Grande Plano ManchetePátio do Espinho | Um museu ao ar livre que acolheu católicos japoneses em fuga Andreia Sofia Silva - 11 Nov 2024 Esther Chan, vice-presidente da Associação de História Oral de Macau, deu ontem uma palestra sobre a história do Pátio do Espinho, situado atrás das Ruínas de São Paulo. A zona tem cerca de dez mil metros quadrados de área e uma história que se relaciona com a fuga de católicos do Japão e a antiga Igreja de São Paulo. Esther Chan participou na recolha de testemunhos orais de moradores do bairro Quem caminhar pelas ruas nas traseiras das Ruínas de São Paulo descobre, escondido atrás de umas pequenas muralhas, um pequeno bairro composto, na sua maioria, por habitações precárias. Este pequeno lugar perdido no tempo chama-se Pátio do Espinho e tem sido alvo do trabalho de pesquisa desenvolvido por Esther Chan, vice-presidente da Associação da História Oral de Macau. A responsável deu ontem uma palestra, em língua chinesa, intitulada “Memórias de 70 Anos – Pessoas e Acontecimentos no Pátio do Espinho”, tendo ainda protagonizado uma visita guiada ao local. A iniciativa, promovida pela Fundação Macau, visou “aprofundar o conhecimento do público sobre a cultura das aldeias muradas e os pátios de Macau”. Conversámos com Esther Chan a fim de perceber as origens deste bairro que está situado na zona tampão do Centro Histórico de Macau, protegido pela Lei do Património Cultural. O bairro constitui “a maior e última aldeia murada de Macau, cobrindo uma área de cerca de 10 mil metros quadrados”, estando dividido na zona alta e baixa pela Rua D. Belchior Carneiro, com “diversos estilos arquitectónicos, distintas características históricas e elementos espaciais”. Em termos históricos, o Pátio do Espinho tem “ligações estreitas com o Colégio de São Paulo”, a primeira universidade ocidental em Macau criada pelos jesuítas e que funcionou junto à Igreja de São Paulo, também conhecida por Igreja da Madre de Deus. Este complexo educacional e religioso, com estreitas ligações aos primórdios da presença portuguesa em Macau, remonta ao ano de 1565. Esther Chan destaca que “durante a dinastia Ming na China, o Japão era governado por Toyotomi Hideyoshi, que ordenou uma perseguição em larga escala aos católicos no Japão”. Foi aí que se deu a fuga para Macau e o estabelecimento na zona onde hoje se situa o Pátio do Espinho. A responsável destaca que “o velho muro agora situado na zona norte do Pátio do Espinho é parte do Colégio de São Paulo”. Mas de onde vem o nome pelo qual ficou conhecido este bairro? Segundo Esther Chan, que se baseia em obras já editadas em chinês, a designação terá sido dada pelas plantações de batatas feitas pelos japoneses no local. Contudo, tendo em conta o nome em chinês e o significado dos caracteres, a vice-presidente da associação considera que o nome “Pátio do Espinho” pode remeter para outra explicação, com eventuais ligações à fuga dos católicos. “Em primeiro lugar, o caracter chinês “茨” significa colmo; em japonês, “茨” significa espinho ou dificuldade; e ‘Thorn’ também significa ‘espinho’ em português. Tendo em conta as experiências difíceis dos japoneses católicos vividas na altura, penso que “茨林”, que significa ‘Floresta de Espinhos’, faria mais sentido ser descrita como uma situação de um ‘lugar onde se juntaram para sofrer em conjunto'”, explica. Um lugar de gerações Saídos os japoneses, foi a vez do Pátio do Espinho se tornar na casa de muitos membros da comunidade chinesa. Primeiro, com os refugiados no contexto da II Guerra Mundial, e depois na fase da chegada dos trabalhadores não-residentes. “No seu pico, o Pátio do Espinho teve cerca de dois mil moradores”, adiantou Esther Chan, que explica que os próprios materiais de construção são um reflexo da passagem do tempo. “Embora as estruturas habitacionais do Pátio do Espinho não tenham muita