Estudo | Apontadas falhas históricas no acesso de macaenses ao ensino

Em “Lingu Maquista – O Patoá, ou Língua de Macau”, Manuel Fernandes Rodrigues, da Universidade de York, expõe falhas históricas da administração portuguesa de Macau a partir do século XVIII que levaram ao afastamento parcial dos macaenses do ensino e, consequentemente, a redução da difusão do patuá

 

“Lingu Maquista – O Patoá, ou Língua de Macau” é o mais recente estudo de Manuel Fernandes Rodrigues, macaense e académico ligado à Universidade de York, que acaba de ser publicado na “Daxyangguo – Revista Portuguesa de Estudos Asiáticos”, edição do Instituto do Oriente da Universidade de Lisboa.

O artigo expõe falhas, que podem ser imputadas ao período da administração portuguesa de Macau a partir de meados do século XVIII, nomeadamente no que diz respeito ao afastamento dos macaenses do sistema de ensino, o que acabou por levar à redução gradual do seu crioulo, o patuá, que hoje está praticamente em vias de extinção.

Nas conclusões do estudo, o autor aponta que “a língua materna macaense era ensinada nas escolas pelos frades a par do português e do latim”. Além disso, o patuá “era língua de comunicação, do comércio dos macaenses, chineses, asiáticos e escravos africanos e de raiz ásio-portuguesa até meados do século XX”.

Numa altura em que as ordens religiosas dos jesuítas dominavam o sistema de ensino, Manuel Fernandes Rodrigues conclui que “com a [sua] expulsão, os governantes portugueses privaram os macaenses de instrução e ensino escolar, do primário ao universitário, a partir de 1762, ou seja, por mais de um século”.

Não que os macaenses tenham ficado de braços cruzados. O estudo mostra que sempre tentaram recuperar o anterior sistema de ensino, com “insistentes pedidos de instrução e ensino escolar ao Governador, Vice-rei e Governo Central do Reino [que] nunca foram cabalmente satisfeitos nem explicadas as recusas”.

Tendo em conta esses pedidos, só em 1862 se criou “A Nova Escola Macaense” pelo então Governador de Macau, o Visconde de Cercal, criada para “assegurar a instrução dos macaenses”, mas “a solução governativa, já por si tardia, não preenchia as mais básicas necessidades de instrução requerida pelos macaenses”.

Depois, em 1870, foi ainda feita uma petição assinada por 300 macaenses dirigida a Sérgio de Sousa, à época Governador, “para a manutenção dos professores jesuítas no seminário [de S. José], que não foi atendida pelo Governo central do reino”, ou seja, em Portugal. Só depois seria criada a Escola Comercial Pedro Nolasco e a Associação Promotora da Instrução dos Macaenses.

Desta forma, a proibição do ensino à comunidade, bem como “a ausência de políticas sociais e económicas da administração portuguesa causou o total descalabro e muito contribuiu para o declínio comercial da cidade que foi grandemente acelerado pela perda dos seus mais enérgicos e melhores intelectuais, professores, administradores, embaixadores e gestores”, resultando “na perda de investimento, confiança e relacionamento comercial com as regiões vizinhas”.

Segundo Manuel Fernandes Rodrigues, “as políticas económicas, de instrução e de ensino impostas pelo Governo português desnacionalizaram os macaenses, forçando-os a emigrar para procurar meios de subsistência para conseguirem sobreviver”. Apesar disso, “os macaenses souberam ultrapassar as intenções e negligências das políticas de instrução e ensino das autoridades portuguesas, mantendo-se fiéis à sua nacionalidade”, descreve.

Em termos gerais, “durante 450 anos a instrução dos macaenses passou por grandes crises causadas, inicialmente, pela expulsão das Ordens Religiosas do Reino pelo Marquês de Pombal, em 1759”, e depois com o decreto-lei do tempo do Estado Novo, em 1939, que decreta o português como língua veícular no território e, consequentemente, nas escolas.

“Esta crise duradora afectou, não só, a qualidade do ensino em geral como ostracizou a ‘Lingu Maquista’ em particular, tornando-a actualmente em uma língua com pouca expressão na população macaense em geral, apesar dos esforços de a reviver nas peças teatrais e na música religiosa e laica”, aponta o autor.

