Grande Plano MancheteIlha Verde | Incertezas em torno da recuperação do convento jesuíta Andreia Sofia Silva e Nunu Wu - 2 Set 2025 Escondido no meio da colina, o convento da Ilha Verde continua à espera de recuperação plena. O local foi recentemente palco de um festival de cinema experimental, demonstrando potencialidades para acrescentar um novo espaço cultural à cidade. Porém, o proprietário queixa-se de custos elevados e dificuldades financeiras Falar das paredes meio abandonadas e vazias do convento da Ilha Verde, situado na pequena colina na zona norte da península, implica recuarmos aos primórdios da presença portuguesa em Macau e dos jesuítas, nomeadamente a meados do século XVII. Nessa altura, Macau já era um território de trocas comerciais entre portugueses, estrangeiros e chineses, entrando na rota asiática do comércio de especiarias e outras matérias-primas. Só assim se pode compreender a importância deste edifício classificado que está num terreno com propriedade privada. O Instituto Cultural (IC) quer ver o edifício renovado em parceria com o dono, depois de anos e anos de um processo arrastado nos tribunais entre duas empresas para provar a verdadeira propriedade do terreno. Apesar do quase abandono, o convento da Ilha Verde acolheu este Verão um festival de cinema ao ar livre, mostrando as potencialidades do local enquanto novo espaço cultural. O evento em questão foi o Festival de Cinema Experimental de Macau, organizado pela Associação Audiovisual CUT. Ao HM, o curador do festival, Keng U Lao, explicou que o “espaço está actualmente a ser alvo de obras de renovação”, e que para o festival foi usada a zona do jardim e “algumas salas do edifício”. Para o responsável, o convento da Ilha Verde “é um local fantástico para eventos culturais, e tanto os proprietários como a equipa foram incrivelmente acolhedores e prestáveis”. Foto: Associação CUT O curador do festival de cinema entende que o convento é “uma joia que poucos locais visitaram”, tendo estado “encerrado por mais de uma década”. “Talvez essa seja a razão pela qual o nosso público esteve tão entusiasmado para assistir ao evento de encerramento e explorar o espaço, pois tivemos lotação esgotada”, descreveu. Segundo Keng U Lao, e tendo em conta a natureza experimental do festival, procurou-se “utilizar de forma criativa os espaços disponíveis para as projecções, performances e instalações audiovisuais, permitindo o cruzamento com a arquitectura única do local”. Para o curador, o convento da Ilha Verde poderá ser “um excelente local para eventos culturais, incluindo exposições de artes visuais, espectáculos, eventos musicais e sessões de cinema”. Conflito com mandarins Em 1618 teve início um conflito entre a Companhia de Jesus, que já então estava sediada na Ilha Verde neste convento, e as autoridades chinesas locais, devido à utilização do espaço pelos jesuítas portugueses. É um conflito que, segundo a obra “Macau: Poder e Saber – Séculos XVI e XVII”, só termina a 3 de Fevereiro de 1621 quando o Senado intervém, sanando-se por completo a 14 de Agosto do mesmo ano, continuando os jesuítas a viver na Ilha Verde sem, porém, se afirmarem como proprietários de alguma coisa. Descreve o historiador que os jesuítas ali puderam permanecer “com autorização dos mandarins e sem reclamarem a posse”, sendo que antes de Julho de 1621 ocorreu “a demolição de edifícios por ordem das autoridades distritais chinesas”. Mais do que um punhado de paredes antigas, no convento da Ilha Verde prova-se parte da actividade e presença dos jesuítas em Macau, bem como questões políticas que sempre marcaram o território, nomeadamente quem exercia a soberania de facto sobre Macau. “O episódio da Ilha Verde é exemplar a vários títulos, mas acima de tudo serve para mostrar até que ponto está sinizada a oligarquia de Macau e até que ponto o Senado consegue intermediar conflitos entre poderes oficiais chineses distritais e regionais (…)”, lê-se no livro de Luís Filipe Barreto. Ao longo dos anos, o convento e o terreno adjacente foram passando de mão em mão até virem parar às de Jack Fu, que conseguiu ver provada em tribunal, em 2022, a propriedade do convento por parte da sua Companhia de Desenvolvimento Wui San. Aquando da vitória judicial, Jack Fu lamentou que “o processo tenha decorrido de forma tão lenta”, tratando-se de uma “disputa que decorreu durante mais de dez anos”. Perante os jornalistas, Jack Fu prometeu encontrar “equilíbrio entre o desenvolvimento e a preservação do espaço”. Dificuldades financeiras O HM procurou saber o que tem sido feito desde então. Percebe-se que permanecem