Adelina Moura, docente e formadora: “O telemóvel é como um canivete suíço”

Formada na área das tecnologias educativas, Adelina Moura irá conduzir palestras para pais, alunos e professores sobre o uso de tecnologias digitais nas salas de aula, no âmbito do festival “Letras&Companhia” do Instituto Português do Oriente. A professora entende que proibir o telemóvel nas escolas não é solução

 

Quais os desafios sentidos por professores com a introdução das tecnologias na sala de aula? O telemóvel pode, de facto, ser um complemento à aprendizagem?

Sim. Venho dizendo isso desde 2005. O telemóvel pode ser uma excelente ferramenta de aprendizagem, um meio para motivar os alunos e para que enriqueçam a sua aprendizagem. Temos aqui uma espécie de canivete suíço, um equipamento poderosíssimo nas mãos dos alunos e há uma falha da escola, porque não se trabalha e ajuda os alunos a potenciar esse equipamento que têm. O que acontece é que os alunos aprendem da pior maneira, de uma forma desestruturada, por tentativa-erro. Há uma lacuna, pois os alunos não são alertados para o potencial positivo de utilização do telemóvel. Encaram o telemóvel como uso do tempo livre, gastando tempo nas redes sociais e a fazer “scrolling”, e o tempo consome-se. É essencial que os professores sejam utilizadores, nas suas práticas, do telemóvel, quer para a preparação de aulas e outros projectos, para saber preparar os alunos. Considero que a escola perdeu várias etapas de preparação e sensibilização dos alunos para a utilização destes equipamentos que levam para as aulas e com os quais as escolas não gastaram nenhum dinheiro. Com a proibição de levar o telemóvel para a sala de aula não avançamos nada nesse sentido.

No período da pandemia, por exemplo, o uso das tecnologias, com o ensino à distância, foi bastante potenciado.

Mas durante a pandemia também queimámos algumas etapas em relação ao uso do digital pelos professores, porque antes da pandemia muitos professores não acreditavam e nem usavam. Achavam que era uma moda e não viam grande utilidade no uso dos telemóveis e outras tecnologias. Com a pandemia a utilização desses equipamentos provou que, sem eles, a situação do ensino teria sido muito pior. Nestes anos de pandemia, os professores ficaram mais conscientes das tecnologias que já existem e que estão disponíveis para qualquer um. Com acesso à internet no telemóvel, algo que existe desde 2007 com o lançamento do primeiro Iphone, potencia-se o sistema E-learning e depois passamos para o “mobile learning”, em que é possível aprender em qualquer lugar e qualquer hora com os dispositivos móveis. É esta realidade que vemos um pouco afastada da escola.

E depois da pandemia, como tem sido?

Julgo que vamos dar mais alguns passos em relação à literacia digital. Com a inteligência artificial (IA), parece que estamos como na fase em que criei o meu primeiro website, em 1999, ou o email, em 1995. Estamos no início. Mas são já 30 anos de tecnologia em que houve muitas mudanças, e a tecnologia vai de facto avançando e se no imediato não percebermos o que temos disponível, nós e alunos, ajudamos a criar um fosso que já aconteceu no passado em relação ao digital. Face à IA, se não olharmos para trás e não percebermos o que não foi feito e devia ter sido ao nível da escola, estamos a perder tempo. Só daqui a uns anos as pessoas vão ficar alerta à IA, e a lacuna vai aumentando. Daí ser muito importante apostar agora, já nesta fase inicial, na formação de professores, alunos e famílias.

Há muita ignorância dos pais, afastamento dessa realidade?

Temos pais que são deste século. Ou seja, nasceram com a existência dos computadores, Internet, viram o aparecimento do smartphone. Mas quando estudaram, a escola não falava do potencial do digital. Então, esses antigos alunos, vieram para a sociedade e não trouxeram essa sensibilidade para o digital, para educar os filhos. Nós, professores, quando damos formação no digital, estamos a fazer um bem à sociedade porque também estamos a preparar estes jovens para o futuro, pois vão ser pais e devem ter essa consciência para educar os filhos. Na escola não preparamos apenas para o mercado de trabalho, mas para a vida pessoal e familiar. Daí a formação de professores ser essencial. O convite que recebi do IPOR parece-me uma excelente visão holística de tudo, porque a escola inclui diversos actores, de ligação com a sociedade.

