Gu Kuang, que tornou o corpo leve como uma pluma

Wang Qia, o pintor daoísta da dinastia Tang (618-906), seria recordado como criador de uma «escola» de pintura designada pomo, «tinta espalhada» que valorizava o gesto espontâneo do pincel para tornar visível algo que é naturalmente invisível. Um modo de representação que buscava a comunicação entre o espírito do autor e o do observador convidado a discernir a finalidade da criação através da exposição do processo.

Uma disciplina exigente, reconhecida até séculos depois por ilustres teóricos como Dong Qichang (1555-1635), que colocava muito alta a barreira a partir da qual essa pintura podia ser exercida: nada menos que no modo de Wang Wei (701-61), o reconhecido fundador da pintura dos letrados: «Só depois de alguém ser como Wang Wei é que poderá usar a maneira pomo de Wang Qia».

Exemplos oriundos do pincel desse criador são hoje dificilmente observáveis e da ténue biografia dele preservada, resta quase só o sedutor eco de um nome que remete o ouvinte para a expressão da substância do espírito. Há porém um outro nome que nas histórias da pintura lhe está muitas vezes associado, o de Gu Kuang (727-821), de quem as pinturas hoje também são raras mas de quem se guardaram poemas que indiciam uma imponderável presença.

Em Um poema do palácio, nota-se a disponibidade para sentir a torrente abundante mas subtil da beleza captada pelos sentidos, como a que vem no vento ou num som: «Numa alta torre de jade, meio caminho para o céu, começa uma canção soprada na flauta,/ O vento entrega no palácio o som harmonioso do palrear e dos risos das raparigas que a habitam./ O brilho do luar resplandece enquanto se escuta o pingar da noite escoando-se na clepsidra,/ As águas, rebrilhantes como cristais, dir-se-iam uma cortina desenrolada sobre o rio do Outono.» Mas o poeta e pintor, desiludido com as intrigas que embaraçavam as suas funções ao serviço do palácio, retira-se do serviço público e passará a usar o nome bem daoísta Buweng, o «Velho recluso».

Gu Kuang obtivera o grau jinshi, que lhe permitia ser um funcionário imperial em 757, no tempo instável do imperador Tang Suzong, cujo reinado (756-62) ficaria marcado pela preocupação em acalmar a revolta de An Lushan que se alastrara como um fogo florestal. Revolta que obrigara à abdicação do seu pai, o imperador Xuanzong e à consequente condenação à morte da sua concubina favorita, um facto relatado no plangente poema de Bai Juyi (722-846), Canto do remorso perpétuo.

Nascido em Yunyang (actual Danyang, Jiangsu) após uma vida entristecida pela morte de um filho, desloca-se com a família em 792 para a cadeia montanhosa de Maoshan, a Sul de Jurong, onde receberá a graça de um novo filho aos setenta anos. Quando vai para lá, escreve um propósito: «Escondido em Maoshan; para tornar metais básicos em ouro,/ Para tornar o corpo leve como uma pena.»

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