Grande Plano ManchetePolítica | Macau retrocede em termos de representação feminina Andreia Sofia Silva - 10 Jan 2025 As deputadas lutam mais por temas relacionados com mulheres do que os seus colegas. A representação feminina na política local, nomeadamente no hemiciclo, continua “abaixo das médias globais e asiáticas”. Esta é uma das conclusões da dissertação de mestrado de Chan Wong Kuan “Participação política das mulheres em Macau: Do ponto de vista de género e de políticas públicas” Macau está ainda aquém em termos de igualdade de géneros na política. Esta é a principal conclusão da dissertação de mestrado de Chan Wong Kuan defendida em Novembro de 2023 na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, no ramo da Sociologia, e intitulada “Participação política das mulheres em Macau: Do ponto de vista de género e de políticas públicas”. Da análise da académica retira-se a ideia de que em Macau prevalece “uma representação feminina abaixo das médias globais e asiáticas” e, para esta conclusão, foram analisadas 95 interpelações escritas dos deputados na Assembleia Legislativa (AL) “relacionadas com os interesses das mulheres” entre os anos de 1999 e 2022, entre a primeira à sétima legislatura. Assim, “os resultados revelam que o número de deputadas permanece consistentemente num patamar relativamente baixo, mantendo-se em cinco desde 1999 até ao presente”. Segundo a autora do estudo, “embora se tenham registado flutuações ao longo desse período, com um máximo de sete e um mínimo de quatro deputadas, em termos gerais a evolução no número de deputadas tem sido muito limitada”. Salienta-se também que, com o aumento do número de assentos de deputados na AL (33), “a proporção de deputadas em relação ao total tem diminuído”, pelo que “em Macau, as mulheres que constituem metade da população não alcançam um ‘reflexo exacto’ no órgão legislativo”. Constata-se ainda que tem existido uma diminuição, nos últimos anos, da presença feminina no hemiciclo, ao contrário do que se verifica a nível regional e até mundial. “Constatámos que o número de mulheres em órgãos legislativos em muitas regiões está a aumentar, enquanto Macau está a experienciar uma tendência oposta. No caso da AL, o número de lugares ocupados por deputadas não é optimista. Em 1999, com 23 lugares, apenas 5 eram ocupados por mulheres, e quando o número de lugares aumentou para 33 lugares, em 2023, as mulheres continuaram a ocupar apenas 5 lugares.” “Este número pessimista lembra-nos a baixa percentagem de representação descritiva das mulheres no órgão legislativo de Macau, com os homens a ocupar consistentemente o papel predominante neste espaço político”, pode ler-se. Saúde e violência No que diz respeito às interpelações analisadas, abordam “temas como violência doméstica, crimes sexuais, saúde das mulheres e promoção da igualdade de género”, sendo que, “em termos quantitativos, as deputadas adoptam uma posição mais activa em relação a estas questões quando comparadas com os seus colegas do sexo masculino”. Das 95 interpelações, 61 foram apresentadas por deputadas e as restantes por deputados, o que mostram que são elas que “tomam mais acção para as mulheres”. É referido também na dissertação que “nas discussões de políticas, as deputadas abordam estas questões com uma perspectiva de género, destacando as situações específicas enfrentadas pelas mulheres em vários contextos”. É, assim, “mais provável que demonstrem a vida, as perspectivas e as necessidades das mulheres de uma forma específica e multidimensional”. Desta forma, a autora do trabalho académico entende que “são as deputadas que melhor representam os interesses das mulheres”. Em termos do volume de interpelações escritas com questões colocadas ao Governo, a autora conclui que “os deputados masculinos e as deputadas femininas empreendem acções para promover os interesses das mulheres”, mas persistem “nuances relevantes que apoiam a conclusão de que são as deputadas quem melhor representa os interesses das mulheres”. A maioria dos temas das interpelações sobre “questões femininas” incidem sobre “maternidade, violência doméstica, crimes sexuais, saúde das mulheres e promoção da igualdade de género”. Destes, “os três primeiros temas representam aproximadamente quatro quintos de todas as interpelações”. Para a autora, “esse foco reflete a preocupação dos deputados em garantir a protecção dos direitos das gestantes e das mães, bem como a prevenção e o combate à violência e aos crimes sexuais”. O facto de os deputados colocarem