Shen Quan, o Pintor Itinerante, Erudito e Popular

Kumashiro Yuhi (1712-1772), o Japonês que viveu em Nagasaki no tempo do sakoku «o país acorrentado», a política de auto-isolamento imposta pelos shoguns Tokugawa do período Edo (1603-1867), deixou-se impressionar pelas poucas pinturas estrangeiras que só pelo porto da sua cidade eram permitidas entrar.

Nascido numa família de intérpretes da língua chinesa (totsuji), função a que também ele estava destinado, cedo pecebeu que a sua afinidade, além das palavras do grande país do outro lado mar, estava com essa arte visual. Com a sua imensa riqueza de sentidos, histórias e possibilidades de expressão das mais sensíveis emoções despertadas pela vida que passava diante dos seus olhos.

Apesar da política de fechamento, já antes tinham chegado os monges pintores do chan que em 1661 haviam fundado o templo de Manpukuji, transmitindo o seu particular e sofisticado entendimento da pintura. Nesse tempo e a pedido das autoridades locais, veio para a sua cidade um pintor de Deqing /Zhejiang) chamado Shen Quan (1682-1760) cuja singular abordagem à arte se situava num inesperado cruzamento entre o conhecimento histórico, científico e uma representação artística que integrava aspectos decorativos e elementos da liberdade da pintura dos literatos.

Exemplar da adesão de Kumashiro à cultura aprendida com Shen Quan é a pintura horizontal montada num rolo vertical, Xiwangmu, a «Rainha Mãe do Oeste em voo» (tinta e cor sobre seda,64 x 99,3 cm, no Museu Britânico) onde se citam modos de fazer ligados a tempos diversos e codificados elementos visuais dessa mitologia estrangeira.

Sob um pinheiro, árvore dos literatos, abraçada por um pessegueiro ligado à ideia da longa vida, uma serviçal junto de um veado que, porque as suas hastes renascem depois de cair, símbololiza a perseverança, estende um pêssego à raínha mãe que paira entre nuvens etéreas sobre as águas. E na maneira diversa como são representados nota-se, entre outros, o estilo vigente no fim da dinastia Yuan.

Shen Quan chegou a Nagasaki, de acordo com os minuciosos relatos locais, no dia três de Dezembro de 1731 e partiu a dezoito de Setembro de 1733, mas esse curto espaço de tempo foi suficiente para deixar o seu legado na forma de uma «escola» designada Nanping, a partir do seu nome artístico. Pintores que adoptaram a sua exigente concepção da pintura que equilibrava o naturalismo com o artificialismo.

No seu rolo vertical Macieira brava em flor, rosas da China e um par de pássaros (tinta e cor sobre seda, 94 x 107,3 cm, no Metmuseum) estão figurados elementos cujos nomes formam uma homofonia num ideograma para desejar «longa vida para os teus pais». Nele avulta a elegante rosa chinensis que não se distingue pelo perfume mas pelo seu sedutor florescimento incessante. Renovando a sua beleza desde a Primavera tardia até às primeiras geadas.

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