Deuses da Água e do Solo

Na História da China aparecem como lendas e mitos duas grandes inundações no período de vida de Fuxi e da meia-irmã Nuwa, no início do terceiro milénio antes da nossa Era. A primeira criou um oceano e foi iniciada por uma imensa tempestade com chuvas torrenciais sem parar e uma súbita subida da água a não deixar terra à vista. Levados separadamente pela corrente, os dois meios-irmãos seriam os únicos a sobreviver desse grande dilúvio e daí ficarem considerados os pais da humanidade chinesa. A segunda grande cheia decorreu, em relato mitológico, da luta entre Gonggong (deus da Água) e Zhurong (deus do Fogo), saindo Gonggong derrotado e humilhado suicidou-se, atirando-se contra a Montanha Buzhou, quebrando um dos quatro pilares da abóbada Celeste. Um tal abalo abriu fendas na terra, de onde saíram torrentes de água a inundar as zonas baixas do mundo, precisando Nuwa de erguer uma enorme argamassa feita com a mistura de cinco seixos de diferentes cores para reparar os estragos do Céu, ficando desde então este inclinado para Noroeste.
No reinado de Zhuanxu, Taitai já trabalhava a regularizar os rios, com o Imperador Diku a promovê-lo a chefe do controlo das águas. Taitai chefiava a tribo Jintian (Jintian shi) em Shanxi, pois inicialmente ela vivia em Shandong e descendia de Shaohao [conhecido também por Jintian, ou Xuanxiao e segundo o Shu Jing – Livro da História, ou de Documentos, um dos Cinco Ancestrais Imperadores]. Shaohao (c.2597-2514 a.n.E.) era o filho mais velho de Leizu e Huangdi (Imperador Amarelo), sendo o seu irmão Changyi pai de Zhuanxu. Changyi nascera no ano 29 do reinado de Huangdi e no 77.º ano foi para Sichuan, casando-se com Changpu (Jingpu), do clã Shushan, e dessa relação nasceu o filho Gaoyang, conhecido depois por Zhuanxu, o segundo dos Cinco Ancestrais Imperadores. Bai Shouyi refere, em Shandong habitava a tribo Shaohao, com os chefes Xiu e Xi, e por serem especialistas no controlo de inundações colocaram os filhos e netos a realizar esse trabalho e assim se transformaram em Deuses da Água.
Na região de Shanxi, a tribo Jintian teve chefes como Mei e o filho Taitai, especialistas na construção de diques e no controlo das cheias dos rios. Conhecidos por geração Mei (昧), os dois foram oficiais da Água (Shuiguan, 水官), ficando Taitai (台骀) encarregue especificamente dos rios Fen (汾) e Tao (洮). Deslocando-se com muita gente para o ajudar, criou as bases onde instalou os trabalhadores enquanto dragavam o rio Fen (Fenshui), construindo uma represa a originar o lago Daze e assim, os habitantes da área de Taiyuan puderam ter uma vida mais estável, passando a designá-lo por Taisheng (deus Tai).
Zhuanxu ofereceu a Taitai a governação da área de Fenchuan (mais ou menos a actual província de Shanxi) onde existiam quatro reinos tribais: Shenguo (沈国), Yaoguo (姚国), Ruguo (蓐国), Huangguo (黄国), e em cada um deles realizou sacrifícios às quatro direcções. Daí Taitai ser o Deus do Fengshui e receber oferendas por parte desses quatro reinos governados pelos seus descendentes. As informações deste parágrafo provêem do livro (左传-昭公元年).
Durante o reinado dos dois últimos Ancestrais Imperadores, Yaodi e Shundi, a população sofria graves inundações e para resolver esse problema contrataram Gun, pai de Yu, que trabalhou em conjunto com a tribo de Gonggong. Sem conseguir resultados, foi Gun despedido por Yaodi e substituído no cargo pelo filho Yu. Yaodi registou esse período de inundações, ficando o relato transcrito no Livro de Documentos (Shu Jing).
No Norte de Henan encontrava-se a tribo Gonggong, com o chefe Houtu especialista nos trabalhos de controlo das águas, sendo a tribo a inventora do método da construção de diques para prevenir as cheias. Segundo o Clássico das Montanhas e Mares [Shanhai Jing – haineijing (山海经-海内经)] Gonggong (共工) é filho de Zhurong (祝融) e pai de Houtu (后土). No entanto, sofreram graves inundações quando alguns dos diques cederam e daí ter sido a tribo Gonggong banida por Shundi, mudando-a para a prefeitura You. Houtu tornara-se o Deus do Solo e a tribo mais tarde passou a representar o deus da Água. Os Gonggong viriam a ajudar Dayu no controlo das águas e depois usaram com bons resultados o método de Yu para evitar inundações.
Yu, o Grande, também considerado Deus do Solo, além de adquirir conhecimentos com o pai Gun, fez a aprendizagem enquanto andava por diferentes regiões a ajudar a resolver os constantes problemas. Estudou as características das águas, a topografia dos terrenos e assim abriu muitos canais para controlar as cheias, conseguindo desbloquear os leitos dos rios, ou alargando-os, e conduzi-los a um fácil desaguar.
Certa vez, Yu não estava a realizar bem o trabalho de levar as águas do rio Amarelo para o mar, pois mandara escavar o canal na direcção errada. Então Houtu, como rainha deusa da Terra fez o Mapa do Rio Amarelo (Hetu) e enviou um pássaro mensageiro com instruções específicas a Yu, dizendo-lhe dever o canal ser aberto para Leste, para permitir um correcto escoamento.
Dayu reunia-se na montanha de Kuaiji com os senhores da terra (da tribo dos Gonggong), que o ajudaram no controlo das inundações, para lhes entregar o prémio segundo o contributo dado.

