Aviação | Maria José de Freitas lamenta retirada de painéis do aeroporto

As primeiras tentativas para estabelecer em Macau companhias aéreas, no início do século XX, foram abordadas pela historiadora Célia Reis nas “Conferências da Primavera” do Centro Científico e Cultural de Macau. A arquitecta Maria José de Freitas lamentou a retirada de painéis do Aeroporto Internacional de Macau que contavam essa mesma história

 

Entre a saída do avião e a entrada no Aeroporto Internacional de Macau (AIM) havia um corredor que contava a história da aviação civil e militar do território dos primórdios do século XX. O projecto dessa zona do aeroporto é da autoria do atelier da arquitecta Maria José de Freitas, que lamenta a retirada dos painéis e informações históricas que foram instalados em 2013.

A arquitecta deixou essa ideia numa intervenção após a apresentação da historiadora Célia Reis sobre a história da aviação civil e militar em Macau, na segunda-feira, por ocasião das “Conferências da Primavera” que decorrem no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM) em Lisboa.

“Resolvemos contar a história da aviação em Macau nesse corredor, com uma grande extensão, embora na altura houvesse pouca documentação sobre isso. Descobri alguma informação numa obra de Luís Andrade de Sá. Recolhemos textos e imagens e colocámos tudo isso nas paredes desse corredor, e isso ficou lá durante algum tempo.”

“Com uma nova direcção [no AIM], perguntaram-me como eu podia provar que todos esses acontecimentos tinham ocorrido. Eu tinha documentação em português, mas não tinha nada em chinês e inglês, e numa altura em que me desloquei a Portugal de férias, vi, quando regressei a Macau, que tinham retirado todas as informações e imagens desse corredor. Essa história é lamentável”, acrescentou.

A arquitecta acrescentou que gostaria que a história dos primórdios da aviação em Macau voltasse a ser contada nessas mesmas paredes. “Seria importante perceber onde há mais informações, para que percebam a história da aviação em Macau, que foi pioneira. Havia, por exemplo, um hangar de aviação junto às Casas-Museu da Taipa, e existem uma série de referências ligadas à história desta terra que devem ser tornadas visíveis no aeroporto, nas salas, por exemplo. Essa história deveria ser contada e as coisas deveriam ser colocadas no lugar certo”, frisou.

Os planos de Ricou

Célia Reis, historiadora e docente, encontra-se a desenvolver um projecto de investigação em torno dos primórdios da aviação em Macau e foi esse o tema que levou às “Conferências da Primavera” na segunda-feira, com a sessão “A aviação e navegação aérea em Macau nos anos 20 – um processo de inovação colonial”.

Célia Reis falou de um período em que a aviação começou a ser importante para a China, por questões de segurança, e começa também a ser pensada para Macau. Neste processo, há uma personalidade cujo nome importa reter, um francês nascido em Hong Kong: Charles William Ricou, um piloto formado em engenharia e em aviação. Este começou a equacionar, a partir de Novembro de 1919, a possibilidade de “estabelecer uma carreira aérea entre Macau, Hong Kong, Xangai, Filipinas, Java, Índia”, contactando com entidades governamentais locais para a obtenção de facilidades e acordos.

Célia Reis explicou que Ricou pretendia formar duas companhias aéreas, a “Far East Aviation Company”, com “uma ligação bastante mais alargada, chegando até Manila”, e outra para ligar Macau, Hong Kong e Cantão, com o nome “Macau Aerial Transport Company Limited”.

Esta empresa “foi constituída em Hong Kong, com um capital de 50 mil dólares, e tinha como sócios fundadores personalidades de Macau, como Humberto de Avelar, Rodrigues dos Santos, Francisco Nolasco e Francisco da Silva”. A historiadora disse ainda na apresentação que a ideia “era completar o resto do capital necessário com acções de baixo valor para que pudessem ser compradas por todos [os habitantes] em Macau”.