Aparecimento da Escola Comercial

Tendo em conta as dificuldades de acesso dos macaenses ao ensino, muitos deles tinham aulas em casa, sendo que “a instrução dos macaenses no ensino doméstico e particular manteve o patoá como língua vernacular das famílias macaenses até das mais distintas”. Só em 1878 se colmatou essa “privação de ensino” para os membros da comunidade, ou seja, 116 anos depois da expulsão dos religiosos e consequente fecho das escolas.

Essa foi a data do estabelecimento da Escola Comercial “Pedro Nolasco”, criada pela Associação Promotora da Instrução dos Macaenses (APIM), fundada anteriormente em 1871. Manuel Fernandes Rodrigues destaca que a escola era financiada pelos macaenses, porém, aos seus estudantes “estava vedado o acesso às universidades portuguesas”, uma interdição que apenas chegou ao fim em 1952. “Esta interdição de mais de 74 anos cortou o acesso da grande maioria dos estudantes macaenses ao ensino universitário em Portugal”.

Referem-se ainda desigualdades no acesso aos cargos públicos no período da Administração portuguesa. “Os macaenses eram considerados bem qualificados para os empregos nas repartições dos respectivos governos estrangeiros em Hong Kong e Shanghai, mas estava-lhe vedado o acesso aos empregos do funcionalismo público e militar pelos governantes portugueses em Macau”.

Criados “cargos simbólicos”

Chegados aos anos 80 e à preparação para a transferência da administração portuguesa de Macau para a China, a 20 de Dezembro de 1999, não se colmataram as lacunas existentes desde tempos antigos no acesso ao ensino e empregos no Governo por parte da comunidade. Pelo contrário: para Manuel Fernandes Rodrigues, com o programa de “Localização dos Quadros” na Função Pública, criaram-se apenas “alguns lugares simbólicos [para macaenses] na Administração portuguesa, quando a decisão da transferência de soberania para a China já estava tomada”.

Quais as consequências de vários anos de afastamento dos macaenses dos principais sistemas de ensino e do acesso ao ensino superior português? Na visão do autor do estudo, o maior impacto deu-se no desaparecimento progressivo do patuá.

“O patoá, embora uma língua vernacular de fácil aprendizagem, não conseguiu resistir à falta de instrução escolar e de empregos”, sendo que, no contexto da emigração da comunidade macaense, “a política de instrução e de emprego seguidas em Hong Kong e nas concessões europeias de Shanghai permitiu a empregabilidade dos macaenses, levando à substituição do português pelo inglês”.

Em termos gerais, Manuel Fernandes Rodrigues entende “a ausência de uma política para a Instrução e Ensino, Gestão e Política Económica dos governantes portugueses levou ao desaparecimento dos melhores administradores, gestores e professores”, bem como “ao declínio económico e a aniquilação da ‘língu maquista'”, ou língua macaense, em patuá.

Quais as origens?

O patuá começou a ser falado em Macau a partir de 1553, ainda antes do estabelecimento oficial dos portugueses no território (1557), tornando-se “na linguagem vernacular até meados do século XX”. Com a entrada em vigor de um decreto-lei a 3 de Setembro de 1939, já no Estado Novo, passou a ser obrigatório usar-se o português em Macau, sendo que “o patoá passou a ser escrito como patuá, mais em linha com a ortografia portuguesa”. Até então, as famílias mais antigas referiam-se à sua língua como patoá derivado do termo “patois”, ligado ao francês.

Na relação dos macaenses com a aprendizagem, o estudo denota que “a sociedade macaense sempre entendeu a Instrução e Ensino como alicerce do desenvolvimento humano e económico”, sendo que uma das primeiras escolas católicas onde se ensinavam macaenses data de 1572, nomeadamente a “Escola de Ler e Escrever” fundada pelos padres Paulistas, nome dado pela comunidade macaense aos jesuítas. A escola destinava-se “a meninos e meninas da população lusitana, bem como aos próprios adultos de ambos os sexos”.

O Colégio de São Paulo, anexo à Igreja de São Paulo ou de Madre de Deus, foi a primeira universidade do território, fundada em 1594. Eram ministrados “cursos superiores com o grau académico de Mestre em Artes, como nas universidades estrangeiras”. Em 1758, seria fundado o Seminário de S. José “que se tornou no centro, por excelência, da Instrução e Ensino dos macaenses”, onde grande parte dos docentes eram jesuítas.

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