incertezas sobre o futuro do espaço, com muitas questões orçamentais à mistura. Já foram feitas algumas obras inteiramente suportadas pela Companhia de Desenvolvimento Wui San, mas falta uma estratégia de longo prazo. “O IC exige o restauro do convento no seu estado original”, disse Jack Fu. “Temos feito o nosso melhor e nestes anos [desde 2022] a empresa tem feito muitas coisas. Se o convento tiver de ser todo restaurado no seu estado original não consigo avaliar quanto dinheiro isso vai custar porque a capacidade [financeira] da nossa empresa é limitada. Penso que poderá custar entre dezenas e até 100 milhões [de patacas]”, apontou. Assim, as tarefas que a Companhia de Desenvolvimento Wui San tem feito desde 2022 passam pela remoção do lixo, recuperação de algumas infra-estruturas e destruição de construções ilegais ou que estavam em risco de queda. De frisar que o antigo convento, numa altura em que a sua propriedade estava por definir, chegou a servir de casa a trabalhadores da construção civil que ali alugavam quartos, vivendo em condições precárias. “Fomos fazendo a manutenção de vários espaços conforme a nossa capacidade, mas não conseguimos restaurar o convento por completo ao seu estado original”, declarou. Jack Fu diz ter gasto até à data “entre 10 a 20 milhões [de patacas]” na recuperação de algumas zonas do convento, não conseguindo avançar com uma data para o restauro completo. “Tudo depende da situação financeira e se houver capital suficiente. Pode ser dentro de dois ou três anos, mas se o Governo estiver dependente da reparação apenas pelos privados para que se assuma este grande valor é impossível”, avisou. O dono do terreno disse que o IC sugeriu à empresa concorrer ao Plano de Apoio Financeiro para a Beneficiação de Edifícios Históricos para a obtenção de “um subsídio de dois milhões de patacas, no máximo, em dois anos”. “Mas esse valor não vai aliviar o problema”, disse Jack Fu, que teme que o processo de renovação se arraste por anos. “Por isso propusemos um intercâmbio para que haja um plano ou uma resolução específica”, referindo que “o progresso da restauração é lento e as autoridades apenas pedem a recuperação, não se preocupando com os custos que vamos ter”, acrescenta. Jack Fu alerta ainda para o facto de a legislação e o Plano Director de Macau contribuírem para atrasar ainda mais a renovação. “O Governo está a trabalhar na Unidade Operativa de Planeamento e Gestão Norte – 1 e não sabemos mais informações. Como tudo tem de estar conforme esse plano apenas podemos apresentar opiniões. Temos proposto várias opiniões às autoridades que as podem aceitar ou ter em conta no futuro.” Obras terminadas em 2024 Da parte do IC foi referido, numa resposta enviada ao HM, que a colina da Ilha Verde onde está o convento “é um sítio classificado, sendo o terreno de propriedade privada”. “Ao longo dos anos, e nos termos da Lei de Salvaguarda do Património Cultural, o IC tem diligentemente fiscalizado, coordenado e promovido o cumprimento das responsabilidades inerentes aos proprietários no que toca à preservação e gestão, bem como à execução de reparações e manutenções necessárias”, é referido. Lembrando as “ocupações ilegais que a colina sofreu durante vários, que dificultaram o desenvolvimento das acções de protecção previstas”, o IC pediu “aos proprietários a realização de obras de reparação e reordenamento urgentes”, tendo estas sido “concluídas no início de 2024”. As obras de que fala Jack Fu foram feitas “segundo as exigências do IC” e passam pelo “restauro e renovação das paredes, janelas, cobertura e colunas da Casa de Retiros”. Quanto à futura utilização do espaço, como está no foro privado, caberá apenas ao IC solicitar pareceres, sendo que “o organismo pronunciar-se-á no âmbito da protecção do património cultural”. Para Jack Fu, o convento da Ilha Verde poderá ser “uma base de intercâmbio cultural sino-ocidental, conforme os requisitos do país para Macau e a actual situação” do território. “O que dissemos ao Governo é que Macau é um centro mundial de turismo e lazer, mas falta aqui [Ilha Verde] um complexo de turismo cultural onde os turistas possam passear e permanecer um ou dois dias, então este espaço pode ter esse papel, já que tem a vantagem de estar perto de três postos fronteiriços”, destacou. Para já, e aparte os elevados custos para reconstruir tudo isto, Jack Fu mostra-se confiante. “O desenvolvimento da zona [Ilha Verde] ainda não começou e só agora o depósito provisório de combustíveis vai mudar de localização. Se for incluindo o nosso terreno, há condições para um grande complexo de turismo cultural.”