“Chega mesmo a haver o apelo por parte do conselho de administração da companhia para que os macaenses subscrevessem o capital, mostrando que a empresa era extremamente importante para os habitantes de Macau, realçando-se o seu valor patriótico, de solidariedade para com o progresso”, acrescentou.

“Várias vozes demonstraram nessa altura que o sucesso comercial da companhia, no início, poderia ser pouco ou nenhum, embora se pensasse que a empresa poderia vir a ter alguns lucros, tendo a capacidade de servir de transporte ao correio aéreo. Porém, essa capacidade de transporte seria extremamente limitada, pois o número de objectos de correio a transportar de Macau eram 24 cartas por dia”, adiantou Célia Reis.

Na altura pensava-se que Macau seria pioneira, pois “seria o primeiro território a Extremo Oriente a ter uma companhia de aviação”, algo que “traria mais visitantes e aumento do comércio”. O Governo de Macau, então liderado pelo Governador Correia da Silva, “cede aos apelos da companhia, concedendo várias facilidades, como a permissão de construção de um hangar provisório num terreno público que estava vago ou de infra-estruturas de acesso ao mar”. Além disso, foi permitida “a isenção do pagamento do imposto sobre o armazenamento do combustível”.

Assim, Macau chegou a ter hidroaviões e 21 aviadores americanos contratados pela companhia. “Considerava-se que era o maior carregamento de material aéreo exportado pelos Estados Unidos da América (EUA), todo trazido para Macau.” Depois, a companhia tenta organizar-se, “chegando a pedir espaço na ilha da Taipa, concebida para ter hangares definitivos, embora tenham existido concessões provisórias”. Nesse contexto, recordou a historiadora, “houve subsídios, um contrato para o transporte de malas postais”, para que se “permitisse um desenvolvimento da navegação aérea”.

Impasses até ao fim

Em Maio de 1920 surgiu uma nova convenção mundial na área da aviação, à qual Portugal adere, o que faz com que a “Macau Aerial Transport Company Limited” tivesse de ser nacionalizada. O projecto chega a avançar, mas depressa recua.

“A companhia aérea acede, portanto, a nacionalizar-se com a condição de obter um subsídio, e ter quatro aviões disponíveis para o serviço militar em Macau, caso fosse necessário. A questão da defesa estava sempre presente. Começou depois a haver algum desentendimento entre as condições exigidas pela companhia e aquelas que o Governador entendia serem necessárias. Além disso, o Governo de Macau precisava da autorização de Lisboa para o funcionamento da companhia aérea. Lisboa demora muito a responder, mas depois diz que o Governador pode avançar, e este começa a negociar com a companhia. Porém, começam a surgir vozes em Lisboa que vão fazer com que as coisas mudem.”

Tal passa pela ideia de que os EUA estariam a demonstrar interesses ocultos através do estabelecimento da companhia. “[Em Lisboa] receia-se que esta seja a forma encontrada de uma companhia de aviação americana instalar-se em Macau, território português, por vias diferentes.”

Primeiro, Lisboa proíbe, recuando-se nas negociações, sendo que o Governador seguinte, Rodrigo Rodrigues, “não está de acordo com a companhia, entendendo que não será viável”, o que leva a que todo o projecto e diálogo fiquem suspensos.

Célia Reis destacou ainda que “o Governo de Correia da Silva passou por várias dificuldades nestes anos, em termos de segurança”, tendo ocorrido “incidentes muito graves na relação entre Portugal e a China”.

“Por essa razão, o Governador considerava que ter aviões era extremamente importante porque, neste momento, a China também estava a recorrer à aviação. As autoridades de Portugal, porém, consideravam que os aviões de Macau não teriam nenhuma importância, comparando com o conjunto de aviões que teria a China ou mesmo o Japão. Quando se dá permissão para a constituição da companhia aérea em Macau, Lisboa entende que o território estava numa situação preocupante e poderia ter aviões com funções militares, mesmo que fossem poucos”, explicou a historiadora. O projecto cairia, porém, por terra.

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