140 estivadores despedidos estão na miséria

Antes de mais, permitam que vos transmita uma declaração de interesse: tenho uma enorme consideração por todos os estivadores, porque durante uma fase da minha vida em que fiquei desempregado apenas encontrei trabalho como estivador. Foram dois amos duros e amargos vividos no cais de Alcântara, em Lisboa. Sei bem da dureza e sacrifício da referida profissão.

Posto isto, venho escrever sobre uma situação em Portugal do mais triste e degradante que ninguém imaginaria. Em 2020 foram despedidos 140 estivadores no porto de Lisboa. Passados quatro anos esses estivadores e as suas famílias encontram-se na miséria. Tiveram de vender as suas casas, os seus carros e as poupanças terminaram. Os seus filhos têm passado as maiores dificuldades e os que já tinham ingressado na universidade tiveram de abandonar os estudos por impossibilidade financeira de continuarem os estudos. Conversámos com um dos despedidos.

Os estivadores despedidos e os vossos familiares manifestaram-se em frente à Assembleia da República.

Qual o principal motivo?

Nós encontramo-nos numa situação de miséria a vivermos de um subsídio irrisório da Segurança Social e outros nem isso, depois de terem acabado de receber o subsídio de desemprego. Exigimos que o Governo tome uma posição junto das empresas que operam no porto de Lisboa e que nos despediram no sentido de sermos reintegrados. Essas empresas ganham milhões de euros e nunca compreendemos a razão do nosso despedimento. Numa democracia como a nossa nem queremos acreditar no que nos foi confidenciado no sentido de que fomos despedidos porque éramos comunistas que podíamos promover greves reivindicando melhores salários. Isto, é infame e custa a acreditar.

Mas vocês não tinham equacionado acções em tribunal contra essas empresas?

Sim, os nossos advogados entraram com acções em tribunal, mas a nossa justiça é idêntica a um caracol…

Vocês têm vivido, segundo, diz a imprensa, com as maiores dificuldades.

Exacto. O senhor nem faz ideia como temos vivido. Da esmola de amigos e de alguns familiares, aqueles em que a família os pode ajudar porque há outros que a família não pode. Eu tive de vender a minha casa, o carro e um terreno que tinha perto de São Pedro do Sul. Com o pagamento do aluguer de uma casita e o sustento dos três filhos o dinheiro já se foi quase todo e até já tenho o pagamento de dois meses da renda em atraso. Não sei mesmo, eu e os meus camaradas, como poderemos viver mais nesta situação. Sei de alguns que comem por dia apenas sopa.

E conseguiram alguma resposta do Governo?

A nossa delegação e o nosso advogado já mantiveram reuniões com um membro do Governo e o que lhes foi dito é que o nosso problema vai ser equacionado.

É triste que 140 famílias estejam há quatro anos a serem esquecidas e desprezadas depois de um despedimento injusto e incompreensível. Após o despedimento destes 140 trabalhadores houve empresas portuárias que tiveram a desfaçatez de contratar novos trabalhadores, uma prova de que a razão do despedimento não era falta de dinheiro por parte das empresas. Por exemplo, as empresas PORLIS e ETE Prime contrataram 28 novos trabalhadores que foram reforçar o efectivo do Porto de Lisboa. Segundo Diogo Marecos, administrador da Sotagus, uma das sete empresas de estiva do Porto de Lisboa, duas empresas de cedência de mão-de-obra às empresas de estiva já contrataram cerca de 30 trabalhadores. A ETE Prime já contratou oito trabalhadores e a PORLIS assinou contratos de trabalho com 20 e pretende contratar mais 20. A pergunta que se faz é sobre a razão efectiva dos 140 despedimentos se estão a contratar outros homens para a estiva em substituição dos despedidos. Com uma agravante: os novos contratados não possuem experiência teórica e prática no exercício da estiva e têm de receber formação por uma empresa certificada para o efeito no Terminal de Contentores de Santa Apolónia, em Lisboa.

Por seu lado, o Sindicato dos Estivadores e Actividade Logística (SEAL) tem contestado os despedimentos, que considera ilegais e defende que o processo de insolvência da empresa que despediu os trabalhadores nunca esteve concluído, ao contrário do que têm alegado as empresas de estiva do Porto de Lisboa.

Enfim, o que está em causa é a situação degradante de 140 famílias que vivem em condições deploráveis e desumanas sem terem qualquer luz ao fundo do túnel, restando-lhes a esperança que o Governo, caso o Orçamento de Estado seja aprovado e que não haja uma crise política que leve o país para eleições antecipadas, possa fazer alguma coisa em benefícios destas centenas de portugueses que levaram uma vida numa das profissões mais duras e complexas.

P.S. – Tal como escrevemos aqui em crónica anterior em primeira mão, o Partido Socialista decidiu abster-se e viabilizar o Orçamento do Estado.

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