Óbito | Comunidade recorda capacidade de diálogo de Papa Francisco

Foram 12 anos à frente dos destinos da Igreja Católica. O Papa Francisco morreu na segunda-feira de manhã aos 88 anos. Ainda participou nas celebrações do domingo de Páscoa no Vaticano, já bastante debilitado. A comunidade católica local recorda o seu legado de diálogo e capacidade de gestão de várias crises na Igreja

 

Jorge Mario Bergoglio ficará para sempre conhecido como Papa Francisco. Faleceu esta segunda-feira aos 88 anos, horas depois de celebrar a sua última Páscoa perante uma multidão no Vaticano. O Papa Francisco não conseguiu sobreviver às complicações de uma pneumonia bilateral, que obrigou a um prolongado internamento há semanas.

A notícia da morta do Papa Francisco correu o mundo e as mensagens de condolências e homenagem multiplicaram-se globalmente. A comunidade católica local não foi excepção. “Sem dúvida que a comunidade católica de Macau acarinhava muito o Papa Francisco, graças ao seu sorriso, sem dúvida que foi de um grande ensinamento para a comunidade local. As pessoas sempre demonstraram um grande carinho pelo Papa”, disse ao HM o padre Daniel Carvalho.

O sacerdote destacou o facto de Francisco ter sido o primeiro Papa oriundo da América Latina, mais precisamente da Argentina, o que foi “uma grande novidade para a Igreja”. Contrariando a imagem austera do seu antecessor, Jorge Mario Bergoglio rapidamente conquistou a simpatia de crentes e não-crentes pela simplicidade e capacidade de diálogo com vários grupos sociais e minorias.

“Foi um Papa que não se destacava pela sua intelectualidade, mas pelo trabalho pastoral. Demonstrou ser uma pessoa de muito diálogo, alguém misericordioso, e muito próximo das pessoas mais simples, sofredoras. Foi um Papa extremamente acessível, mostrando um lado da Igreja que a humanidade talvez não estivesse acostumada a ver. Uma Igreja mais próxima, missionária, aberta ao diálogo.”

Questionado sobre o futuro líder da Igreja Católica, o padre Daniel Carvalho diz ser difícil apontar, para já, um possível nome.

“A Igreja Católica tem hoje cerca de 120 cardeais, então quando acontece o conclave há sempre uma eleição, e o candidato que obtém dois terços dos votos é eleito Papa. É muito difícil acertar na figura que será o próximo Papa. Existem sempre várias possibilidades. É muito provável que seja alguém da linha do Papa Francisco, pois muitos dos cardeais actuais foram escolhidos por ele. Pode haver uma tendência de continuidade pelo mesmo pensamento”, frisou.

Religião “para todos”

Stephen Morgan, reitor da Universidade de São José (USJ), recordou as palavras do Papa Francisco em Lisboa, no ano passado, durante as Jornadas Mundiais da Juventude, quanto ao facto de “o catolicismo ser para todos, todos”. “Ele tinha capacidade de comunicar isso, e penso que também estava preocupado em assegurar que, aos mais altos níveis de governação, a Igreja fosse representativa e com alcance global.”

Para Stephen Morgan, o Papa Francisco “tinha uma capacidade de comunicação e de ligação com as pessoas”, além de ter criado raízes entre a Igreja Católica em países da zona sul do globo.

“Foram ordenados muitos cardeais em lugares como o Myanmar, Timor-Leste ou até Mongólia, numa espécie de reconhecimento da natureza global do catolicismo, e talvez seja algo que só alguém da América Latina, do sul global, poderia promover.”

Ao longo de 12 anos de pontificado, o Papa Francisco fez uma aproximação à comunidade LGBT e teve de lidar com o escândalo dos abusos sexuais no seio da Igreja. O posicionamento de Francisco nesse campo é outro ponto destacado por Stephen Morgan. “Ele fez um enorme número de coisas em termos de governação interna da Igreja, criando mecanismos de responsabilização. Não tenho a certeza se a responsabilização já terá acontecido, mas esses mecanismos, na crise dos abusos sexuais ou de gestão dos bens da Igreja, foram realmente muito importantes. Ele tinha uma capacidade de se relacionar com pessoas ‘modernas’, devido ao seu estilo informal”, destacou o reitor da USJ.

Quanto à futura liderança da Igreja Católica, também Stephen Morgan diz que há ainda muitas possibilidades em aberto, tendo em conta o elevado número de eleitores papais. Além disso, “uma das características do pontificado deste Papa foi o facto de não se ter reunido com os cardeais muitas vezes, sendo que os seus antecessores tinham tendência para reunir com os cardeais com muito mais frequência”. “O Papa Francisco não o fez, por isso não se conhecem verdadeiramente. Pode ser um conclave muito curto, com a maioria a dizer: ‘Não conheço ninguém, mas conheço esta pessoa’. Pode ser o Tolentino Mendonça, por exemplo. Pode levar muito tempo a que se conheçam”, explicou.

