Via do MeioViagem no Grande Canal por Jiangnan José Simões Morais - 10 Jan 2025 A praça central de Wulin (武林门) em Hangzhou era o principal local do mercado e até 2005 o cais terminal do Grande Canal (Da Yunhe, 大运河), onde durante 1400 anos se descarregaram as mercadorias vindas do Norte, como peles e carvão, e em sentido inverso partiu muito cereal e arroz. O edifício no meio da praça, apesar de parecer um local governamental, é a sala de exposições da cidade. Na parte Oeste, dois grandes centros comerciais, um deles com cinema, prolongam a rua por onde somos levados até ao ancoradouro do Grande Canal. Num pequeno resguardo à entrada do cais de embarque vendem-se os bilhetes de barco para Suzhou [estamos em finais dos anos 90 do século XX] e todos os dias dali parte um barco às cinco e meia da tarde, numa viagem feita noite dentro pelo canal Jiangnan [Jiangnan yunhe (江南运河)]. Outrora, o percurso ia a Wuxi, mas esse serviço estava há dois anos desconectado. O Canal Jiangnan começa em Zhenjiang, na margem Sul do Changjiang (Yangzi ou Yangtzé), após o Grande Canal cruzar o terceiro maior rio do mundo, e para Sul segue o seu curso por Danyang (丹阳), Changzhou (常州), Wuxi (无锡), Suzhou (苏州), Pingwang (平望), chegando a Hangzhou onde se conecta ao Rio Qiantang. No guiché, que parecia guardar o beco a levar à porta de embarque, compramos para o dia seguinte por 98 yuan o pequeno [qual de citadino autocarro] bilhete de uma cama, em compartimento de um beliche, pois as cabinas de duas camas a custarem 115 yuan estão esgotadas. Pedem para chegarmos às cinco da tarde, meia hora antes da partida. Olhava o cais de onde dois anos antes partira de barco até Suzhou e regressava agora preparado para repetir a viagem, mas ao chegar ao cais verifico que este está a ser demolido. Os barcos dessas viagens aí continuam ancorados, mas estas foram agora suspensas por tempo indeterminado. Por mero acaso, apercebemo-nos da movimentação registada ao fundo do cais, com pessoas à espera ao lado de uma placa em triângulo a indicar a paragem do barco. Indagando, ficamos a saber não se efectuar já a viagem até ao antigo cais de embarque de Nanxingqiao (南星桥), situado pouco antes de chegar ao templo Sanlang, próximo do terminal Sul de autocarros. Agora estava aberta uma carreira de barco, que numa curta viagem de dez minutos para jusante, encosta por breves momentos na paragem de Baziqiao zhan (坝子桥站), junto à ponte Bazi (坝子桥), para depois regressar ao cais de onde tínhamos partido. Por cinco yuan podemos olhar uma das comportas dos canais da cidade, que apesar de fechada deixa escorrer fios de água para o Grande Canal e parecendo um lugar atraente, uma ponte com três arcos coberta por um telhado de madeira é a porta de um ramal do canal. Também por cinco yuan, somos levados até à ponte antiga de Gongchen, junto à praça onde está o Museu do Grande Canal Beijing-Hangzhou. E assim voltamos para visitar esse excelente museu, que veio criar um novo pólo turístico à cidade de Hangzhou. Aí se encontram expostas miniaturas de barcos, e se podem ver os percursos das viagens marítimas ao longo dos séculos e os séculos de construção do Grande Canal, os seus patrocinadores e o modo como foram resolvidos os obstáculos apresentados para fazer desta via uma ligação directa entre a capital do Norte e o resto da China. NO GRANDE CANAL Só com a nova abertura do país ao turismo realizada em 1978 apareceu o interesse para tirar um novo proveito desta grande obra de engenharia. Pelo Grande Canal continuavam a ser transportadas as mercadorias, apesar de partes do percurso estarem interrompidos, pois a navegação fora já abandonada desde os finais do século XIX. Como resposta, em 1981 as entidades turísticas de Wuxi abriram uma viagem entre Suzhou e Yangzhou e outra, do lago Tai até Hangzhou. O barco colocado à disposição do turismo era uma réplica fiel do barco-dragão do Imperador Sui, Yangdi. Nos finais dos anos 90, as viagens fazem-se entre Hangzhou e Suzhou e daí até Wuxi os barcos são já normais barcos de passageiros com dois andares. Depois, no segundo ou terceiro ano após o início do III milénio, a viagem deixou de se fazer para Wuxi e apenas se realizava entre Hangzhou e Suzhou e no ano 2007 esta foi interrompida. Cremos nós, para a reestruturar e preparar novos barcos para os turistas aproveitarem as belezas das paisagens