qualidade, apresentam alguma estética ligada à cultura popular. Podemos também perceber a passagem de diferentes épocas graças aos vários materiais de construção. Por exemplo, os primeiros edifícios da aldeia eram maioritariamente feitos de tijolo, mas depois, durante a necessidade urgente de habitação, apareceram muitas casas de lata.” Com a estabilidade económica dos moradores, começaram a surgir pequenos “edifícios de betão armado”. “A mistura perfeita de edifícios antigos e novos na aldeia forma uma paisagem única em Macau”, reflectindo a história do Pátio do Espinho que acompanhou “múltiplas gerações dos residentes de Macau”. Para a vice-presidente da associação que dinamiza a história de Macau, “quando entramos no Pátio do Espinho parece que regressamos aos anos 80, em que o tempo está parado num lugar”. “Apesar do pátio estar situado no ponto turístico mais movimentado de Macau, tal não perturba a sua tranquilidade. A anterior geração de moradores saiu gradualmente do Pátio do Espinho, mas os antigos residentes ainda guardam boas recordações deste sítio e, frequentemente, regressam à sua casa para se reunirem”, adiantou. Uma questão de protecção As estórias dos antigos moradores do Pátio do Espinho foram recolhidas pela Associação da História Oral de Macau, culminando com mais de 600 entrevistas divulgadas em várias publicações. Em 2021, a associação lançou um novo projecto de história oral sobre o lugar, registando as histórias de vida de 20 antigos moradores em 14 artigos. O resultado foi a publicação, em 2022, do livro “A História Oral do Pátio do Espinho”. Este trabalho, escrito em chinês, contou com a participação de Esther Chan. Questionada sobre a necessidade de preservação do património cultural inerente ao lugar, Esther Chan recorda que, nos últimos anos, os próprios moradores “têm protegido de forma activa a aldeia murada com acções de limpeza e restauro, preservando muitos objectos e relíquias preciosas”. Além disso, “os residentes do Pátio do Espinho também promovem este lugar de forma activa, na esperança de ali criar uma excelente comunidade cultural”. “Nos últimos dois anos testemunhei pessoalmente os esforços dos residentes, lançando várias actividades como a organização de festas do Festival do Bolo Lunar, workshops sobre ecologia, a realização de mercados de fim-de-semana ou convites a deputados para visitarem o local. Por isso, o Pátio do Espinho é como um museu comunitário que apresenta exposições históricas, em que os moradores mais velhos funcionam como docentes. Como residentes de Macau não podemos ignorar a existência deste lugar precioso”, referiu ainda a responsável, sem esquecer a importância do Templo de Na Tcha como um lugar adorado pelos que ainda ali vivem e por visitantes. Em Fevereiro do ano passado a necessidade de recuperação do Pátio do Espinho levou o deputado Ngan Iek Hang a interpelar o Governo sobre a matéria. O legislador recordou “a recente cerimónia de reabertura do poço antigo do Pátio do Espinho”, que também terá sido construído por católicos japoneses refugiados. Segundo Ngan Iek Hang, no Pátio do Espinho viveu a população chinesa “nos finais da dinastia Qing e período republicano”. “As árvores, casas e becos do Pátio albergam memórias da vida dos chineses de Macau, testemunhando a prosperidade e a decadência histórica de Macau, sendo, portanto, o seu valor histórico e cultural extremamente rico”, indicou o deputado da União Geral das Associações dos Moradores de Macau. O Instituto Cultural tem-se mostrado atento à preservação do bairro, tendo por exemplo realizado, há quatro anos, obras de restauro do muro de taipa na área do Pátio do Espinho. Além de colaborar com a Associação de História Oral de Macau, Esther Chan é autora do livro “I am Designing my Life”, e é formada em comunicação cultural e de artes visuais, bem como línguas estrangeiras.