O Perfume da Mão do Buda e as Borboletas de Ma Quan

Aisin-Gioro Xuanye (1654-1722), o imperador Kangxi, possuía uma imensa curiosidade que o conduzia a conhecer de forma sistemática as mais diferentes possibilidades de expressão do espírito e à observação directa das incontáveis maravilhas que possuía o reino que lhe coube governar.

O que o levou, de forma inédita, a transpor os muros da sua Cidade Proíbida e não apenas nas suas «Viagens de inspecção ao Sul», para sentir pessoalmente os efeitos causados na memória pela presença física num ambiente distinto do seu viver habitual.

Entre as várias catalogações de prodígios observados mereceram-lhe particular atenção as flores, nas suas diferentes formas e beleza fugídia e de modo especial as flores odoríferas que por sinestesia possuíam a capacidade de ligar a memória de um momento e um lugar ao olfacto.

Assim, mandou compilar uma Memória de todas as flores fragrantes e caligrafou poemas num álbum de doze páginas duplas de Pinturas e poemas de incontáveis flores fragrantes, pintadas pelo pintor da corte Jiang Tingxi (1669-1732) que o acompanhava nas suas deslocações de exploração da beleza natural.

Um surpreendente exemplo da flora que descobriu é referido no título de uma pintura datada de 1715, Citrino mão de Buda pintado do natural (rolo vertical, tinta e cor sobre seda, 95,9 x 81,9 cm, no Museu do Palácio Nacional em Taipé). No poema que a acompanha, Kangxi explica que a estranha planta que tem um fruto odorífero «mão de buda» (citrus medica), que na classificação em grego sarcodactylis, «dedos de carne», aponta a sua forma semelhante a dedos humanos, lhe foi oferecida por habitantes da distante Bamin (Fujian) e replantada no seu jardim imperial.

Ampliando o poder evocador da planta, a sua designação na língua dos Han, foshou, resulta numa homofonia ligando duas palavras fo, «boa sorte» e shou, «longa vida». Deitada na horizontal também se assemelha ao dhyana mudra, um gesto que no budismo transmite a ideia da meditação. A planta inspirou uma pintora de Changshu que estava fora da cidade imperial e que adoptara como nome de pincel a expressão Jiangxiang, «Rio perfumado».

Ma Quan (1669-1722) vinha de uma família de pintores, como foram o seu avô ou o seu pai MaYuanyu (c.1669-1722), reconhecidos mestres na pintura de pássaros e flores que adoptavam a técnica mogu, «sem ossos», ou seja executada com cores e sem uma estrutura linear, derivada da renovação do género outorgada a Yun Shouping (1633-90).

No rolo horizontal atribuído a Ma Quan, Flores e borboletas (tinta e cor sobre papel, 27,9 x 248,9 cm, no Metmuseum) estão figuradas em grupos, flores rodeadas de grandes borboletas numa gradação de tinta preta, por sua vez rodeadas de outras mais pequenas e claras. Entre as flores apenas um fruto, a mão do Buda. Com o seu intenso perfume cumprindo a sua vocação para a surpresa.

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