EntrevistaLuís Bernardino, académico: “Precisamos definir uma estratégia de cooperação-defesa” para a CPLP Andreia Sofia Silva - 25 Nov 202525 Nov 2025 O livro “25 Anos de Cooperação de Defesa na CPLP” foi lançado em 2023 em formato digital e, dois anos depois, chegou à versão impressa. Luís Bernardino, co-autor ligado à Universidade Autónoma de Lisboa, realça evoluções positivas desde a criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, não obstante inacções e polémicas com a Guiné Equatorial “25 Anos de Cooperação de Defesa na CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa]” foi lançado em e-book e agora chega à versão impressa. Porquê editar este livro? Este livro fala sobre os 25 anos de cooperação na área da defesa da CPLP e é da minha autoria, juntamente com uma colega do Brasil, Camila Rizzi. Resulta de um projecto de investigação desenvolvido no Centro de Análises Estratégicas da CPLP, sediado em Moçambique. Tem a componente de defesa da CPLP e faz reflexão estratégica sobre esse tema. Pelo facto de terem passado 25 anos de cooperação nessa área quisemos fazer uma avaliação e o livro para que ficasse para a história da organização. Em 2023, não houve condições financeiras para editar o livro em papel como queríamos, e foi agora lançado a 18 de Novembro, em Maputo. Há críticas quanto à efectiva acção da CPLP. Considera que este organismo tem crescido de forma sustentável? A avaliação que faço é na área da defesa. Quando a CPLP foi criada, a cooperação na área da defesa não constava nas seis áreas iniciais. Essa área só surgiu em 1998. A CPLP nasceu com seis áreas principais – cultura, língua, concentração político-diplomática – e tem actualmente 26 áreas de cooperação, o que é a prova de que cresceu de forma sustentada. Obviamente que com altos e baixos, situações mais fáceis ao longo destes quase 30 anos. Mas o que se salienta neste livro, na área da defesa, é que houve um crescimento bastante consolidado e participado. Nestes 25 anos fez-se muita coisa interessante e a avaliação é positiva. E o futuro? Precisamos de definir uma estratégia de cooperação-defesa e aquilo que queremos para a CPLP nesta área nos próximos 25 anos. É esse o desafio que temos pela frente, de uma maior actividade e iniciativa, para que a cooperação e defesa possam ser estratégicas naquilo que é a cooperação dentro dos Estados. Para que possa ser algo mais visível e permitir, de forma efectiva, um crescimento, participação e desenvolvimento, ou até maior empenho, em contextos regionais. Mas olhando para passado, presente e futuro, como tem sido a dinâmica na área da defesa? O livro mostra uma certa dinâmica de crescimento constitucional substancial numa primeira fase. Depois houve desenvolvimentos muito interessantes, com alguns protocolos e cooperação ao nível das Forças Armadas, mas há ainda muita coisa a fazer, nomeadamente olhar para a área da cooperação-defesa como uma área estratégica. O sistema geopolítico mundial parece estar a mudar muito rapidamente, seguindo um caminho multipolar. A CPLP deveria ter outro papel neste contexto, com actores como a China, Rússia ou Estados Unidos? A CPLP não é um instrumento multilateral, não é uma organização desse nível. Temos de colocar a CPLP ao nível da Commonwealth, por exemplo, de organizações de nível cultural, linguístico, de parceria entre países, de preocupação com o desenvolvimento. O que costumo dizer é que a CPLP é um bom instrumento diplomático de comunicação, um soft power relativamente a áreas relacionadas com a gestão e prevenção de conflitos. Não estejamos à espera que haja forças armadas, ou um exército, da CPLP. Este organismo é de diálogo e cooperação. O que fazemos, em termos de defesa, é isso mesmo, criar parcerias para que haja mecanismos de resposta a catástrofes, para dar capacidade de treino às forças armadas. Há até quem faça a pergunta: porque é a CPLP não interveio em Cabo Delgado, em Moçambique, na questão do terrorismo? E porquê? Porque a CPLP não é esse mecanismo de hard power, não tem capacidade, nem doutrina, logística, mandato ou viabilidade para ser empregue em operações de combate. E os Estados-membros da CPLP estão muito conscientes de que somos um mecanismo muito bom de cooperação, parceria e desenvolvimento, com contributos para a cultura e língua. Portanto, a CPLP não vai intervir no conflito entre a Rússia e Ucrânia, porque não é essa a sua área, nem tem mecanismos para essa dinâmica. Justifica-se a existência da CPLP? Acho que sim, obviamente, porque, como disse, a CPLP é um instrumento muito bom em termos de cooperação, da divulgação da língua portuguesa, da história. O facto é que temos cerca de 350 milhões de pessoas que falam português. Temos 30 países que são observadores associados, como a Ucrânia, o Chile, e a cultura portuguesa está representada nesta organização. Cada país tem o que quer da CPLP e dá-lhe a importância que acha que deve dar, e isso depende da política externa de cada Estado. Mas acho que a CPLP faz muito sentido no mundo em que vivemos, e fá-lo como representante multilateral da língua, da cultura, da cooperação entre os estados que falam português, e aqueles que de fim ao cabo têm alguma afinidade [com o mundo lusófono]. A questão de Macau é muito específica nesta organização. Macau tem o papel de plataforma comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, e a China tem uma agenda para a lusofonia. Antes de 1999 Macau tinha um estatuto próprio na CPLP, por ter administração portuguesa. Havia uma Declaração Conjunta que permitia que Macau, não sendo um Estado-membro, tivesse, de certa forma, um protocolo [com a CPLP]. Quando passou a ser RAEM, as coisas mudaram e perdeu esse estatuto de ligação, e Macau não é membro da CPLP, e obviamente não pode ser. A China também não, e não pode ser. Portanto, há aqui um estatuto de observador associado que surge para os países, organizações internacionais e regionais, e ainda as entidades territoriais dotadas de administração própria, que também não é bem o caso de Macau. O território está num limbo, entre ter uma história muito forte ligada à Lusofonia, e ter uma administração muito ligada à China, o que lhe dá, na minha perspectiva, duas dinâmicas. Em que sentido? Macau é um elemento fundamental na ligação entre os países da CPLP e a China. Por todos os motivos, mas pela questão da língua, história, e da sua representatividade, é um actor fundamental nesta cooperação. Macau deve ser visto, efectivamente, como um parceiro e como uma porta de entrada da China para os países da lusofonia. É isso que, de certa forma, já está a acontecer, e é a isso que a CPLP vai estar atenta, nesta relação em que Macau tem um estatuto especial. Quer queiramos, quer não, isso tem impacto. Macau é um factor de atractividade de facilitação de relações entre a China e Angola, Portugal ou o Brasil. A permanência da Guiné Equatorial na CPLP levanta questões de credibilidade? Concordo consigo. Terá sido, nestes 30 anos, um dos principais momentos difíceis na criação de consensos. Recordo que a Guiné Equatorial foi admitida em 2014, mas já havia um processo em fase de análise anterior. Havia sempre um prolongamento, ano após ano, e foi difícil chegar a um consenso no quadro dos países da CPLP. Em 2014, houve uma cimeira em Timor-Leste e, por acção do Brasil e Angola, houve, de certa forma, uma pressão muito grande para a entrada da Guiné Equatorial. Mas há dois princípios, para o bem e para o mal, que justificam a presença da Guiné Equatorial na CPLP. Que são… O primeiro argumento é que, de facto, a Guiné Equatorial tem o português como língua oficial na sua Constituição, apesar de nós sabermos que a língua portuguesa, por exemplo, abrange quatro ou cinco por cento da sociedade num todo, e já estou a ser bastante generoso. Mas há um compromisso das autoridades da Guiné Equatorial para desenvolver o português como língua de trabalho e há uma ligação histórica à cultura portuguesa e à lusofonia. Outro critério é a promessa de que, numa próxima revisão constitucional, firmar o compromisso da abolição da pena de morte. Quanto ao português, é uma coisa que leva gerações, não se faz de um ano para o outro. Nem nos próximos 10 ou 15 anos nós teremos o português perfeitamente implementado. Há alguma timidez, um compromisso, de certa forma. Quanto à pena de morte, o que é facto é que se conseguiu, parece, alguma alteração. Nunca mais houve uma acção de pena de morte [desde a adesão]. E há a esperança que, numa próxima revisão constitucional, este facto seja abolido da Constituição e que possa, efectivamente, deixar de existir. Na qualidade de membro da CPLP, estas mudanças serão mais fáceis e mais visíveis e, no futuro, a Guiné Equatorial pode, efectivamente, assumir o estatuto da CPLP tendo em conta estas premissas. Não sei se vai acontecer, deixo aqui uma reticência, e este é um momento de desafio para a própria CPLP. Há que fazer um trabalho a partir de dentro, para que a Guiné Equatorial possa estar ao nível dos outros países, principalmente nestas duas áreas. O que é certo é que permanece uma certa falta de transparência em relação ao que se passa no país. Temos consciência de que a Guiné Equatorial tem grandes problemas com questões da legitimidade democrática, das eleições. Há uma série de situações que reconhecemos que não são perfeitamente adequadas face ao estatuto dos países da CPLP. Acho que há uma esperança de que as coisas possam mudar, a tentativa de criar espaço para que o português possa crescer dentro da Guiné Equatorial, e ainda o compromisso para uma maior abertura e participação. O que é facto é que a Guiné Equatorial tem participado nas reuniões da CPLP, e eu tenho participado em algumas. Nas situações internacionais temos de ser pragmáticos, e temos esperança de que, só porque a Guiné Equatorial está na CPLP, isso possa dar o contributo para que a própria Guiné possa desenvolver alguns gestos mecânicos.