Eduardo Loureiro, advogado, sobre sector da aviação civil: “No início, o monopólio fez sentido”

O advogado Eduardo Loureiro foi o orador numa palestra sobre aviação civil de Macau, promovida esta semana pela Câmara de Comércio França-Macau. Em entrevista ao HM, defende que as licenças, no processo de liberalização do mercado, poderão ser de 10 anos e que a aprovação da lei não deve ser demorada sob pena de ficar desactualizada

 

A proposta de lei sobre a aviação civil está em análise na especialidade na Assembleia Legislativa. Há muito que o Governo pretende liberalizar o mercado. A demora deste processo tem prejudicado o mercado?

Não. Todas as liberalizações que aconteceram em vários países demoraram até mais tempo. É preciso ver que Macau é um mercado muito pequeno, tem uma situação delicada pois tem um aeroporto em competição com, pelo menos, cinco na vizinhança, e todos eles internacionais. No Japão, nos anos 50, houve um processo de liberalização que demorou algum tempo, e foram apenas permitidas três empresas. Houve o cuidado de estabelecer rotas e tarifas. O mercado de Macau não está a ser afectado [por esta espera] porque várias empresas vêm para o território. A proposta de lei tem de passar ainda pela fase da especialidade e aí pode haver muitas mudanças. Deram mais três anos de concessão à Air Macau e, pelo que li, nas notícias penso que se quis ver qual era o prazo para as futuras licenças. Actualmente é de 25 anos, e não sei se se pretende criar um prazo que seja parecido com o sector do jogo, que na nova versão legislativa é de 10 anos. Foram apenas três anos [de extensão da concessão à Air Macau], o que dá tempo para uma adaptação para que novas empresas se possam preparar caso queiram vir para Macau. Depois haverá a distribuição das licenças por concurso, embora também esteja prevista a figura do ajuste directo, mas penso que será aberto concurso. Terá então de ser analisado quantas licenças comporta o mercado.

E quantas pode comportar? Tendo em conta que o sector do jogo tem seis licenças, o mercado de aviação suporta mais ou menos?

Depende das rotas que essas empresas vão comprar, digamos assim. Pode-se dizer que o mercado está saturado porque as pessoas podem apanhar um avião através de Hong Kong. Mas há aeroportos que servem cidades de nível 1, em termos populacionais. Todas as que estão logo abaixo, de nível 2, não estão servidas directamente por um aeroporto. Muitas vezes esse mercado pode ser lucrativo para várias empresas, que em vez de concorrerem numa rota de Hong Kong para Londres, por exemplo, vão de Hong Kong para Manchester. Servem cidades que surgem logo a seguir em termos de fluxo de passageiros e de carga. É difícil dizer quantas empresas vão entrar no mercado. Algumas simplesmente vão aparecer porque outras decidiram entrar.

Há essa influência.

Sim, muitas empresas funcionam assim. Apostam num mercado depois de terem conhecimento que empresas concorrentes vão entrar. Não sabem o que é o mercado nem o que vai existir nele, mas olham para a empresa concorrente e pensam que deve haver alguma coisa de atractivo para ela fazer essa aposta, e tomam essa decisão. Fazem-se estudos de mercado sobre a população que existe perto de determinado aeroporto, analisa-se as principais actividades económicas e o fluxo de pessoas por aeroporto, e aí analisa-se a possibilidade de atrair uma parte desse fluxo. Tudo isto está ligado ao número de licenças a atribuir. O Governo [de Macau] pode fazer uma auscultação para tentar perceber quantas empresas estariam realmente interessadas e depois então determinar um número de licenças que dê para comportar. Ou então, pura e simplesmente, decide atribuir três ou seis, ou até cinco mais discricionariamente. Pode ser usado qualquer método.

Falando do período de atribuição das licenças. É melhor ser de 10 anos, ou de 25 anos?

Pode ser de 10 anos porque normalmente as previsões das empresas são feitas a cada cinco anos. Isso corresponde a dois períodos, uma década. As empresas querem sempre saber se querem utilizar um aeroporto como destino de passageiros ou onde possam recolhê-los e viajar para outros lados. Não vejo qualquer problema que se atribuam licenças de 10 anos porque nesta área há um grande desenvolvimento tecnológico e pode mesmo ser necessário reduzir os prazos das licenças. Está a decorrer uma grande transformação em todo o sector do transporte aéreo internacional e há novos tipos de equipamento aéreo mais rápido, mais ecológico e que permitem ligar cidades ou pontos mais pequenos. O tráfego, em vez de se fazer por terra, faz-se por ar. Isso vai acontecer, porque as pessoas saem dos carros e passam a deslocar-se no ar.

Há o potencial de Macau vir a ter o transporte por helicóptero mais desenvolvido, à semelhança do que acontece em São Paulo, por exemplo, nas deslocações para territórios vizinhos?

