EventosTeatro | Comuna de Pedra apresenta espectáculo “Narrativas na Margem” Andreia Sofia Silva - 10 Set 2025 A associação local Comuna de Pedra, dedicada às artes do espectáculo, traz este mês ao Centro Cultural de Macau uma nova peça de teatro, “Corpo/Desconstrução 2025 – Narrativas na Margem: Iluminar”, nos dias 20 e 21. Trata-se de um trabalho autobiográfico sobre as vidas difíceis, mas por vezes divertidas, de Nada e Rui: ela com um passado de pobreza, ele a ser portador de paralisia cerebral. Antigos colegas de escola, encontram-se finalmente em palco Jenny Mok está habituada a pegar em pessoas que habitualmente não subiriam aos palcos e fazer deles actores e criadores. Essa ideia inicial de que nunca subiriam a um palco prende-se com o facto de serem portadores de uma deficiência, o que à partida os afastaria desta área. Porém, a fundadora da associação Comuna de Pedra tem transformado ideias feitas em espectáculos e formas expressivas diferentes, e eis que apresenta, em Setembro um novo espectáculo no Centro Cultural de Macau (CCM), nos dias 20 e 21, em que um dos actores tem paralisia cerebral. A peça “Corpo/Desconstrução 2025 – Narrativas na Margem: Iluminar”, apresenta a ideia de deixar, “na escuridão do teatro, recolher a luz que cada um deixou cair”, contando as histórias reais da vida dos actores Nada Chan e Rui. Ao HM, Jenny Mok explicou como surgiu este espectáculo, que é um “trabalho autobiográfico, em que os materiais do espectáculo são gerados a partir das histórias reais dos actores. “O Rui viveu toda a vida com paralisia cerebral, enquanto Nadia lidou, na infância, com o estatuto social e a pobreza. Nascemos em circunstâncias diferentes, mas todos lidamos com a vida, por mais difíceis que essas circunstâncias possam ser para alguns de nós. É isso que torna a história deles tão interessante.” Em palco, o público pode conhecer melhor “as suas próprias histórias, em que algumas são difíceis, mas em que também há humor e momentos divertidos”. “A vida não é feita apenas de algodão-doce, mas também não é só feita de amargura e limões”, exemplificou Jenny Mok. A fundadora da Comuna de Pedra confessa que sempre teve “interesse e a intenção de abordar a questão da deficiência e da inclusão através do teatro”, mas neste caso, trabalhar com a Nadia e Rui mostra como eles são “seres humanos cativantes ao serem simplesmente eles próprios”, sendo que “há muitas diferenças entre eles e, ao mesmo tempo, muito em comum”. Na apresentação do espectáculo, lê-se que esta peça é “o encontro inesperado de duas linhas paralelas”, em que ele “tem o corpo preso pela paralisia cerebral”, sendo “um jovem caçador do vento a habitar-lhe o coração, sonhando poder correr livremente pela terra firme”. Já ela, “cresceu entre brechas e restrições, sendo filha sensata entre cinco irmãos, mas sempre preferiu viver como uma soberana da sua própria aventura nas profundezas do mar”. Nada e Rui “foram colegas de escola, mas nunca se conheceram verdadeiramente”, pelo que foi o “destino, depois de tantas voltas, que os trouxe ao mesmo palco”. Quando as luzes se acenderem, “as suas histórias vão começar, finalmente, a entrelaçar-se”, num espectáculo que “não é uma lenda épica, nem mesmo uma narrativa de super-heróis”, mas sim uma história “de duas pessoas comuns que, à sua maneira, vivem uma vida que lhes pertence”. A questão é se, do lado do público, o espectador consegue ver nestes actores “um reflexo de si mesmo”. Primeiros encontros Jenny Mok cruzou-se com os dois actores em momentos diferentes do seu percurso artístico. “A Nada e o Rui são dois actores com quem já tinha trabalhado anteriormente, mas apenas em ocasiões separadas. Com a Nada Chan trabalho desde 2018 em diferentes projectos meus, e ela sempre foi uma actriz muito dedicada e atenciosa. Tive a oportunidade de conhecer o Rui em 2021, quando foi curador da primeira edição do Todos Fest!”, festival esse que também apresenta uma forma inclusiva de fazer arte.” Jenny Mok confessa ter ficado “fascinada com a forma como ele [Rui] dançava e movia o corpo”. “Para mim, a sua história de vida está inscrita no corpo e ele move-se com um conteúdo imenso dentro da sua fisicalidade. Desde então começámos a trabalhar juntos e sempre pensei em criar um solo com ele. Ele tem tanto para partilhar e é tão interessante de ver em palco. No ano passado, durante a quarta edição do Todos Fest!, a Nada veio assistir ao espetáculo e contou-me que tinha sido colega de turma do Rui. Que coincidência! A partir daí surgiu a ideia de juntá-los num dueto em palco. A responsável considera ser “óptimo trabalhar com a Nada e o Rui”, pois “a comunicação é sempre uma tarefa interminável, não apenas entre diferentes capacidades, mas simplesmente entre seres humanos”. Há dificuldades no processo, e “nem sempre é fácil compreendermo-nos, mas o tempo e a paciência ajudam”, assume. Existências políticas Para Jenny Mok, “em palco há certas existências que serão sempre políticas”, no sentido em que “pessoas que ocupam lugares marginais na sociedade têm corpos que já carregam conteúdo só por estarem presentes em cena”. Assim, a presença de Rui em palco “será sempre política”, defende a fundadora da Comuna de Pedra, uma vez que “o seu corpo contém significados que podem ser lidos e interpretados de várias formas, e o mesmo acontece com a Nada”. “Acredito que o corpo, apresentado como conteúdo em palco, pode ser uma forma de re-imaginar a relação entre o indivíduo e a sociedade, assim como a nossa identidade”, defendeu. Com “Corpo/Desconstrução 2025 – Narrativas na Margem: Iluminar”, a Comuna de Pedra pretende transmitir a ideia de que “somos todos diferentes, mas não ouvimos o suficiente uns dos outros”, isto porque “simplesmente não há tempo e espaço para isso”. “O bonito do teatro é precisamente o facto de ser um lugar onde podemos criar tempo e espaço para nos conhecermos e escutarmos as histórias uns dos outros”, revelou Jenny Mok.