Grande Plano MancheteÓbito / Rocha Vieira: Macau recorda último Governador português Hoje Macau - 22 Jan 202523 Jan 2025 O último governador de Macau, Vasco Rocha Vieira, que morreu aos 85 anos, lançou as bases do sucesso da região chinesa e defendeu os direitos dos funcionários públicos, embora com “alguns desencontros”, disseram à Lusa dirigentes locais. Vasco Rocha Vieira, antigo Chefe do Estado-Maior do Exército entre 1976 e 1978, morreu na madrugada desta segunda-feira aos 85 anos, confirmou à Lusa fonte oficial daquele ramo militar. “É uma figura ilustre, fundamental na história da transição de Macau, mas também, em certa medida, do presente e do futuro”, disse José Sales Marques, presidente do Leal Senado, antiga câmara municipal, entre 1993 e 1999. “Há muita coisa que foi feita durante esse período e que hoje em dia continua. As bases da Região Administrativa Especial de Macau têm muito a ver também com a obra do tenente-general Rocha Vieira”, defendeu Sales Marques. Rocha Vieira exerceu o cargo de governador de Macau entre 1991 e 1999, quando se processou a transferência do território para a China. Foi no seu mandato que foi concluída a construção do aeroporto da cidade. A Macau que Rocha Vieira encontrou e a que deixou “não se compara. Aquilo que se fez naqueles anos todos é qualquer coisa que a história já tem registado”, defendeu Sales Marques. também membro do então Conselho Consultivo de Rocha Vieira. O antigo deputado António Ng Kuok Cheong disse à Lusa que, apesar da desconfiança dos chineses, a administração “tentou fazer alguma coisa para incentivar o crescimento económico da cidade, que era muito pobre nessa altura, antes de devolver Macau”. António Ng, eleito para a Assembleia Legislativa cinco meses depois da nomeação de Rocha Vieira, sublinhou que o principal obstáculo foi a resistência da China à liberalização do setor do jogo, que acabaria por só ser lançada em 2002. Algo que obrigou a administração portuguesa a vender terrenos para financiar os projetos de infraestruturas, inadvertidamente plantando as raízes do problema de habitação que Macau enfrenta atualmente, referiu. “Eles tentaram vender a terra de forma aberta, mas o Governo chinês impediu-os. Assim, a maior parte das terras foi vendida a pessoas poderosas da China por um preço muito baixo, porque a economia de Macau estava muito fraca”, recordou Ng. Estava criada uma classe de senhorios que, após Macau se tornar a capital mundial dos casinos, enriqueceu ao controlar a oferta e manter os preços da habitação elevados, lamentou o antigo deputado. O trabalho nos funcionários públicos Jorge Fão, um dos fundadores da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFMP), em 1987, notou que Rocha Vieira “cumpriu a missão como governador” e “dignificou o seu país”. O ex-presidente da ATFPM, à frente da associação “por mais de dez anos”, lembrou à Lusa que foi “sindicalista antes de ser político” e “teve alguns desencontros” com o tenente-general. Fão explicou que foi “um dos protagonistas” que trabalhou para que, após a transição de Macau para a China, “os funcionários públicos [da administração portuguesa] tivessem direito a uma pensão” paga por Portugal. “Nenhum funcionário das outras colónias teve direito (…) Quando se começou a falar de discutir a entrega de Macau para a China, ficámos muito preocupados. Encetámos as nossas lutas sindicais e tivemos vários encontros com a governança de Portugal e de Macau (…). Nós tivemos uns encontros e também nesses encontros tivemos desencontros”, lembrou. No final, resumiu o atual presidente da Assembleia Geral da Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau, “o desfecho não foi mau”. “Todo o mundo deve estar satisfeito, também eu que tomei parte nessa luta e vivo dessa pensão já há mais de 30 anos”, defendeu. Na passagem da administração, contavam-se cerca de 3.600 aposentados com pensões transferidas para Portugal, concluiu. Em 2022, Jorge Fão disse à Lusa acreditar que viviam na região chinesa cerca de dois mil reformados da antiga administração portuguesa de Macau. PS enaltece vida “inteiramente dedicada ao serviço de Portugal” O PS manifestou pesar pela morte do último governador português de Macau, enaltecendo uma vida “inteiramente dedicada ao serviço de Portugal” de um “militar prestigiado” e de um dos “melhores intérpretes da importância de Macau”. Através de um comunicado, o partido liderado por Pedro Nuno Santos lamenta a morte de Vasco Rocha Vieira, “militar prestigiado e último Governador de Macau sob a administração portuguesa”. “A sua vida foi inteiramente dedicada ao serviço de Portugal, quer na sua carreira militar, quer na participação política a seguir ao 25 de abril, como membro do Conselho da Revolução (por inerência de funções enquanto Chefe de Estado Maior do Exército), Ministro da República nos Açores, Secretário Adjunto do Governo de Macau e Governador de Macau”, refere a mesma nota. Referindo que “a sua vida ficou para sempre ligada a Macau”, para o PS este “foi um dos melhores intérpretes da importância” daquele território “para a relação entre Portugal e a República Popular da China”, bem como da singularidade da agora região administrativa especial. “Os últimos anos da administração portuguesa do Território de Macau, sob a liderança do general Rocha Vieira, são marcados pela concretização de várias obras públicas infraestruturais importantes