YU O GRANDE

A uns cinco quilómetros do centro de Shaoxing, na província de Zhejiang, um complexo envolve a montanha Kuaiji, onde no cume uma enorme estátua de Dayu domina a cidade. Para aceder ao recinto paga-se um bilhete de 25 yuans e junto a um canal proveniente da cidade está a entrada do templo e mausoléu de Dayu, onde prestamos homenagem ao fundador da dinastia Xia.
Desde criança Yu tinha um pequeno tigre como companheiro com quem se deu pela vida fora e o protegia quando trabalhava sobre as ordens de Yaodi, acompanhando-o sempre e devido a ser grande, bravo e forte ajudava-o a guiar os outros animais e a vencer demónios.
Segundo a mitologia, Gun depois de morrer em Yushan transformou-se num Urso Amarelo e a sua alma tornou-se Huang Neng, a tartaruga de três patas, passando a viver na água. Numa noite, estava Yu sem soluções para domar as águas dos rios da montanha Huanyuan [a Sul da província de Anhui], quando viu surgir o espírito do pai na forma de urso amarelo e com a cabeça mover a montanha. [O totem do povo Qiang, antepassados de Yu, era o urso amarelo.]
Aos trinta anos Yu ainda não se tinha casado, andando atarefado no trabalho de controlar as águas dos rios turbulentos das montanhas de Tu (Tushan ou Dangtu em Anhui), quando foi visitado por uma raposa branca de nove caudas. Ao vê-la Yu pensou: “branca é a minha roupa e nove caudas significa vir a ser rei” e começou a cantar: “uma raposa branca com nove caudas apareceu ao meu lado. Como estaria contente com esta beleza para minha esposa. Quando marido e mulher trabalham juntos com um só coração, então a harmonia reina entre o Céu e o Ser Humano”. Ao acabar a canção a raposa transformou-se numa bela mulher e Yu com ela casou, chamando-lhe Nujiao. [No tempo de Wudi da dinastia Han do Oeste, a Rainha Mãe do Oeste era esposa do imperador Yu (o Imperador do Leste) e ambos presidiam à corte do Céu.]
Sima Qian refere, que pouco tempo Dayu passou com a esposa pois, logo após casarem, foi chamado para resolver inundações e durante mais de uma dezena de anos atarefado com o trabalho, por três ocasiões passou em frente a casa, mas aí não se deteve.
Devido à sua sabedoria, Yu em 2070 a.n.E. tornou-se rei e governou durante 45 anos, fundado a dinastia Xia, a primeira na China. Até aí, eram os Imperadores e chefes escolhidos pela inteligência na capacidade de resolver os piores problemas a afectar as populações e a conseguir evitar desastres.
Dando início ao período das dinastias, a dinastia Xia (2070-1554 a.n.E.) viveu no curso médio do rio Amarelo (Huang he) entre os afluentes Yishui e Luoshui e dava ao território o nome de Hua Xia. Próxima do Monte Song, entre os rios Wudu e Ying, a cidade Yangcheng foi construída por Yu e tornou-se a primeira capital da dinastia Xia, hoje a povoação de Gaocheng, em Dengfeng Henan.
Já rei, Da Yu tentava controlar as cheias do rio Longo (Changjiang, ou Yangzi) no lugar das Três Gargantas, quando da Garganta Wu começou a jorrar água. Da Yu não podendo cortar montanha dentro para controlar a inundação, realizou uma oração à deusa Yaoji, a viver em Wushan. Esta ordenou à vaca, uma das 28 constelações, para vir à Terra ajudar Da Yu e com os cornos furou a rocha, desviando assim as águas do monte de Wu(shan), conseguindo desobstruir a passagem ao rio.
O cavalo-dragão só é visto por um imperador sagaz e quando Da Yu encontrando-se em imensas dificuldades para controlar o rio Luo, afluente do Huanghe, viu emergir das águas uma tartaruga e na carapaça encontrou o Livro do Rio Luo (Luoshu) com a Teoria do materialismo dos Cinco Elementos a representar a Ordem do Universo Manifestado. Ao ler o Mapa do Rio, Da Yu entendeu-o e por fim conseguiu com sucesso estabilizar o rio Luo e controlar as águas do rio Amarelo.
Quando Dayu morreu foi sepultado na base da montanha de Kuaiji e sucedeu-lhe como segundo rei da dinastia o filho Qi, nascido de Nujiao. Iniciava-se o período das dinastias com sucessão de poder transmitido normalmente de pai para o mais velho dos filhos, perpetuando-se no trono a família reinante.
O Templo Ancestral de Yu foi construído durante a dinastia Liang (502-557), mas o local tinha sido já oferecido por o sexto rei da dinastia Xia, Shao Kang (Du Kang, 1943-1922 a.n.E.), aos descendentes de Yu, o clã Si do povo Qiang, que aqui viveram mesmo depois da dinastia ser substituída em 1600 a.n.E. por a Shang. O templo mausoléu é composto por diferentes partes: rodeado por um muro de quatro metros de altura, encontra-se dentro o pavilhão Memorial e a Porta Wu, estando a estátua de Yu no pátio central. Acima, o monte da sepultura marcado por um bei.
Partimos depois de visitar a ponte do Dragão, por onde as águas do canal correm, com embarque no bote a remos em frente ao Palácio de Yu, no parque do mausoléu, para navegar até ao centro da cidade de Shaoxing.

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