1.

Também o Serviço Meteorológico da Índia avisou o governo de Mianmar sobre a grande probabilidade de ocorrência de uma maré de tempestade de grandes proporções que afetaria o delta do rio Irauádi, o que veio a acontecer cerca de 48 horas depois, tempo suficiente para proceder à evacuação das populações.

Nos casos dos ciclones Bhola e Nargis os sistemas de alerta praticamente eram inexistentes no Paquistão Oriental e em Mianmar. No entanto, nas Filipinas, país afetado anualmente, em média, por cerca de vinte tempestades tropicais e tufões, apesar das autoridades meteorológica e de proteção civil serem consideradas bem organizadas, ocorreram falhas em duas das componentes do sistema de alerta precoce, em novembro de 2013.

As componentes “conhecimento do risco” e “comunicação e disseminação de alertas” falharam em parte devido a mapas de risco de inundações desatualizados e a linguagem utilizada inadequada. O tufão Haiyan (designado nas Filipinas por Supertufão Yolanda) provocou um número de vítimas mortais superior a seis mil. As principais razões para a catástrofe ter atingido tais proporções consistiram, além das falhas de duas das componentes do sistema de alerta precoce, nos factos de a pressão ter sido extremamente baixa no centro (cerca de 895 hPa), ventos de grande intensidade e o tufão ter entrado em terra próximo da hora da maré astronómica alta. Estes fatores conjugados provocaram uma maré de tempestade que atingiu, em alguns locais entre 6 e 7 metros. Note-se que a diminuição da pressão de 1 hPa corresponde à elevação do nível do mar de cerca de 1 cm.

(continua)

*Meteorologista

– No âmbito do Programa de Ciclones Tropicais da OMM, foram criadas cinco organizações, algumas das quais classificadas como organizações intergovernamentais, com o intuito de procederem ao estudo e monitorização dos ciclones tropicais: Comité de Ciclones Tropicais (Sudoeste do Oceano Índico), Painel WMO/ESCAP de Ciclones Tropicais (Baía de Bengala e Mar Arábico), Comité de Tufões ESCAP/WMO (Noroeste do Oceano Pacífico e Mar do Sul da China), Comité de Furacões da Associação Regional IV (América do Norte, América Central e Caraíbas), Comité de Ciclones Tropicais da Associação Regional V (Pacífico Sul e Sudeste do Oceano Índico).

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