Como a IA deve ser introduzida na sala de aula?

Assistimos actualmente a mudanças nos motores de busca, de facto. Temos motores de busca criados de raiz para a era da IA, por exemplo. A melhor maneira de introduzir a IA na sala de aula é perguntar aos alunos o fazem e como a utilizam, e já recorrem a essa ferramenta. No início do ano lectivo peço sempre aos alunos para responderem a um questionário sobre as suas rotinas digitais, e aí fico a saber mais ou menos as suas práticas. Em 2023, quando saiu o ChatGPT, introduzi a IA nas minhas aulas, e percebi que os alunos estavam a usar essa ferramenta para enganar os professores. Os alunos têm de perceber que, ao usar a IA, estão a cair numa certa armadilha, porque não estão a aprender. É a lei do menor esforço, igual à fase em que surgiu a Internet, em que os alunos seleccionavam, copiavam e enviavam para o professor. Temos agora o problema de as respostas estarem em português do Brasil, por exemplo, e vejo logo que foi usada a IA. Temos, portanto, de desmontar na cabeça dos alunos esta actuação e enfrentá-los. Digo-lhes que estão a ser desonestos intelectualmente e que não leram a resposta obtida pela IA, por exemplo. Sinto, desde 2023, que os alunos, nas respostas a esse questionário que faço, dizem ter receio de usar o ChatGPT porque têm medo de ser apanhados pelos professores. Ou seja, parece terem ganho alguma consciência.

Vai dar estas palestras num contexto educacional diferente, na Ásia, em que o uso do telemóvel pode ser mais precoce. Como vai lidar com essas diferenças, ou entende que os problemas do uso da tecnologia na sala de aula são transversais?

É uma questão transversal. Temos de nos questionar se o uso de determinado equipamento e ferramenta nos vai tornar mais sábios? A mim parece-me que não, pois podemos ter o equipamento, mas o uso que fazemos dele varia muito. Digo aos meus alunos que eles deveriam ter vergonha, porque têm um acesso muito mais fácil aos conteúdos do que no meu tempo, em que tínhamos verdadeiramente de fazer pesquisa e ler em formato físico. Digo-lhes que, com esta tecnologia, deviam todos ter nota 20, e que estão a desperdiçar recursos, sendo desonestos intelectualmente, porque assinam trabalhos que não são deles e não leem, sequer, o que entregam. Um dos trabalhos que temos com os alunos é ensiná-los a fazer referências bibliográficas, referir as fontes. Mas eu sou optimista por natureza, e espero que daqui a uma década os alunos do ensino secundário que sejam pais e mães consigam lidar com estes problemas das redes sociais e aumento de fraudes com os seus filhos. É essa “escola de pais” que a escola pode ajudar a criar. Estamos num momento sem retorno do digital, e proibir é a situação mais cómoda, mas não é a melhor para enfrentar a realidade. Temos de usar as palavras certas para alertar. Temos nesse tempo de alertas e de consciências, de incentivo ao espírito crítico dos nossos alunos, que é pouco actualmente.

 

Formar quem ensina

Adelina Moura irá ministrar um workshop para professores do território no sábado, com a sessão “Literacia Digital – Promoção de Interacções Positivas em Linha”, dirigida a professores e agentes do ensino infantil, primário e secundário. A sessão decorre na sede do IPOR, entre as 10h e as 13h.

No mesmo dia, mas à tarde, a sessão será dirigida para pais e filhos. Licenciada em Ensino do Português e Francês, mestre em Supervisão Pedagógica do Ensino do Português e doutorada em Ciências da Educação, na especialidade de Tecnologia Educativa, Adelina Moura tem vindo a desenvolver investigação na área do Mobile Learning, com várias publicações em Portugal e no estrangeiro.

É docente do ensino básico e secundário, tutora de cursos de formação à distância do Instituto de Camões – Instituto da Cooperação e da Língua e formadora da formação contínua de professores, em didácticas específicas (Português e Francês) e tecnologia educativa. Na quarta-feira, a partir das 18h30, Adelina Moura, Nuno Gomes e Min Yang vão debater “A Inteligência Artificial na Educação”.

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