O Museu dos Corações Partidos

Em Zagreb, na Croácia, tive a oportunidade de visitar o “Museum of Broken Relationships”. A ideia é extraordinariamente simples: trata-se de uma exposição de vários objetos que estiveram de algum modo relacionados com o fim de relacionamentos. O nome sugere relacionamentos românticos, e de facto, a maioria das peças refere-se a eles. Mas não são os únicos retratados.

A ideia para este museu surgiu durante o processo de separação do seu criador. No momento da habitual divisão de bens, ele rapidamente percebeu como os objetos carregam memórias e apegos, e foi essa constatação que o inspirou. Foi assim que convidou várias pessoas a submeterem os seus objetos e histórias de separação, reunindo-os todos numa exposição. Quem entra no museu sem muito contexto sobre o que se passa ali, depara-se com uma sala cheia de objetos mundanos — alguns mais interessantes, outros mais bizarros. Só com as narrativas dos seus doadores é que estes objetos ganham uma forma emocional. É esse contexto que transforma o espaço num repositório de dores.

Chorei e ri-me. Também senti angústia. Quanto mais simples e curtas eram as histórias, mais profundamente se cravavam no coração. Aquele espaço tornou-se uma porta de entrada para as dores dos outros, reverberando nos seus visitantes. O simbolismo construído em torno de cada objeto concretizava-se na experiência do visitante, porque existia, real e simbolicamente, em todas as dimensões. Em alguns casos, percebi que doar o objeto do seu relacionamento poderia ser um ato catártico, um desfecho. Como se dissessem ao mundo: “Já não preciso de me agarrar à memória desta pessoa, aqui vos ofereço o nosso fim.” Algo que que muitos visitantes provavelmente quiseram fazer no passado. Alguns destes objetos eram do corpo, como as rastas que ele deixou para trás, ou o enxerto de pele que ele teve de fazer após um grave acidente. Ou as botas de mota da Maria, que, apesar de terem tido várias donas ao longo dos anos, à medida que as relações mudavam, nunca deixaram de ser as botas dela.

Outros objetos também eram mais criativos. Um marido, antes de se separar da sua mulher, pediu-lhe que lhe fizesse uma camisola em tricot. A indecisão era tanta que, a cada semana, mudava de ideias quanto à cor, ao modelo ou ao tipo de ponto. Quando se separaram, a camisola ainda não estava feita. Mas, como forma de resolução, a mulher terminou a camisola incorporando todos os pontos de indecisão. Com as amigas, criaram uma camisola irregular, monstruosa, feia, indecisa. Agora está em exposição em Zagreb, como um ato de despedida.

Também estava em exibição uma cassete, uma gravação caseira com a voz de um homem a falar japonês. O pai, que morreu pouco depois do filho nascer, deixou-lhe algumas gravações para que ele pudesse ouvir a sua voz. No entanto, a mãe agarrou-se de tal forma a esse vínculo que nunca as pôs a tocar, com medo de perder aquele momento outra vez. O filho quis fazer as pazes com essa história. Doou a cassete para que os visitantes pudessem ouvir a voz do homem que outrora existiu e que, de certa forma, ainda existe nos corações de quem sente a sua falta.

Dei por mim a recordar as minhas próprias histórias de despedida e os seus objetos. Alguns foram fáceis de abandonar, outros andaram comigo durante anos. É normal que os nossos afetos encontrem refúgio na materialidade do mundo. A sensação de abandono, a dor, o sofrimento ou a solidão encontram conforto nos objetos mais insignificantes, porque eles fizeram parte da história, vibraram com a energia do passado. Todas as emoções que tendemos a sentir sozinhos, que estão no cerne da sensação de perda e abandono, o museu mostra-nos que são, na verdade, emoções partilhadas. Ninguém está sozinho com o seu coração partido.

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