Segundo a Al Jazeera, em Janeiro deste ano existiam 252 cardeais, sendo que 138 têm poder de eleição do novo líder da Igreja Católica. O novo Papa irá cumprir o 267º pontificado.

Fala-se de vários nomes que poderão suceder a Francisco: além do português Tolentino Mendonça, há os cardeais Peter Erdo, Pietro Parolin, cardeal secretário de Estado; Peter Turkson, do Gana; Luís Tagle, das Filipinas; Mário Grech e Matteo Zuppi.

“Vale a pena referir que cerca de 50 por cento dos actuais cardeais vêm do sul global. Por isso, a ideia de que o novo Papa possa ser um asiático ou africano, e não um latino-americano, é elevada. Mas quem sabe?”, deixa no ar Stephen Morgan.

Próxima jornada

O funeral do Papa Francisco será realizado dentro de nove dias e o conclave para eleger o seu sucessor dentro de um mês, anunciou ontem o Vaticano após a morte do pontífice. Este domingo, Francisco conseguiu falar, sentado numa cadeira de rodas, no âmbito da cerimónia de benção “Urbi et Orbi”: “Urbi”, por ser dirigida a Roma, e “Orbi”, por também se direccionar ao mundo inteiro.

Na sua mensagem, lida por um assessor, denunciou-se a “desprezível situação humanitária” em Gaza, e foi feito um apelo ao cessar-fogo. O Papa Francisco alertou também para “o clima de crescente antissemitismo que se está a espalhar pelo mundo”. “Apelo aos beligerantes para que cessem o fogo, libertem os reféns e prestem uma ajuda preciosa às pessoas famintas que anseiam por um futuro de paz”, afirmou Francisco na mensagem.

“A missão autodeterminada do Papa Francisco era transformar a Igreja Católica num ‘hospital de campanha’, no sentido de ir ao encontro das pessoas onde elas estão, sem as julgar, curando-as com remédios de graça. Por isso, muitos católicos amavam-no profundamente”, rematou Stephen Morgan.

A Diocese de Macau emitiu ontem uma nota oficial sobre o falecimento do Papa, recordando que este “foi chamado à Casa do Pai no Vaticano, em Roma, aos 88 anos de idade”.

“Ao longo de seu ministério terreno, o Papa Francisco proclamou ardentemente a infinita misericórdia de Deus, semeou esperança entre os fiéis, percorreu muitas terras e cuidou com ternura dos mais frágeis, tornando-se um modelo exemplar de liderança pastoral”, é referido na nota, a que se segue um comentário do Bispo Stephen Lee.

“Neste tempo sagrado da Oitava de Páscoa, Dom Stephen Lee, Bispo de Macau, juntamente com todos os irmãos e irmãs em Cristo, eleva preces fervorosas pelo eterno descanso da alma do Papa Francisco e para que ele seja recebido na glória do Reino Celestial. Expressamos igualmente a nossa sincera gratidão pelas numerosas mensagens de condolências recebidas de todos aqueles que, com bom coração, partilham deste momento de luto”, é referido. A Diocese diz que vai anunciar as cerimónias memoriais do falecimento de Francisco.

A nota dá ainda conta da cronologia da vida de Francisco, nomeadamente o nascimento, a 17 de Dezembro de 1936, em Buenos Aires, com o nome de Jorge Mario Bergoglio; e a entrada nos jesuítas em 1958, tendo sido ordenado sacerdote em 1969. Em 2001 foi ordenado cardeal, e cerca de 12 anos depois foi escolhido como Papa.

Condolências de Pequim

A China apresentou ontem condolências pela morte do Papa Francisco, aos 88 anos, e afirmou que pretende continuar a desenvolver as suas relações com o Vaticano. Francisco foi o primeiro papa sul-americano e jesuíta da história.

“A China apresenta as suas condolências pela morte do Papa Francisco”, disse Guo Jiakun, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, em conferência de imprensa. A Santa Sé e a China não mantêm relações diplomáticas oficiais, uma vez que o Vaticano é um dos cerca de dez países que reconhecem Taiwan. No entanto, em 2018, o pontificado de Francisco assinou um acordo histórico com o Governo chinês sobre a complexa questão da nomeação de bispos católicos na China.

“Nos últimos anos, a China e o Vaticano mantiveram contactos construtivos e intercâmbios amigáveis”, afirmou Guo Jiakun. “A China está disposta a fazer esforços conjuntos com o Vaticano para promover a melhoria contínua das relações”, declarou.

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