Macau Visto de Hong Kong VozesEm forma, mas não troppo David Chan - 18 Jul 2016 [dropcap style=’circle’]O[/dropcap]website “Yahoo” de Hong Kong publicou um artigo no passado dia 14 sobre o processo de liquidação movido a um dos maiores centros de fitness de Hong Kong – o California Fitness. A liquidação é um processo legal que se destina a encerrar uma empresa. Assim que a Ordem de Liquidação (emitida pelo Tribunal para determinar o fim da empresa) é emitida pelo Tribunal de 1ª Instância (uma das mais altas Instâncias de Hong Kong, equivalente ao Tribunal de 2ª Instância de Macau), a empresa é encerrada. Todos os bens da empresa serão distribuídos de acordo com a secção 265 do Normativo Comercial (que inclui todas as normas que regulam as operações comerciais duma Empresa Lda., e que em Hong Kong se encontram inscritas um código independente, designado precisamente por Normativo Comercial). O encerramento deste centro trará muitas contrariedades aos habitantes de Hong Kong, já que este é um dos maiores centros de fitness da cidade, frequentado por imensas pessoas que serão necessariamente afectadas. Os media divulgaram que o California Fitness Centre é propriedade da empresa J.V. Fitness, dirigida pela Sr. Wong Lun. O modelo de negócio do California Fitness baseia-se na criação de cotas para membros. Para frequentar o centro é necessário tornar-se membro. Para se ser membro é preciso pagar uma cota. Quanto maior for a cota, maior será a duração da qualidade de membro. Ou seja, não existe um tempo limite, previamente definido. Algumas pessoas tornaram-se membros até 2019. Nestes últimos dias, várias pessoas vítimas desta situação, membros e pessoal que não recebeu os seus salários e comissões, têm procurado ajuda junto de diversos departamentos governamentais. Neste caso, os pagamentos electrónicos são a nossa principal preocupação. De uma forma geral, existiam dois tipos de pagamento electrónico aceites pelo California Fitness, cartões de crédito e EPS. Todos sabemos como funcionam os pagamentos com cartões de crédito. O banco avança o dinheiro e de seguida acerta as contas com o cliente. Só em circunstâncias muito especiais o banco não cobre as despesas de um cartão de crédito. A pergunta que se coloca agora é muito simples. Se a empresa está em liquidação, impossibilitada de fornecer os seus serviços, será o banco obrigado a manter pagamentos regulares em nome de clientes que se viram privados desses mesmos serviços? O senso comum diz-nos que o banco não deve pagar. No entanto, esta não é a resposta acertada. A partir do momento em que um cliente acciona o seu cartão de crédito o banco passa a ter obrigação de honrar os seus compromissos junto da empresa credora, de acordo com os termos do contrato entre a instituição bancária e o credor. No entanto os clientes do centro apelam para que estes pagamentos cessem. A segunda forma de pagamento electrónico é o EPS. O procedimento é semelhante ao do cartão de crédito, a diferença é que neste caso a quantia é imediatamente retirada da conta do cliente. Aqui, o banco limita-se a executar a transferência de dinheiro da conta do cliente para a conta da empresa prestadora do serviço. Estas pessoas também vão precisar de ajuda. A questão é que não se pode pagar sem receber nada em troca. Logo, a protecção contratual oferecida pelo cartão de crédito deve estende-se aos clientes do serviço EPS. Seguindo a mesma lógica, a protecção contratual deve ainda estender-se aos acordos celebrados entre o cliente e o banco. Não há dúvida que estas reclamações têm toda a razão de ser. Se as pessoas estão a pagar sem receberem nada em troca, não vos parece que os seus direitos estejam a ser protegidos, pois não? A resposta é óbvia. Mas esta situação do California Fitness demonstra claramente que a protecção contratual dada aos clientes é limitada pelas condições do contrato celebrado entre o banco e as empresas credoras, e varia de caso para caso. As condições modificam-se consoante os bancos e os clientes. Se quisermos aumentar os direitos dos clientes, esta protecção terá de ser estatutária e não contratual. A segunda questão que se levanta é o serviço prestado por uma Empresa Lda. A secção 275 do Normativo Empresarial contempla os casos de comércio fraudulento. Ou seja, se uma empresa é declarada insolvente, mas continua a operar, com intenção de defraudar os seus credores, estamos perante um caso de comércio fraudulento. Do mesmo modo, um comerciante, ou uma Empresa Lda., que saiba que a sua situação financeira é muito precária, mas que, mesmo assim, continue com o negócio em funcionamento e incentive os clientes a fazerem pagamentos adiantados por serviços que, hipoteticamente, virão a ser prestados no futuro, volta a ser um caso de comércio fraudulento. Como é muito difícil provar que alguém tem intenção deliberada de extorquir dinheiro a outrem, o estipulado nesta secção é raramente aplicado. O Descritivo do Normativo Comercial é outra ferramenta útil para lidar com esta situação. O Normativo estipula que, se na altura em que o comerciante recebe dinheiro do cliente, estiver incapacitado de fornecer os serviços pelos quais foi pago, estamos perante um delito. É sem dúvida, mais um instrumento que irá complementar o estipulado na secção 275, que como já vimos, na prática tem muitas limitações. O caso do California Fitness demonstra claramente as dificuldades da lei comercial de Hong Kong para lidar com situações que envolvam “pagamentos antecipadamente agendados”, após uma declaração de insolvência. É certamente um problema social quando existem leis deste género para regular os direitos dos consumidores. * Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau