Descolonização em Timor-Leste deixou traumas profundos nos militares portugueses, defende investigadora

A investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova Zélia Pereira afirmou que o processo de descolonização em Timor-Leste deixou traumas profundos nos militares portugueses, levando muitos ao silêncio durante o período da ocupação indonésia.

“O processo de descolonização em Timor, para além do trauma da invasão indonésia para os próprios timorenses, deixou traumas profundos para os militares portugueses, traumas pessoais, psicológicos, consequências nas carreiras profissionais, a generalidade deles acabou por abandonar a vida militar, porque foram preteridos sucessivamente em promoções”, disse à Lusa a investigadora.

“Lemos Pires, quando foi promovido a general, teve uma campanha interna contra ele”, disse. O general Mário Lemos Pires foi o último governador do Timor português (entre 8 de novembro de 1974 e 27 de novembro de 1975).

Zélia Pereira está a coordenar, em conjunto com Pedro Aires de Oliveira, professor de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova, a reedição do relatório elaborado pela comissão para a análise e esclarecimento do processo de descolonização de Timor-Leste, criada pelo antigo Presidente Ramalho Eanes, que vai incluir testemunhos desclassificados de militares e civis ouvidos em 1975 e 1976.

O projeto está a ser financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, com o apoio da comissão para a celebração do 50.º aniversário do 25 de Abril, no âmbito de um concurso para projetos exploratórios.

“É um trauma muito grande de tal maneira que durante todo o período de ocupação indonésia, tirando Lemos Pires, nenhum outro militar quis falar. Depois do referendo, começaram a ser publicadas algumas memórias e só agora mais recentemente é que começaram a aceder fazer algumas entrevistas”, explicou a investigadora.

Segundo Zélia Pereira, os testemunhos dados em 1976, com a “memória muito fresca” e com o “trauma muito vívido” vai permitir acesso a um conjunto de informações muito “pormenorizado, muito interessante”. A investigadora espera também que aqueles testemunhos ajudem os timorenses a “compreender melhor um período que para eles é muito traumático”.

“É preciso compreender o seguinte, ainda hoje se continuam a publicar livros, artigos que replicam todas as acusações feitas em 1975. Em teses de doutoramento, de mestrado, porque vão beber aos livros publicados nos 70, 80, 2000, até ao presente e que partem ainda hoje de ideias e pressupostos, que nem todos estão 100% errados, mas que precisam de ter outras interpretações”, salientou.

A história, disse Zélia Pereira, é colocar vários contextos em análise em simultâneo, porque ninguém é dono da verdade. “O que queremos é que isto venha abrir outras perspetivas, outras perspetivas de investigação, e sarar mágoas, reconciliar as pessoas com o seu passado, independentemente de terem tomado decisões que não se revelaram as mais acertadas”, acrescentou.

Timor-Leste tornou-se independente de Portugal em 28 de novembro de 1975, mas nove dias depois, em 07 de dezembro, foi ocupado pela Indonésia.

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