Ao que isto chegou

Um menor de 14 anos mata a mãe com uma arma do pai. Fomos ficando habituados a ler notícias tristes de filhos que roubam as joias da mãe para certos vícios ou que batem na mãe ou no pai porque estes não lhes dão dinheiro a fim de comprarem estupefacientes. Agora, a linha vermelha foi ultrapassada. Um menor diz que “a minha mãe chateava-me muito”, pega na arma do pai e mata a mãe sem apelo nem agravo. Ao que isto chegou.

A mãe, Susana Gravato, de 49 anos, era vereadora do PSD na Câmara Municipal de Vagos. O tribunal já decidiu o internamento do menor em regime fechado e depois poderá ficar na mesma situação mais três anos. O menor cometeu o crime de tal forma consciente que até, após o acto, simulou um cenário de assalto em casa. Ao falarmos com uma psicóloga, esta disse-nos que a mudança na educação dos filhos nos dias de hoje é tenebrosa. Que as redes sociais são uma das razões para a violência se estar a banalizar e que a legislação muito tem de mudar no que respeita ao acesso ao digital.

Miguel Sousa Tavares defendeu a proibição gradual das redes sociais, sublinhando que “Estão a dar cabo do nosso modo de vida”. Vivemos um tempo de educação por reflexo condicionado, acrescentou a psicóloga, para prosseguir salientando “que talvez porque estejamos a ser ultrapassados pelos cães. Vivemos uma época onde tudo é a consequência de um pseudo-trauma que a ignorância se propõe facilmente tratar e que mais não faz senão prolongar e agravar a doença”.

Nós lemos Freud muito cedo, e logo percebemos que, em Freud, quase tudo girava em torno da frustração e do sexo reprimido. Depois, como estava na moda, lemos Piaget achando que nos ajudaria a educar os filhos. Enganámo-nos. Piaget educou, mas foi a nós. Descobrimos que a educação dos filhos não se faz com amarras de teorias, religiões ou modas. A educação dos filhos, antes de tudo tem de ser um acto de amor, caso contrário, o reverso da medalha pode ser fatal.

Na verdade, o país outrora tido como pacífico, ficou chocado ao tomar conhecimento que uma filha tentou matar o pai à facada e arrancar-lhe os olhos para ficar, simplesmente, com uma casa, e no dia seguinte, um filho com apenas 14 anos mata a mãe com a pistola escondida do pai porque “a mãe era chata com os afazeres escolares”. Certo, é dizer que “matou” logo o pai e se matou a si próprio também. A loucura contamina e a maldade também. São gémeas idênticas. Os portugueses não queriam acreditar que se ultrapassou a linha vermelha e que agora os filhos já matam os pais.

Há uns anos, conhecemos José Manuel Anes, que foi presidente do Observatório de Segurança Criminal e Terrorismo. Um homem experiente de todos os aspectos da vida, da segurança, do crime e da espionagem. Não conseguimos entender qual foi a educação que Anes terá dado à sua filha Ana, para que esta o tente matar à facada e ter a “coragem” de ir para as redes sociais dizer que tentou matar o pai porque este tinha colaborado com a Mossad.

É incompreensível por parte de uma filha. José Manuel Anes tinha-nos referido que o cargo que ocupava era de risco, que tinha a noção que um dia podia ser morto, mas certamente nunca imaginou que isso pudesse acontecer pelas mãos da própria filha Ana, que já se encontra presa e que confessou o crime. Efectivamente o mundo mudou, e para pior no que concerne às atitudes das novas gerações. Culpa dos pais? Talvez. Todavia, não deixa de ser repugnante que uma filha, de 53 anos, pegue numa faca e tente matar o seu pai que lhe deu tudo incluindo uma mesada até ao dia de ser atacado gravemente. Ao que isto chegou.

José Manuel Anes foi atacado dentro da própria casa. Há cinco anos que Anes era perseguido pela filha, com ameaças de morte nas redes sociais. A filha pretendia que o pai colocasse em nome dela a propriedade de uma casa na Costa de Caparica. A teoria da filha Ana Anes era a pretensão de ela poder vender a casa e arrecadar o dinheiro, uma vez que estaria desempregada.

É este o móbil do crime apurado pela investigação da Polícia Judiciária. De resto, foi por temer que a filha concretizasse as ameaças que José Manuel Anes, com 81 anos, passou a viver com a actual mulher na casa de uma amiga desta, em Lisboa. Anes tinha recebido antes do dia do crime uma mensagem ameaçadora da filha e logo no dia seguinte a mesma tocou à porta da casa onde estava a viver e Anes abriu, pensando tratar-se da entrega de uma encomenda. Foi desde logo atirado ao chão pela filha, que a seguir o agrediu com vários murros pelo corpo todo. Depois, com um objecto cortante, atingiu-o na cabeça, pernas, mãos e abdómen, até que, por fim, lhe pressionou os dois olhos com os dedos, deixando-o sem ver. Mas que cena macabra: uma filha que tenta matar um pai com 81 anos, só pela ganância do dinheiro. Qualquer dia, temos todos os meses um pai morto por um filho. Ao que isto chegou…

P.S. – Esta foi a minha 250ª crónica. Quero agradecer fraternalmente ao Director Carlos Morais José o convite que me fez há cerca de cinco anos para estar em contacto com os leitores deste magnífico jornal.

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