Livro | Mark O’Neill conta a história dos europeus nos primórdios de Hong Kong

“Europeans in Hong Kong” é o 18º e novo livro do escritor e jornalista britânico Mark O’Neill, que vive na região vizinha. Ao HM, confessa que começou por escrever a história dos irlandeses, mas o projecto acabou por se expandir. Como tal, focou-se nas histórias de europeus que deixaram a sua marca em Hong Kong, incluindo portugueses

 

Hong Kong, a cidade da banca, das finanças e do comércio, um entreposto mundial durante séculos e uma porta de entrada para a China. Tem sido assim a região vizinha ao longo dos tempos, desde a sua instituição, em 1841. Desde sempre, Hong Kong foi um território internacional povoado por europeus de várias nacionalidades, muito mais do que os britânicos que administraram o território até 1997.

Faltava contar a sua história, e Mark O’Neill, autor e jornalista britânico, a residir em Hong Kong desde finais dos anos 70, fá-lo agora com “Europeans in Hong Kong” [Europeus em Hong Kong], que inclui inclusivamente um capítulo sobre os portugueses.

Em mais uma obra que acaba de sair para as bancas, o autor confessa ao HM que começou por escrever a história dos irlandeses em Hong Kong, cuja contribuição para o território “foi enorme”. Essa obra não chegou a ser publicada, nascendo depois a ideia de fazer algo maior.

“Escolhi as figuras que deram os maiores contributos, especialmente a nível religioso, ou professores, escritores, grandes figuras do mundo dos negócios e aqueles cujos legados ainda perduram”, confessou.

Mark O’Neill destaca que o grande contributo dos europeus na região vizinha deu-se na área educativa, mas não só. “O contributo mais duradouro foi dado pelas escolas, universidades, hospitais, lares de idosos, instituições de assistência social e algumas empresas. Embora se tratem de entidades que, actualmente, são geridas, em grande parte, por pessoas de Hong Kong, foram fundadas e alimentadas por europeus.”

O autor explica que a história mais impressionante associada ao legado dos franceses surge na capa do livro. “No século XIX, as freiras francesas adoptaram dezenas de milhares de raparigas chinesas que tinham sido abandonadas e deram-lhes uma boa vida. Sem elas, as raparigas teriam morrido ou trabalhado como mão-de-obra infantil, empregadas domésticas ou prostitutas”, disse.

Uma outra casa

Questionado sobre as novas percepções que o livro pode trazer para o público em geral, Mark O’Neill entende que este está hoje “familiarizado com a história dos britânicos em Hong Kong, mas não com a história da Europa continental”.

Assim, o autir diz esperar que “o livro os ajude a compreender a sua história, especialmente o seu contributo”.

Em termos gerais, “nas primeiras décadas [da fundação de Hong Kong], os europeus eram, sobretudo, homens de negócios e missionários, tanto católicos como protestantes”. Depois, a região cresceu “como grande cidade asiática e, a partir dos anos 50, a comunidade expandiu-se”. “Actualmente, temos arquitectos, engenheiros, músicos, professores, donos de restaurantes, médicos, advogados, especialistas em arte e pessoas em todos os domínios da vida”, disse o autor.

Outra figura de destaque em “Europeans in Hong Kong” é o padre jesuíta húngaro Laszlo Ladany, tido como o “maior observador da China em todo o mundo durante trinta anos”, e Anders Nelsson, “o cantor sueco e residente de longa data em Hong Kong, bem conhecido dos habitantes locais”, descreve-se na introdução da obra.

“A maioria das pessoas pensa que Hong Kong foi construída pelos chineses durante os 150 anos de domínio britânico, o que não é inteiramente exacto. Como o leitor descobrirá, muitas das escolas, hospitais, instituições de assistência social, edifícios e empresas da cidade foram fundados e geridos por pessoas da Europa (definida aqui como ‘a leste de Calais’). Muitos viveram aqui toda a sua vida adulta e só regressaram ‘a casa’ quando a guerra ou a doença o obrigaram”, é descrito na mesma introdução.

Mark O’Neill descreve também que os cemitérios de Hong Kong contêm vestígios dessa presença, pois “os europeus ficaram a gostar mais da cidade e das suas gentes do que da sua terra natal”. A presença europeia aumentou na região vizinha a partir de 1949, quando é fundada a República Popular da China, pois “o novo Governo chinês fechou as portas a estrangeiros, com a excepção de um pequeno número de pessoas provenientes de outros países socialistas”. Assim, “desejosos de permanecer na China e no mundo chinês, muitos europeus mudaram-se da China continental para Hong Kong”, é referido.

O legado macaense

O quarto capítulo é inteiramente dedicado à comunidade portuguesa e macaense de Hong Kong, tida como “pilar da sociedade” durante muitos anos. “Durante 150 anos, os portugueses foram, depois dos britânicos, a maior comunidade não chinesa em Hong Kong”, lê-se na obra, que traça o perfil de cinco personalidades e descreve dois clubes sociais, onde a comunidade se encontrava.

No tocante às personalidades, é referido o exemplo de José Pedro Braga, o primeiro português a fazer parte do Conselho Legislativo, entre os anos de 1927 e 1937; Sir Roger Lobo, membro do Conselho Executivo entre 1967 e 1985; e o Comendador Arnaldo de Oliveira Sales, primeiro presidente do Conselho Urbano entre 1973 e 1981.

“Os portugueses desempenharam um papel fundamental no Governo, nos bancos, nas profissões liberais e nas empresas comerciais. Viveram aqui durante muitas gerações. A maior parte dos expatriados ficava apenas o tempo da sua missão; quando se reformavam, partiam e regressavam à Grã-Bretanha ou a outro país da Europa. Os portugueses, por outro lado, tinham as suas próprias escolas, igrejas, clubes sociais e desportivos e a sua própria língua”, refere-se no livro.

Relativamente à origem desta comunidade, descreve-se como uma “raça mista”, ou macaenses, mas também portugueses com origens asiáticas. “A sua história remonta a centenas de anos, aos primeiros tempos do comércio e da exploração portugueses. No século XVI, Portugal estabeleceu entrepostos comerciais e missões religiosas em Goa, Malaca, Macau e Nagasaki. Os colonos portugueses casaram com mulheres locais, criando uma população mista com raízes na Índia, na Malásia, na China e no Japão. Em 1639, o Governo japonês expulsou todos os estrangeiros e isolou o país do resto do mundo.”

Macau surge intimamente ligado a esta comunidade, pois tornou-se, em meados do século XVI, “a base de Portugal na Ásia Oriental”, depois dos holandeses terem bloqueado Goa e conquistado Malaca.

“Os macaenses começaram a formar-se como uma comunidade coesa – partilhando laços com Portugal, a religião católica, uma língua e uma cozinha comuns e um sentimento de distinção em relação aos portugueses coloniais e aos seus vizinhos chineses. Eram as únicas pessoas em Macau que falavam português e cantonês, o que lhes conferia um papel de intermediários essenciais para o bom funcionamento do Governo e dos negócios”, é explicado.

O facto de “a fundação de Hong Kong ter devastado a economia de Macau” fez com que muitos macaenses tenham começado a mudar-se de armas e bagagens para uma zona com uma economia bem mais fulgurante. Afinal de contas, “a apenas 66 quilómetros de distância [Hong Kong] era o melhor porto de águas profundas a sul da China dentro das leis, administração e protecção militar no maior império do mundo”.

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