de suporte ao desenvolvimento subsequente de Macau, bem como de reformas na administração para a sua preparação para o período subsequente”, enaltece. Os socialistas referem ainda a cerimónia de transferência de soberania do Território de Macau para a República Popular da China, na qual foi inegável a forma como Rocha Vieira “personificou e simbolizou a dignidade e o tributo à presença portuguesa ao longo de séculos em Macau”. “E marcou a amizade e o respeito que os portugueses mantêm com Macau e com a República Popular da China, e que permite, ao fim de 25 anos de transição, preservar a singularidade de Macau que continua a ser ponto de encontro entre culturas”, acrescentou. O PS dá assim “nota pública do seu profundo respeito pelos serviços ao país” e “endereça à sua família e aos seus amigos as suas mais sentidas condolências”. Palavras de Eanes Já o antigo Presidente da República Ramalho Eanes classificou Rocha Vieira como “um homem de exceção” e “um dos melhores” entre as maiores figuras de Portugal. “O general Rocha Vieira era um homem de exceção pela sua ação de excelência e pela sua responsabilidade social assumida, merecendo ser, justamente, considerado ‘um dos melhores dos nossos maiores’”, escreveu António Ramalho Eanes numa nota enviada à agência Lusa. O primeiro chefe de Estado eleito da democracia portuguesa lembra Vasco Rocha Vieira como “um homem extraordinário”, sobretudo “a três níveis: pela sua personalidade distintiva, pelo seu desempenho militar relevante e pelos serviços prestados ao País a nível político”. A nível pessoal, Eanes considera que Rocha Vieira, que morreu hoje com 85 anos, “possuía qualidades de espírito superiores”, tinha “uma inteligência excecional”, “um bom temperamento” e “dispunha de uma personalidade forte”. Ao nível militar, “foi um dos militares mais distintos da sua geração, prestando, ao Exército, serviços relevantes, em tempos difíceis, nomeadamente, no estertor do regime político anterior ao 25 de Abril, no decurso do 25 de Abril e, mesmo, no 25 de Novembro, tendo, ainda, desempenhado um importante papel enquanto representante das Forças Armadas portuguesas junto da NATO”. Quanto ao nível político, Eanes conclui que Rocha Vieira teve uma atividade de “grande qualidade e grande importância para o país, quer como ministro da República para os Açores, quer ainda, como governador de Macau, colocando todo o seu empenho no desenho e execução, com sucesso, de uma política de transformação bem-sucedida de Macau, participando, igualmente, com o sucesso que é conhecido, na transferência da administração do território de Macau para a República Popular da China”. Recordações dos Açores O presidente do parlamento açoriano, Luís Garcia, manifestou também pesar pela morte de Vasco Rocha Vieira, recordando a “exemplar dedicação à causa pública” e o “contributo inestimável” para o país e para os Açores. “Ao longo da sua notável carreira militar e política, Rocha Vieira revelou um inabalável sentido de Estado, exemplar dedicação à causa pública e um profundo patriotismo, que marcaram de forma indelével o serviço prestado a Portugal”, afirma Luís Garcia numa nota de pesar. O presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRAA) refere que tomou conhecimento da morte do tenente-general, uma “figura ímpar e um dos mais ilustres oficiais do Exército português”, com “profunda consternação”. Segundo a nota, Luís Garcia “expressa as mais sentidas condolências à família enlutada, deixando um profundo testemunho de gratidão pelo seu contributo inestimável para o país e para os Açores”. “Enquanto ministro da República para a Região Autónoma dos Açores, entre 1986 e 1991, Vasco Rocha Vieira desempenhou as suas funções com elevado compromisso, contribuindo significativamente para o fortalecimento das relações institucionais e para a valorização da autonomia regional”, refere. O líder da ALRAA também salienta que o período em que Rocha Vieira esteve ao serviço dos Açores “é recordado como um tempo de dedicação ao diálogo e à construção de pontes entre os órgãos de soberania nacional e os órgãos de governo próprio da Região”. “Será também recordado pelo simbolismo da sua ação como último Governador de Macau, cargo que exerceu entre 1991 e 1999, momento em que liderou a transferência da administração portuguesa para a chinesa, num exemplo de sentido de responsabilidade e lealdade ao serviço público que ficará gravado na memória coletiva de Portugal”, concluiu. PM português manifesta-se O primeiro-ministro, Luís Montenegro, recordou hoje Rocha Vieira como “um dos mais brilhantes militares a dar corpo ao sentido patriótico de ser português”, destacando a sua ligação “histórica e marcante e Macau”. O tenente-general Vasco Rocha Vieira, último governador português de Macau e antigo Chefe do Estado-Maior do Exército, morreu hoje de madrugada aos 85 anos, confirmou à Lusa fonte oficial daquele ramo militar. “O general Vasco Rocha Vieira foi um dos mais brilhantes militares a dar corpo ao sentido patriótico de ser português, com especiais serviços na consolidação da nossa democracia e na ligação histórica e marcante a Macau, onde foi o último governador”, escreveu Luís Montenegro, numa publicação na rede social X. O primeiro-ministro apresentou ainda condolências à família e amigos e disse guardar de Rocha Vieira “gestos de amabilidade e palavras de responsabilidade cívica e política”.