Sim. Aí a própria noção de aeroporto também se modifica, porque um aeroporto tem pistas de aterragem, e com as novas tecnologias que estão a ser desenvolvidas, com os chamados aparelhos de descolagem vertical, deixa-se de ser necessário construir aeroportos ou equipamentos tão grandes. Neste momento, há um número reduzido de pessoas que viaja de helicóptero, e até carga, mas no futuro pode haver mudanças. Com uma descolagem vertical não é necessário ter uma pista de aterragem. Esse é o resultado da ligação da tecnologia ligada ao espaço e ao ar. Os aviões, para terem mais velocidade, vão subir mais alto do que sobem agora, e falamos de velocidades vertiginosas, maiores do que aquelas que existem agora. O normal actualmente é de cerca de 900 quilómetros por hora, e pode ultrapassar três a cinco vezes mais essa velocidade, e essa tecnologia já existe. Mas não existem ainda os acordos necessários para isto se efectivar e ser aceite.

Tantos anos de monopólio da Air Macau tiveram impacto negativo no mercado local?

Não, porque este monopólio coincidiu com a entrada em funcionamento do aeroporto. Para se criar uma indústria é necessário haver um certo nível de protecção, porque o mercado de Macau é mais pequeno e está em competição com outros, e essa foi a solução de momento. É claro que agora já se pode avançar para um outro nível. Mas, no início, o monopólio fez sentido. Caso contrário era quase impossível existir uma companhia de bandeira de Macau, pois imediatamente teria o mercado tomado por outras empresas de fora ou uma extensão de outra empresa com base nos aeroportos que estão à volta. O monopólio foi a solução encontrada para criar rotas e trazer passageiros. Corria-se o risco de o aeroporto não ter, sequer, movimento.

Foi preciso criar mercado.

Sim. Neste caso pretendia-se trazer um novo tipo de actividade económica para Macau e nem todos os territórios deste tipo têm isso. Há territórios demasiado pequenos para terem aeroporto, como é o caso do Mónaco, que recorre ao aeroporto de Nice. Gibraltar tem um aeroporto que está no meio de uma estrada, que funciona como estrada e pista de aterragem.

Neste processo de liberalização haverá maior interesse de empresas chinesas ou do sudeste asiático?

As empresas chinesas têm já muitas ligações com Macau, mas poderá haver uma ou outra que tenha interesse em estabelecer-se no território, por incentivos fiscais ou através da criação de outras rotas. A novidade vai ser empresas que venham de mais longe, talvez do Médio Oriente, que podem fazer voos entre o Ocidente e o Extremo Oriente, aterrando em cidades que ainda não estão servidas de rotas directas. Esta será a primeira internacionalização que prevejo. Depois poderá haver ligações directas para a América do Norte e depois para a América do Sul, em que não há nenhuma ligação. Tendo em conta os fluxos de comércio que já existem, faz sentido existirem essas conexões.

Do que conhecemos da proposta de lei que está na Assembleia Legislativa, considera que tem um conteúdo inovador e equilibrado?

É bastante extensa, inovadora onde pode ser. A aviação civil é uma área em que a inovação é muito rápida e em termos legislativos não se consegue estar completamente ao mesmo nível. Na área dos drones, por exemplo, há um desenvolvimento muito maior do que a possibilidade de se legislar sobre o assunto. É uma proposta de lei que abrange mais áreas, que estabelece alguns princípios a fim de evitar conflitos de interesses entre a Administração, que faz a supervisão, e possíveis empresas que estejam em contacto com a realidade da aviação. A proposta de lei cobre uma série de áreas e está bem integrada com os tratados e acordos multilaterais que estão em vigor. É bastante mais extensa e melhor do que a anterior. Se demorarem muito tempo na análise na especialidade a proposta de lei entra rapidamente em desactualização, porque é assim nesta área. Não se pode demorar muito tempo, se não há o risco de ficar desactualizada antes de ser publicada. Mas tenho a dizer que há um aumento previsto do mercado de aviação, tendo em conta alguns estudos que vi da Airbus e Boeing, e outras, são todos coincidentes a concluir o aumento do tráfego aéreo, há essa expectativa. Sei que é mais de 10 por cento por ano, e isso sustenta a liberalização do mercado, só esse factor. Mas a própria liberalização traz um aumento de mercado, porque as pessoas quando têm mais possibilidades vão experimentar. Há necessidades de transporte de pessoas e de carga que neste momento demoram mais tempo porque têm de usar outros pontos. Se houver uma concentração em Macau, isso pode ser concorrencial. Macau pode ser mesmo concorrencial se utilizar mecanismos, e estão previstos alguns, de incentivos fiscais, custos mais baixos e um bom sistema de escoamento de carga e pessoas. Em Macau aplicam-se todos os tratados internacionais à excepção de um, e em Hong Kong a mesma coisa. Trata-se de um acordo que só se aplica no Interior da China, que é a Convenção da Cidade do Cabo, sobre o que se pode fazer em caso de insolvência das empresas de aviação para poder recuperar os aviões que ficam parados. Portanto, em matéria de tratados internacionais não existe qualquer problema, nem no facto de a legislação ter demorado cerca de 20 anos a ser revista. Houve países em que se demorou mais tempo.

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