estas questões “reflecte uma relativa negligência em relação às questões de saúde das mulheres e promoção da igualdade de género”. Desta forma, verifica-se um “desequilíbrio na atenção dada a diferentes aspectos das questões das mulheres”, algo que se pode relacionar “com estereótipos de género comuns na sociedade”. Falta de perspectiva O estudo analisa também a forma como os temas relacionados com a vida das mulheres são tratados consoante o género dos deputados. Assim, refere-se que “o único campo que não apresenta diferenças significativas é o da violência doméstica”, pois “os deputados e deputadas concentram as suas interpelações em medidas práticas para mitigar os danos causados às vítimas de violência doméstica e contribuem para a formulação de leis para combater e prevenir a violência doméstica”. Porém, “no que diz respeito aos demais temas, as interpelações das deputadas revelam maior diversidade, abordando questões a partir de diversas perspectivas e enfatizando as necessidades e desafios das mulheres em contextos pertinentes”. Um dos exemplos apontados diz respeito às interpelações sobre crimes sexuais, onde “as deputadas salientam a situação das mulheres enquanto vítimas, destacam a existência oculta do assédio sexual e do assédio verbal no local de trabalho, assim como com a ausência de respeito pelas mulheres no discurso das redes sociais em resposta a casos de assédio sexual em espaços públicos”. As diferentes visões dos deputados consoante o género verificam-se no tema da relação da mulher com a maternidade e o mercado de trabalho. Neste caso, “os deputados sublinham a relação entre as mulheres e a reprodução, com foco na maternidade das mulheres”, enquanto “as deputadas destacam as pressões enfrentadas por grávidas no equilíbrio do trabalho e parentalidade, juntamente com as possíveis injustiças no ambiente de trabalho que podem surgir durante esse processo”. As deputadas são ainda “as únicas a demonstrar preocupação com os serviços médicos e a saúde das grávidas”. Mulheres como vítimas Outro tema que a autora procurou analisar foi a forma como as mulheres de Macau são representadas tendo em conta as questões colocadas pelos deputados nas interpelações escritas. Assim, “devido ao destaque conferido aos temas mais discutidos, como maternidade, violência doméstica e crimes sexuais, torna-se evidente que nas discussões de políticas na AL as mulheres são predominantemente associadas à identidade de mães e ao papel de grupos vulneráveis, tais como vítimas de violência doméstica e de crimes sexuais”. Neste contexto, “as mulheres são frequentemente retratadas como vítimas, que precisam de auxílio, geradoras da reprodução humana e mães trabalhadoras que necessitam de equilibrar a vida familiar e profissional”. Chan Wong Kuan diz ter encontrado apenas um exemplo de uma interpelação que encara as mulheres de outra perspectiva, “como tomadoras de decisões, desvinculadas de papéis maternos e laços familiares, representando-as como promotoras do desenvolvimento harmonioso e estável da sociedade”. A interpelação assinada por Iong Weng Ian, a 30 de Dezembro de 2005. Desta forma, a académica entende que “as mulheres são predominantemente retratadas como figuras associadas à maternidade e vulnerabilidade, com poucas representações de outras possibilidades”. “A diversidade das mulheres está negligenciada, uma vez que as declarações dos deputados enfatizam a vulnerabilidade e as necessidades das mulheres em contextos específicos, ao mesmo tempo que negligenciam a multiplicidade de papéis que as mulheres podem desempenhar. As mulheres não se limitam a ser apenas vítimas ou mães; elas também podem actuar como profissionais, líderes, participantes da comunidade, entre outros”, é referido. Assim, a dissertação diz mesmo que os deputados, ao “ignorar essa diversidade” podem contribuir para a “simplificação e perpetuação de estereótipos em relação ao papel das mulheres, o que pode afectar a atenção aos seus direitos integrais”. Destaque ainda para o facto de, em 95 interpelações, a autora ter encontrado apenas uma apresentada por um deputado cuja temática versava sobre a promoção da igualdade de género. Já a deputada Wong Kit Cheng é referida como o exemplo a seguir, pois não só foi “a deputada mais activa” como apresentou interpelações sobre todos os temas acima descritos relacionados com as mulheres. Assim, é destacado “o papel crucial desempenhado pela deputada Wong Kit Cheng como uma protagonista fundamental na promoção dos interesses das mulheres”.