Para fazer um retrato, Gao Jian pensou num jardim

Zhu Shuzhen (c.1135-1180), a preclara poeta da dinastia Song cuja biografia é conhecida apenas através do prefácio escrito por Wei Duanli (1130- c. 1184) na recolha dos seus poemas Duanchang shiji, «Coração partido», onde mesmo aí diz que a não conheceu pessoalmente citando apenas uma biografia dela feita por um tal Wang Tanzuo. E para confirmar a veracidade da sua existência, acrescenta que ouviu recitar os seus poemas em estalagens na área de Hangzhou.

Alguns chegaram a sugerir que a poetisa seria uma fabricação de um ou vários literatos justificando assim o inexplicável desconhecimento da vida daquela que viveu num tempo que justamente celebraria Li Qingzhao (1084 – c. 1155), a inspirada literata de Jinan (Shandong).

Entre as várias razões que explicariam uma tão diferente recepção tem sido referido o evidente ambiente literário e de conhecimentos pessoais de que beneficiava Li Qingzhao e que claramente não foi o caso de Zhu Shuzhen.

Para lá das dúvidas biográficas, as palavras dela persistem mostrando um olhar surpreso da mutante e fugaz beleza que encontrou diante dos seus olhos. Como escreve no poema, Flores caídas: «Suspensas no alto dos ramos as primeiras flores despontam, puras,/ Invejando as flores, o vento e a chuva aceleram-se mutuamente, como lhes convém.»

E, se nesse contar do seu olhar sobre a natureza se insinua uma personalidade sensível, quando um pintor da dinastia Qing quis fazer o retrato de um proeminente literato que ocupou importantes funções no governo imperial, pensou numa paisagem eleita num jardim. No rolo horizontal (tinta sobre papel, 34,8 x 90 cm, no Metmuseum) onde está trancrito o Discurso sobre a poesia de Song Luo pelo seu filho Song Zhi, o pintor fez a figura de um literato sentado num pavilhão aberto rodeado por duas pessoas, representando alguém que vive em comunidade. Mas são os altos pinheiros, um regato brando, uma profusão de bambus, metáforas de um carácter elevado e íntegro que ocupam a maior parte do espaço pintado.

Gao Jian (1634-1707), o pintor de Maoyuan (Suzhou), mostra nessa pintura do Outono de 1698, o estilo que caracterizava a sua cidade, evocando nomeadamente Shen Zhou (1427-1509), o respeitado mestre da chamada «escola de Wu», nome alternativo da região de Suzhou. Numa outra pintura Gao Jian referiu-o pelo nome fazendo, como ele fazia, uma pintura de uma paisagem «à maneira de». No rolo vertical (tinta e cor sobre papel, 208,9 x 93,9 cm, no Museu de Arte de Indianapolis) escreveu «Em Maio o rio é profundo e o pavilhão é frio», citando um verso de Du Fu. Afinal inscrevendo a sua obra num contínuo de vozes singulares que se sucedem no tempo e às quais o leitor-observador é convidado a escutar, mesmo desconhecendo pormenores da biografia dos autores que se perdem como flores impelidas pelo vento e a chuva em plena Primavera.

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