Caso Au Kam San | MNE critica “comentários ilusórios” da UE

O Ministério dos Negócios Estrangeiros manifestou “forte descontentamento” face à reacção da União Europeia, após a detenção de ex-deputado Au Kam San. Horas depois, o Governo de Macau também repudiou “veemente” o comunicado vindo da Europa

 

O Comissariado para os Assuntos de Macau do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China repudiou “os comentários ilusórios” de Bruxelas, que condenou a detenção do ex-deputado de Macau e cidadão português Au Kam San, manifestando preocupação com a erosão das liberdades na região.

Num comunicado enviado à Lusa, no sábado, o porta-voz do Comissariado para os Assuntos de Macau do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, liderado por Liu Xianfa, manifestou “descontentamento” e “firme oposição aos comentários ilusórios do Serviço Europeu para a Acção Externa (SEAE) da União Europeia (UE) sobre a aplicação da lei relativa à segurança nacional da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM)”, classificando-os como uma “interferência grosseira nos assuntos de Macau e nos assuntos internos da China”.

“Exortamos a União Europeia a deixar imediatamente de fazer observações e acusações infundadas sobre os assuntos de Macau e a deixar imediatamente de interferir nos assuntos de Macau e nos assuntos internos da China!”, afirma o gabinete de Liu Xianfa.

O principal representante diplomático de Pequim em Macau sublinhou ainda apoiar “firmemente o Governo da RAE de Macau no desempenho das suas funções em conformidade com a lei”, assim como “a polícia de Macau na tomada de medidas de aplicação da lei contra os rebeldes anti-China contra Macau, em conformidade com a lei”.

Macau defende-se

Também o Governo de Macau repudiou “de forma veemente” as afirmações da União Europeia sobre o “procedimento criminal e as acções de execução preventiva”. “O Governo da Região Administrativa Especial de Macau [RAEM] repudia de forma veemente e opõe-se firmemente às afirmações proferidas [no sábado] pelo Serviço Europeu para a Acção Externa (SEAE) [da União Europeia (UE)] sobre o procedimento criminal e as acções de execução preventiva previstas da lei recentemente desencadeados pela RAEM nos termos da Lei relativa à defesa da segurança do Estado”, foi escrito em comunicado, emitido horas da mensagem do Gabinete de Ligação.

O Executivo de Sam Hou Fai destacou que vai ser tudo feito de acordo com a lei: “as autoridades policiais e judiciárias da RAEM trataram sempre o caso escrupulosamente nos termos da lei, e o direito processual do arguido é efectivamente garantido nos termos da lei”, foi apontado. “Os direitos fundamentais dos residentes da RAEM, incluindo o direito de sufrágio e a liberdade de expressão, estão plenamente salvaguardados pela Lei Básica da RAEM e demais legislação relevante, pelas convenções de Direitos Humanos aplicáveis na RAEM, e pela prática das autoridades administrativas, legislativas e judiciárias da RAEM”, foi acrescentado.

Macau recusou ainda a “interferência externa” nos seus assuntos pela União Europeia: “a aplicação da lei relativa à defesa da segurança do Estado pela RAEM é estritamente assunto interno da China e da sua região administrativa especial”, pelo que, “quaisquer organismos estrangeiros ou do exterior, incluindo a União Europeia, não têm direito de interferência”. “A Região Administrativa Especial de Macau continuará, como sempre, a cumprir as atribuições da defesa da segurança do Estado nos termos da lei, em prol da aplicação bem-sucedida duradoura e estável do princípio ‘um país, dois sistemas'”, concluiu o comunicado.

UE condenou

As reacções das autoridades locais surgiram depois da União Europeia condenar a detenção do ex-deputado, que surge identificado como cidadão da UE, pelo facto de ter nacionalidade portuguesa.

“A UE [União Europeia] condena a detenção de Au Kam San, cidadão da UE e antigo deputado de Macau, no dia 30 de Julho, sob acusações de [violar a Lei de] Segurança Nacional”, avançou um porta-voz do Serviço Diplomático de Bruxelas, em comunicado.

A mensagem sublinhou que esta “constitui a primeira aplicação da Lei de Segurança Nacional da Região Administrativa Especial de Macau desde a sua adopção em 2009”, e o Serviço Europeu para a Acção Externa afirmou que o acontecimento “agrava as preocupações existentes sobre a contínua erosão do pluralismo político e da liberdade de expressão” na região.

Bruxelas “recorda que o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais é um elemento central da Lei Básica de Macau e da máxima ‘um país, dois sistemas’”, acrescentou-se no comunicado.

Portugal a acompanhar

Por sua vez, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal declarou à Lusa estar a acompanhar a detenção do ex-deputado de Macau e cidadão português Au Kam San. O MNE “está a acompanhar este assunto, através do Consulado-Geral de Portugal em Macau”, disse à Lusa fonte oficial do ministério liderado por Paulo Rangel.

“O assunto merecerá a melhor atenção das autoridades portuguesas, desde logo em futuros encontros a nível político, no espírito da Declaração Conjunta”, continuou, em referência ao tratado sino-português assinado em 1987, onde os dois países declararam os termos em que Pequim assumiria a administração de Macau após 1999.

As reacções em Portugal não se ficaram por aqui. No parlamento o Partido Iniciativa Liberal vai apresentar um voto de condenação da detenção. De acordo com o projecto de voto ao qual a Lusa teve acesso, a detenção “é a primeira ao abrigo da legislação de segurança nacional de Macau, aprovada em 2009 e revista em 2023, e ocorre num contexto de acelerada repressão das liberdades fundamentais na Região Administrativa Especial de Macau”.

O documento redigido pela IL afirma que o Estado português tem o “dever de acompanhar com rigor” o caso e posteriormente garantir o respeito pelos compromissos assumidos na Declaração Conjunta Luso-Chinesa de 1987, documento vinculativo ao abrigo do direito internacional.

Em prisão preventiva

Na quinta-feira ao final do dia, o Ministério Público confirmou que Au vai aguardar o julgamento em prisão preventiva, considerando que há “fortes indícios da prática do crime de estabelecimento de ligações com organizações, associações ou indivíduos de fora da RAEM para a prática de actos contra a segurança do Estado”. O crime implica uma pena que pode chegar aos 10 anos de prisão e obriga sempre à aplicação da prisão preventiva como medidas de coacção.

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