Macau Visto de Hong Kong VozesRevogação da pena de morte David Chan - 5 Nov 2024 Na antiguidade, um criminoso só podia ser executado depois do Imperador o ordenar. O Imperador, enquanto “Filho Celestial”, administrava o seu povo em nome de Deus, incorporando o conceito tradicional do “direito divino dos monarcas.” Hoje em dia, esse conceito já não existe. Nos países que ainda aplicam a pena de morte, o poder de revogar a sentença de morte foi transferido para as autoridades judiciais e tem de ser exercido de acordo com o Código Penal. O procedimento jurídico japonês obedece ao sistema de “três níveis e três tentativas”. Depois de o Supremo Tribunal deliberar, o réu tem o direito de requer novo julgamento se a sentença lhe desagradar. O Artigo 420, parágrafo 1, do Código Penal japonês estipula que o pedido de novo julgamento deve por regra assentar na apresentação de novos factos e novas provas que possam vir a inocentar o réu ou a reduzir a sua pena. Recentemente, um prisioneiro japonês condenado à pena de morte consegui um novo julgamento ao fim de 48 anos e foi finalmente inocentado. Foi o prisioneiro que passou mais tempo com uma condenação à morte em todo o mundo. O seu nome é Hakama Tianyan e tem 88 anos. Em 1966, foi acusado de roubar e matar o dono de uma fábrica de miso e quatro pessoas da sua família. Nessa altura, Hakamada, um jogador de boxe profissional, foi preso porque tinha uma mão ferida e o pijama sujo de sangue. Nos 20 dias que se seguiram, foi interrogado pela polícia numa média de 12 horas por dia e finalmente confessou o crime. Além disso, mais de um ano após o incidente, a polícia encontrou cinco peças de roupa manchadas de sangue nos barris de miso que estavam dentro da fábrica, que foram usadas como provas materiais do caso. Em Setembro de 1968, o Tribunal do Distrito de Jinggang considerou Hakamada culpado e condenou-o à morte. Em 1981, o Supremo Tribunal do Japão confirmou a sentença de morte. Hakamada pediu repetidamente, desde 1981, um novo julgamento. Teve de esperar 23 anos até ser julgado de novo e, entretanto, ocorreram muitas peripécias. Como acima foi referido, no Parágrafo 1º do Art. 420 do Código Penal, a razão que justifica um novo julgamento é o surgimento de novas provas que possam inocentar o réu ou reduzir a sua pena. Por conseguinte, a defesa de Hakamada mergulhou peças de roupa sujas de sangue num barril de miso, comparou-as com as peças originais e apoiou-se nesta experiência para requer um novo julgamento. Além disso, para apresentar novos factos, a defesa solicitou o acesso aos ficheiros para examinar as provas apresentadas pela acusação. No entanto, vale a pena salientar que no sistema de acusação japonês, as provas que não são utilizadas no processo não constam dos ficheiros. Este método beneficia sem dúvida os advogados de acusação porque podem escolher as provas mais incriminadoras e sonegar as outras. Por outro lado, a defesa do réu, como não tem acesso a todas as provas, não pode escolher as que lhe são mais favoráveis. Depois de Hakamada submeter muitos pedidos, o delegado do ministério público permitiu finalmente que a defesa tivesse acesso a todas as provas. No passado dia 8 de Outubro, a acusação declarou que não iria recorrer da decisão do Tribunal e Hakamada tornou-se o quinto prisioneiro japonês do período pós-guerra a ser inocentado depois de um novo julgamento. Em contrapartida, o sistema de investigação criminal de Hong Kong é mais transparente. Quando a polícia de Hong Kong investiga casos criminais, as provas que encontra, quer venham ou não a constar dos processos, são entregues à defesa para serem analisadas. Este método assegura que a defesa pode usar todas as provas a favor do réu. Claro que, desta forma, a acusação vê reduzidas as suas possibilidades de ser bem-sucedida, mas, ao abrigo do direito consuetudinário, o réu só pode ser condenado “para além de qualquer dúvida razoável”. A polícia entrega todas as provas à defesa antes do julgamento para garantir que o réu não seja condenado sem que se estabeleça que é culpado “para além de qualquer dúvida razoável”. Este método reduz também a possibilidade de virem a ocorrer julgamentos injustos. A possibilidade do caso de Hakamada ter acontecido em Hong Kong é extremamente baixa. O caso de Hakamada foi sem dúvida para os japoneses condenados à pena de morte uma luz ao fundo do túnel, dando-lhes esperança que, através de novos julgamentos, possam vir um dia a ser exonerados e terem as penas comutadas. Mas também aumentou a pressão sobre os órgãos judiciais japoneses em relação a novos julgamentos. Tudo tem seus prós e contras. Os novos julgamentos dão esperança aos condenados à morte de verem as suas penas exoneradas ou reduzidas, mas é um processo frequentemente muito longo e difícil. Para os condenados à morte, a longa espera e a incerteza sobre a decisão que será tomada no novo julgamento são simultaneamente um raio de esperança e uma forma de tortura. Este processo vale a pena? Isso vai depender das escolhas e da atitude de cada um destes prisioneiros. Consultor Jurídico da Associação para a Promoção do Jazz em Macau Professor Associado da Escola de Ciências de Gestão da Universidade Politécnica de Macau Blog: http://blog.xuite.net/legalpublications/hkblog Email: legalpublicationsreaders@yahoo.com.hk