e a História do Grande Canal. Às cinco da tarde chegamos ao cais, meia hora antes da partida. Quinze minutos depois da hora, às seis menos um quarto estamos a navegar pelas águas do Grande Canal. O atraso deve-se a ter de se arrumar no barco as bicicletas do grupo de cicloturismo, chegado em cima da hora da partida. O barco onde viajamos tem dois andares e aproximadamente vinte cabinas, com quartos de banho comuns, a cozinha e um pequeno salão, onde são tomadas as refeições, jantar e pequeno-almoço. A viagem será feita à noite pela região conhecida por Jiangnan [Sul do Rio], que atravessa as terras a Sul do Changjiang (Rio Yangzi), nas províncias de Zhejiang e Jiangsu, de onde provém o nome do canal construído na dinastia Qin com 85 km de comprimento e alargado em 605. De Hangzhou passa por terras de Huzhou e Jiaxing e saindo da província de Zhejiang entra na de Jiangsu e contornando a Leste o lago Tai, segue até Suzhou, onde de barco terminará a nossa viagem. De Hangzhou partíamos para Suzhou, na comparação do viajante veneziano Marco Polo, cidades gémeas a nível de beleza, Paraísos na Terra. A noite cai em Hangzhou quando cruzamos a ponte Gongzhen, construída em 1631 toda de pedra com três arcos e que nos traz despertos no convés, apesar de chuviscar, por dar início ao percurso ainda não navegado. Um barco de passageiros passa transportando apenas uma pessoa, não sendo de estranhar pois a neblina e o chuviscar durante toda a tarde retira o prazer da viagem. Os choupos enfileirados ao longo das margens empedradas são subitamente iluminados pelas lanternas vermelhas de um restaurante na borda da água de estilo antigo à espera de clientes. A beleza da paisagem talvez apenas se deva às sombras da noite. O trânsito de barcos é intenso e todos são de carga, alguns grandes, onde cabem contentores, outros transportando areia, carvão ou toros de madeira. O barco com o casco plano e a proa em U, navega a rasar a borda de água. Na popa da embarcação, no topo da cabina-habitação encontram-se as luzes de sinalização, com a verde no lado direito e no esquerdo, a vermelha. Leva um foco de luz branca intenso a iluminar o canal de frente e ao cruzar com outras embarcações desvia-o, ou apaga. Ganha-se a escuridão. Antes de cruzar com outros barcos, uns em sentido contrário, outros para serem ultrapassados, volta a acender por segundos o holofote a avisar e visualizar o tamanho das embarcações. Junto a um desvio do canal, uma bomba de gasóleo na margem espera para reabastecer de combustível quem por ali passa. As águas transportam detritos de esferovite e ramos de árvores. De quando em vez, uma fábrica nas margens tem o seu cais fazendo proveito desta via privilegiada de transporte para receber matéria prima a enviar a produção. O tamanho em largura do canal vai variando e por vezes permite a passagem ao mesmo tempo de quatro barcos, mas noutros locais para três já é apertado. Cruzamos com um comboio de barcos puxado por um rebocador, onde se situam as cabinas dos trabalhadores, levando atrelado dez longos barcos contentores. Um ligeiro toque no nosso barco faz-se sentir. Se nas primeiras duas horas de viagem o buzinar é constante, depois apenas solta um estridente som de apito ao passar por um conjunto de casas e quando se cruza em sentido inverso com o barco da companhia. Adormecemos, não sem antes sentirmos mais um toque entre embarcações e desta vez a pancada é mais forte. Chegamos de manhã cedo ao destino, após mais de nove horas de viagem a navegar no Grande Canal. Às 5:30, o barco aportou junto à Ponte do Precioso Cinto (Baodai Qiao, 宝带桥) na parte Sudeste de Suzhou, no distrito de Wuzhong, mas apenas dele saímos às seis e meia. Dois autocarros esperam na Rua Changqiao (长桥街道) para levar os passageiros até ao centro da cidade, a seis quilómetros. Baodai Qiao é considerada uma das pontes mais representativas da China e tem esse nome pois foi construída entre 816 e 819 à custa da venda do valioso cinto de Wang Zhongshu, governador de Suzhou na dinastia Tang. Com uma extensão de 317 metros e 4,1 metros de largura, conta 53 arcos, tendo três aberturas é suficiente para permitir aos barcos continuar pelo Grande Canal e também atravessar o Rio Daidai e o lago Tantai. O resto da ponte faz de cais, ficando ao nível das embarcações que aí acostavam e facilmente descarregavam as mercadorias.