Os cábulas do Hong Kong Queen’s College

No passado mês de Abril, durante a realização do teste unificado de História da China no Queen’s College de Hong Kong, vários alunos de uma das turmas copiaram. Gritavam uns para os outros as respostas, consultavam os livros e os iPads. O vigilante tentou várias vezes detê-los, mas não conseguiu. A direcção do Colégio afirmou que só vai castigar os alunos prevaricadores de acordo com as regras internas.

O Colégio também notificou os pais sobre este incidente, dizendo que como só falta um mês para os exames finais e, para evitar pressões desnecessárias sobre os estudantes, não se irá repetir o teste. Os resultados do teste unificado de História da China desta turma serão cancelados e a classificação a esta disciplina vai depender do exame final. Para as outras turmas, a classificação à disciplina de História da China tomará em conta os resultados do teste unificado e do exame final.

Acontece frequentemente os estudantes copiarem nos testes. Com as novas tecnologias, as ferramentas que lhes permitem “fazer batota” mudam todos os dias. Das tradicionais cábulas em papel até aos dispositivos inteligentes, a evolução destas ferramentas reflecte a erosão da integridade académica através do abuso da tecnologia. Antigamente, os estudantes escreviam as respostas em pedaços de papel, comumente conhecidos por cábulas, e levavam-nos para a sala de exame; ou então pediam para ir à casa de banho e assim consultavam os materiais. Com a popularização dos relógios inteligentes, as funções dissimuladas de comunicação em tempo real permitem cabular remotamente online. Se o vigilante não estiver atento, os estudantes podem usar os relógios inteligentes para este fim, enquanto estão sentados nos seus lugares. Recentemente, apareceram óculos equipados com funções de tradução em tempo real que podem converter directamente os textos de inglês para chinês. A constante evolução destas ferramentas torna o trabalho dos vigilantes cada vez mais difícil.

Para apanhar um ladrão, precisamos de provas. Para apanhar um aluno que faz batota, também é preciso ter provas. No entanto, para os vigilantes, é sempre muito difícil obter essas provas; se não conseguirem provar que o aluno copiou, é complicado acusá-lo. No caso da ” cábula em papel “, o estudante pode engoli-la ou escondê-la no momento em que está a ser exposto, ou então discutir com o vigilante e recusar-se a entregar a cábula. Os professores não são agentes da polícia e não têm direito de revistar os alunos, pelo que vários “batoteiros” escapam impunes por falta de provas e naturalmente não podem ser acusados. Estes casos, até certo ponto, levam outros estudantes a arriscar.

Não existe certamente falta de alunos diligentes, estudiosos e trabalhadores numa sala de exames. Quando estes alunos descobrem as trafulhices dos colegas, podem escolher denunciá-los, mas se o fizerem o mais provável é virem a ser ostracizados e sujeitos a intimidação. Além disso, o ambiente de exames altamente stressante faz com que a maior parte dos estudantes se foque nas suas próprias respostas, e que não tenha tempo nem energia para observar os outros. Por conseguinte, as denúncias dos colegas representam uma pequena percentagem e a exposição destes casos depende de os vigilantes serem empenhados e quererem descobrir os infractores.

Copiar, usar certificados falsos e plagiar são todas violações académica da mesma natureza – desonestidade e más práticas. Nos últimos anos, não é difícil encontrar estes casos nas notícias. Ter ocorrido este incidente num dos mais antigos colégios de elite de Hong Kong, reflecte não só o desvio moral dos estudantes, mas também a distorção dos valores da aprendizagem. Quanto mais os estudantes fazem batota, maior será a alteração de valores e menos estudarão com afinco.

O grupo de “elite” criado por falsas conquistas pode parecer conhecedor, mas de facto é desprovido de valor e acabará por expor a sua falta de conhecimento nas respectivas áreas no futuro. Basta pensar: Um médico sem competências pode tratar um doente? Um advogado pode defender o cliente sem conhecer a lei? Este perigo escondido é como uma bomba relógio. O seu poder destrutivo continua a manifestar-se na próxima década ou mesmo mais tarde e, por fim, toda a sociedade pagará o seu preço. Temos de travar este problema.

As escolas têm de tomar as medidas adequadas, prescrever o remédio certo, aperfeiçoar as situações que lhe dão azo e cultivar os valores correctos nos estudantes. Conter a batota requer esforços multi-dimensionais.

Em primeiro lugar, os estudantes que copiam devem ser severamente punidos e esse comportamento não pode ser tolerado. As escolas devem ter regras para lidar com comportamentos fora do comum. Por exemplo, se pelo menos dois vigilantes virem um estudante a engolir papéis, deve ser desqualificado do exame. Depois do castigo devem ser reeducados. As escolas devem ter disciplinas que versem a integridade académica e cursos obrigatórios que moldem os valores da aprendizagem.

É preciso fazer com que os estudantes compreendam que uma nota de 60 não é vergonhosa, mas é vital que percebam que um falso 100 tem de ser punido. Uma vez que esta ideia pedagógica se torne consensual, a sociedade deixará de julgar os heróis pelas suas notas, os estudantes poderão manter os seus valores morais e o espírito empreendedor de “conhecer a vergonha e depois aprender a ser valente” irá reaparecer. Só depois de se salientar a importância de identificar o “real valor” dos estudantes pode a educação voltar ao seu propósito original de “ensinar e partilhar conhecimentos”, os motivos que levam a fazer batota podem diminuir e a promoção de pessoas talentosas deixará de ser um jogo em que se compara número grandes e pequenos.


Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau
Professor Associado da Faculdade de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau
Email: cbchan@mpu.edu.mo

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