Sexanálise VozesA psicologia da atração à primeira vista Tânia dos Santos - 9 Abr 2025 A “atração à primeira vista” é um fenómeno que fascina toda a gente. As comédias românticas retratam-na como um momento de ligação instantânea e incontrolável entre duas pessoas. Cabe-me agora desvendar as possíveis explicações por detrás deste fenómeno, recorrendo a duas grandes escolas de pensamento: a psicologia cognitiva — que desenvolve metodologias empíricas para testar hipóteses sobre o tema — e a abordagem psicodinâmica — que trabalha com bases interpretativas. Ambas as perspetivas constroem metáforas que nos ajudam a interpretar estes processos. Assim, podemos oscilar entre duas propostas: a atração à primeira vista será um produto de mecanismos inconscientes profundamente enraizados ou, pelo contrário, uma construção romântica a posteriori, baseada em processos sensoriais e cognitivos? A psicologia cognitiva sugere que a “atração à primeira vista” pode resultar de um processamento rápido de informação sensorial e emocional. O cérebro humano está programado para reconhecer padrões e categorizar informações de forma eficiente, o que nos permite avaliar alguém em frações de segundo, com base em traços faciais, expressões ou linguagem corporal. Estudos sobre perceção social confirmam que formulamos juízos imediatos sobre os outros. Do ponto de vista biológico, este fenómeno pode estar ligado à ativação do sistema dopaminérgico, responsável pela regulação do prazer e da recompensa. Quando encontramos alguém que consideramos atraente, o cérebro liberta dopamina, desencadeando um desejo de proximidade. Além disso, investigação sobre feromonas indicam que somos inconscientemente atraídos por parceiros cujo sistema imunitário complementa o nosso, favorecendo a diversidade genética na descendência. Por outro lado, a abordagem psicodinâmica, enraizada na psicanálise de Sigmund Freud, explica a atração à primeira vista através de mecanismos inconscientes. Segundo esta perspetiva, as experiências passadas — sobretudo as da infância — moldam os nossos padrões de atração. Quando nos sentimos instantaneamente atraídos por alguém, pode ser porque essa pessoa ativa memórias ou emoções associadas a figuras de vinculação primárias, como pais ou cuidadores. A atração não se centra no outro enquanto pessoa real, mas na forma como ele ressoa dentro da nossa estrutura inconsciente de desejo. O outro pode simbolizar algo que nos falta, algo interdito ou uma questão emocional ainda não resolvida. Esse mecanismo, conhecido como identificação projetiva, explica como podemos sentir uma forte atração por alguém que representa, de forma inconsciente, partes significativas da nossa história psíquica. Segundo esta teoria, raramente nos apaixonamos por quem a pessoa realmente é, mas sim pela maneira como projetamos nela as nossas necessidades emocionais não resolvidas. A atração é por isso um encontro de inconscientes, onde ambos projetam padrões familiares um no outro. Claro que as crenças também moldam expectativas românticas. Se acreditamos que a atração instantânea é um sinal de destino, tendemos a atribuir-lhe significado emocional. O impacto da cultura e das normas sociais mostra como a perceção do “amor à primeira vista” pode ser influenciada por narrativas romantizadas. Por exemplo, em livros, filmes ou publicidade romantiza-se a ideia da atração à primeira vista, criando uma narrativa que leva as pessoas a idealizar e a esperar ligações emocionais intensas e imediatas. Esta expectativa cultural pode influenciar a forma como interpretamos encontros reais — se alguém vive sintonizado com ideais românticos, é mais provável que atribua significado emocional a uma atração instantânea, encarando-a como algo “destinado a acontecer” ou “predestinado”. A psicologia cognitiva encara o fenómeno de forma mais pragmática, quase despojando-o do seu romantismo: tudo depende do nosso processamento mental e do que consideramos relevante. Já a psicanálise articula melhor o cruzamento entre fantasia e realidade, propondo que, embora a atração à primeira vista seja composta por elementos projetivos e fantasiosos, estes não estão totalmente dissociados do encontro em si. Há algo de significativo nessa dinâmica; caso contrário, as pessoas não se apaixonariam. Como diria um psicanalista, somos atraídos por quem consegue nutrir as nossas feridas psíquicas — o que, mais tarde, pode revelar-se a causa de disfunções no casal. Existe um domínio intangível que comunica subtilmente quem somos, de onde viemos e como nos podemos completar. Em suma, enquanto a neurociência e a psicologia cognitiva destacam reações automáticas e hormonais, a psicodinâmica enfatiza o papel do inconsciente e das experiências passadas. Embora a psicologia cognitiva e a psicodinâmica possam parecer opostas – uma focando-se em processos conscientes e observáveis e a outra em mecanismos inconscientes e emocionais –, existe potencial para sobreposição, e reconhecer isso poderia tornar a explicação mais robusta. A perspetiva cognitiva sobre a atração, que enfatiza julgamentos rápidos e automáticos baseados em sinais físicos e respostas emocionais, pode ser entendida como o processamento inicial e superficial que é complementado pelos processos inconscientes. Mas a minha proposta é outra: mostrar que a forma como olhamos para o fenómeno afecta a forma como o vivemos. Cada explicação poderá adaptar-se melhor às vivências de cada pessoa. Estará a atração à primeira vista enraizada num desejo autêntico e profundo, ou será uma ilusão alimentada pela necessidade humana de conexão e significado? A resposta talvez resida na imaginação e riqueza emocional de cada um. Em última análise, a maneira como interpretamos o fenómeno da “atração à primeira vista” pode ser profundamente influenciada pelos mecanismos cerebrais e inconscientes discutidos, mas também pelas narrativas culturais que internalizamos. Assim, a experiência será sempre uma intersecção entre o que sentimos e como aprendemos a sentir.