Parsifal

– O Verão no hemisfério norte faz-nos sonhar com nevoeiros, brumas bretãs e povos escondidos no verde-escuro das montanhas em ritos tão longínquos quanto encantados, faz-nos ir até às sombras de um tempo mítico, à ilha das Maçãs, sonhar com reis Pescadores e visitar Morgana; a saga brumosa ajuda a quebrar a intempestiva luz estival com hora marcada para festejos grotescos. E vamos até lá com nossos vestidos de vento e cotas de malha. Parsifal ou o romance do Graal é o «magum opus» de Chrétien de Troyes, trovador e pioneiro dos romances de cavalaria, e toda a sua obra é uma extensa narrativa do ciclo arturiano, a chamada Matéria da Bretanha que este poeta francês do século XII elabora em directa influência com a canção de gesta mas dando-lhe mais elegância na sua busca amorosa que vai desaguar no amor cortês. Ele inicia a narrativa do Graal numa elaboração amorosa até aí muito pouco exercitada.

– Parsifal está unido a uma profecia redentora anunciada pelo mago Merlim como alguém de pouco eficiente, belo, valente, e desconhecedor de realidades em seu redor, coabitando entre várias aventuras sem saber de suas causas e origens, mas com uma chave preciosa, a pureza, sendo por isso designado por cavaleiro sem mácula. O seu casual encontro com o rei-Pescador vai encaminhá-lo para a confirmação da profecia: ele escuta o chamamento de dois homens que estavam numa barca, ajudando-os na travessia vai até ao castelo onde as feridas do rei não saravam, e passa por rituais onde nada pergunta: parte para a corte de Artur com o propósito de voltar ao castelo de Corbenic para indagar finalmente a estranha maravilha daquela vez – muitos procuraram- ele não o fez, e foi então o único que viu o Cálice do Graal. Só perguntando a origem da ferida o rei seria curado, e neste Ciclo Arturiano, ele era aquele que vira o Cálice, e na metáfora do cristianismo o vemos aparecer ainda como um Cristo e seus apóstolos pescadores, que no relatar da narrativa inacabada de Chrétien de Troyes lembrará num memorável trocadilho «pêcher/ pécheur».

– É claro que antes do mito cristão pelas terras enevoadas da Bretanha todas estas personagens já se tinham feito sentir, estamos em pleno reino celta onde as vozes da floresta nos indicam que os desertos, embora mais sublimes, são incapazes de esconder os injustiçados e não narram vegetais palavras que ninguém entende, tal como nunca se entenderá as setenta e duas designações do nome de Deus, porém, há sombras frescas para esconder os que fogem das perseguições do chumbo, que o lugar onde Merlin desenhou um círculo era apenas um outro pedaço de terra que também recebia sol. Se Morgana é emblemática, Madalena não o foi menos, uma e outra integram a consciência sempre um pouco turva do herói, Perceval era filho de Sir Lancelote, morto em combate com o seu irmão, e só quando conhece a realidade dos factos é capaz de ser encaminhado para escutar as feridas de todos que o porão na via de uma descoberta e da razão do porquê das coisas serem feitas. Parsifal era o menos ardiloso dos cavaleiros, talvez por isso tivesse a componente que seria indispensável para encontrar o que todos procuravam.

– Parsifal é um curandeiro, dito assim, parece mais um mago em busca de uma panaceia, mas todo o seu encanto reside numa certa inocência, em termos de similitude ele será o anti-herói dos nossos tempos, um desconhecido de nós mesmos, aquele alguém onde todos falhamos por excesso de zelo. Porém, ele ergue-se pelos tempos fora, convocam-no, inspira, e Wagner, que até pode ter sido uma má pessoa, mas (fundamental) um grande artista, vai buscá-lo para nos deslumbrar de beleza que afinal esta nossa humanidade transporta. É inspirado o drama musical num poema de Wolfram von Eschenbach. Foi a sua última obra, como Oscar Wilde no De Profundis. São os cenários redentores.

(E quando nas Olimpíadas aparece a barca de fogo sobre as águas com aquela voz cristalina em «Imagine» todos ainda julgáramos ver o rei Artur na sua última morada)

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