Anjos silenciosos

No passado dia 10 de Julho, o noticiário da Hong Kong TVB informou que na Austrália, em Melbourne e em Sydney, os tribunais passaram a ter cães para apoiar as vítimas enquanto testemunham em tribunal.

Os Labradores e os Golden Retriever são os cães preferenciais para esta função. São meigos e podem apoiar as vítimas. Leva dois anos a treinar um “cão de tribunal” e custa aproximadamente 150.000 HKD, um valor semelhante ao treino de um cão guia.

As vítimas são geralmente mulheres e crianças. Maioritariamente prestam testemunho no Tribunal de Família em processos de violência doméstica e estão sujeitas a grande tensão emocional. O acompanhamento dos cães de tribunal permite que as vítimas relaxem, que o tempo dos interrogatórios seja reduzido e que o processo seja facilitado.

Os cães de tribunal são treinados pela Guide Association, o treino é pago pela Law Society, Australia, e ficam acomodados nas instalações do tribunal.

Pesquisas científicas mostram que o acompanhamento de cães pode reduzir a secreção de hormonas que provocam tensão, tornar o pensamento mais claro e reduzir o stress de forma mais eficaz. Do ponto de vista jurídico, têm a vantagem de não falarem e de não poderem afectar o testemunho das vítimas. Esta medida é facilmente aceite pela acusação e pela defesa.

A Austrália não é o primeiro país a recorrer a cães de tribunal. Já em 2021, o Japão os utilizava. Existem actualmente quatro cães de tribunal no Japão e são usados principalmente para acompanhar crianças enquanto os seus testemunhos são gravados. Num caso antigo de abuso infantil, uma menina recusou-se a ir a tribunal. Mais tarde, confrontou corajosamente o agressor em público, acompanhada por um destes “anjos silenciosos”. Esta foi a primeira vez no Japão em que um cão compareceu num julgamento. É por isto que se chama a estes cães “anjos silenciosos.”

Segundo dados oficiais japoneses, registaram-se 160.000 casos de abuso infantil em 2019. Se se aumentar o número de cães de tribunal conseguir-se-á lidar mais eficazmente com estes casos.

Para além da Austrália e do Japão, os cães de tribunal também são usados no Reino Unido, nos Estados Unidos, em França, no Canadá e no Chile. Existem actualmente 240 cães de tribunal nos Estados Unidos, divididos por 35 estados.

A lei confere a todos direitos iguais. O tribunal usa procedimentos padrão para ouvir os testemunhos das vítimas, dos réus e das testemunhas de cada caso. Independentemente da igualdade de direitos do queixoso e do réu, e da padronização dos procedimentos do tribunal, cada caso apresenta as suas próprias dificuldades. Quando a vítima testemunha está emocionalmente perturbada e os detalhes e a precisão do testemunho são questionáveis. Assim sendo, como é que o tribunal pode aceitar o testemunho? Em que é que o testemunho vago pode ajudar a não ser na absolvição do réu? A presença dos cães de tribunal para estabilizar as emoções das vítimas é importante para que elas possam corajosamente relatar os factos e permitir que haja um julgamento justo. Esta medida reduz o sofrimento de quem revive uma experiência dolorosa e manifesta empatia com as vítimas. Não admira que se chame aos cães de tribunal “anjos silenciosos”.

É certamente adequado dar bom uso às qualidades especiais dos cães em benefício dos humanos. A partir destas experiências bem-sucedidas, os tribunais de Hong Kong e de Macau podem considerar implementar medidas para melhorar a eficácia dos seus procedimentos. Além disso, pode haver necessidade de adaptar as instalações do tribunal para colocar, por exemplo, casas de banho para cães. Questões como esta devem ser ponderadas antes de se proceder à utilização de cães de tribunal.

As medidas necessárias para introduzir os cães de tribunal fazem-nos lembrar muitas outras que foram implementadas anteriormente nos tribunais de Hong Kong para ajudar nos julgamentos. Por exemplo, no caso de Donald Tsang, o antigo Chefe do Executivo da RAEHK, o caso foi transmitido ao vivo pela televisão para permitir que fosse visto por todos. Outro exemplo é o testemunho das vítimas de abuso sexual ocultas por um ecrã; ou ainda de testemunhas que são interrogadas por vídeo chamada. Nada destas medidas tem a ver com a substância da lei, mas melhoraram a eficácia do julgamento e são a demonstração de que o sentimento das vítimas é tomado em consideração. Deve ser ponderada a implementação de medidas que visem a protecção das vítimas, seja no sistema do direito consuetudinário ou no sistema do direito civil.

Finalmente, para além do uso dos cães de tribunal, a sociedade deve tomar medidas para reduzir os casos de abuso, violação e violência contra mulheres e crianças. Esta é a abordagem correcta para atacar a raiz do problema e construir uma sociedade pacífica e amigável.

Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Email: cbchan@mpu.edu.mo

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