Via do MeioA Guanyin de branco feita no traço preto de Fang Weiye Paulo Maia e Carmo - 9 Jun 2025 Du Mu (803-852), o poeta de Chang’an que na sua carreira de funcionário imperial foi sendo enviado em sucessivas missões para postos distantes da capital, mostrou muitas vezes a sua incomodidade face às repetidas separações. Num dos seus mais admirados poemas ele olhou para a antiga narrativa contada desde a dinastia Han, que explica um tradicional festival celebrado no sétimo dia da sétima lua, em que uma vez por ano se actualiza a reunião de um casal, do vaqueiro Niulang e da tecelã Zhinu, identificados com duas estrelas brilhantes separadas pela Via Láctea ao longo do resto do ano. Esse festival, Qixi jie, «A noite dos setes», é conhecido por ser uma ocasião para relevar publicamente as virtudes e os trabalhos de senhoras, então habitualmente confinadas ao gineceu. Numa noite dessas o poeta reparou numa rapariga solitária: «Uma vela prateada brilha no Outono diante do frio painel pintado, Segurando um pequeno leque de gaze leve de seda, afasta as traças. Das escadas chega uma aragem fresca como a água, Ela senta-se e contemplando e entre as estrelas descobre Niulang e Zhinu.» As outras mulheres celebrando em grupos, dedicavam-se a variadas actividades. Além da contemplação das estrelas, faziam ofertas aos deuses, recitavam orações ou dedicavam-se à tecelagem. Tudo isso num ambiente de reverência e alegria que se pode observar, por exemplo, num rolo horizontal de Ding Guanpeng (1708-1771), Senhoras na noite dos setes apelando aos seus talentos (tinta sobre papel, 28,7 x 386,5 cm, no Museu de Xangai). De entre as tecelãs haveria porventura algumas, em especial as de famílias educadas que estariam tecendo quem sabe até com cabelos humanos, uma amada figura do budismo, a bodhisattva Guanyin. De tal forma as adeptas se sentiam próximas daquela que «contempla os sons» dos que lhe dirigem pedidos, adiando a sua libertação para ajudar a iluminação dos outros, que refaziam a sua figura como uma forma de ascese. Fang Weiyi (1585-1668) foi uma literata, poeta e pintora que fazia parte desses literatos que, com a sua erudição artística, permeavam o budismo chan. Nascera numa família de altos funcionários e casara cedo em 1602 mas no mesmo ano ficara viúva e perdera a filha desse casamento. É possível que esses «desgostos do coração» tenham aprofundado a sua fé budista, vivida na reserva do ambiente doméstico. Entre os inúmeros exemplos dessa devoção contam-se poemas e pinturas figurando luohans e um retrato de Guanyin vestida de branco (rolo vertical, tinta sobre papel, 56 x 26,6 cm, no Museu do Palácio, em Pequim). Figurada num contraste entre grossos e ondulantes traços de tinta preta para mostrar as suas largas vestes brancas e a minúcia leve com que retrata a sua face acolhedora. E o rosto tão humano, tanto como o gesto livre das vestes, revela uma estranha transcendência.