Ondas de calor, sensação térmica e “wind chill”

É sabido que uma das consequências das alterações climáticas consiste no aumento da intensidade e frequência de ondas de calor, as quais são uma das principais causas de morte relacionadas com condições meteorológicas extremas. Por exemplo, um estudo1 referente ao período 1959–2013, mostrou que em algumas regiões da China as ondas de calor têm tido maior frequência e duração desde 1990. No caso particular de Macau, também se observa um aumento significativo na sua frequência, embora não se tenham detetado tendências positivas significativas na intensidade e duração, de acordo com um estudo elaborado por meteorologistas da Direção os Serviços Meteorológicos e Geofísicos de Macau2.

Também em Portugal, nas últimas três décadas, a tendência é de aumento da sua frequência. Apesar da ocorrência ser mais provável no verão, podem acontecer em qualquer estação, como se verificou este ano, em janeiro, no norte e centro do país.

O conceito de onda de calor é definido por critérios diferentes conforme as caraterísticas climáticas dos países. No caso de Portugal, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), considera-se que ocorre uma onda de calor quando num intervalo de pelo menos seis dias consecutivos, a temperatura máxima diária é superior em 5 °C ao valor médio diário no período de referência.

De acordo com o Programa de Observação da Terra da União Europeia, 23 de julho de 2024 foi o dia mais quente desde 1940. O valor da temperatura média à escala global atingiu 17,16 °C3, ultrapassando o recorde anterior de 17,08 °C. Este facto serviu de base para mais um alerta do Secretário-Geral das Nações Unidas, que voltou a alertar para a ameaça crescente ao nosso bem-estar socioeconómico e ambiental. Segundo António Guterres, “… a Terra está a tornar-se mais quente e mais perigosa para todos, em todo o lado”, acrescentando “… milhares de milhões de pessoas enfrentam uma epidemia de calor extremo – definhando sob ondas de calor cada vez mais mortíferas, com temperaturas que ultrapassam os 50 graus Celsius…”.

Segundo um estudo4 divulgado na véspera do Dia Nacional da Conservação da Natureza (28 de julho), as consequências das alterações climáticas podem causar até 14,5 milhões de vítimas mortais até 2050, sendo atribuídas às ondas de calor 1,6 milhões.

Este texto vem a propósito da onda de calor que ocorreu recentemente no Dubai, em julho de 2024. De acordo com notícias divulgadas pelos meios de comunicação social, a sensação térmica neste Emirado atingiu cerca de 62 °C em 17 de julho. Na realidade, os termómetros não registaram mais do que 43 °C, mas o facto de valores altos de vários parâmetros meteorológicos se terem conjugado fez com que a sensação térmica fosse exageradamente alta.

Embora a sensação de calor não seja igual em todos os seres humanos, convencionou-se adotar um índice, designado por sensação térmica, para traduzir o grau de desconforto. Trata-se de uma temperatura aparente, que depende não só de fatores meteorológicos, mas também das características pessoais como, por exemplo, idade, índice de massa corporal, sedentarismo e hábitos alimentares. Uma pessoa com sobrepeso tem tendência a ser mais incomodada com o calor do que alguém com o peso ideal. É evidente que as fórmulas, com base nas quais se calcula a sensação térmica, não podem entrar em linha de conta com estes fatores. As mais utilizadas, para temperaturas altas, limitam-se a considerar a temperatura do ar e a humidade relativa.

Quando o ar é relativamente seco, o suor resultante da transpiração evapora facilmente. Para esse efeito o nosso corpo cede calor, o que provoca a sensação de frescura, o que já não acontece quando a humidade relativa é alta. Vejamos um exemplo extraído da tabela5 usada pelo Serviço Meteorológico Nacional dos Estados Unidos da América: à mesma temperatura de 30 °C, fazendo corresponder a humidade relativa de 40%, 50% e 90%, correspondem, respetivamente, sensações térmicas de 29 °C, 31 °C e 41 °C.

Ainda segundo esta tabela, são as seguintes as relações entre sensação térmica para diferentes intervalos de temperatura aparente e as consequências possíveis:

SENSAÇÃO TÉRMICA

CUIDADOS E CONSEQUÊNCIAS POSSÍVEIS

Mais de 54 °C

Perigo extremo: insolação iminente

41-54 °C

Perigo: provável insolação, cólicas musculares e/ou exaustão pelo calor com exposição prolongada e/ou atividade física.

32-41 °C

Cuidado extremo: possível insolação, cólicas musculares e/ou exaustão pelo calor com exposição prolongada e/ou atividade física.

27-32 °C

Cuidado: possível fatiga com exposição prolongada e/ou atividade física.

Embora as tabelas para situações caracterizadas por temperaturas altas não entrem em consideração, em geral, com a velocidade do vento, este parâmetro tem também influência na sensação térmica. Os motociclistas conhecem bem este fenómeno, pois sentem um acréscimo da sensação térmica à medida que a velocidade do motociclo aumenta, em situações de grande calor.

Nos dias frios o fator mais determinante para a sensação térmica, além da temperatura, é a velocidade do vento. Por esta razão as tabelas para o cálculo da sensação térmica não entram em consideração, em geral, com a humidade relativa. Nos países de língua inglesa a sensação térmica é designada por “wind chill”. Por exemplo, à temperatura de -5 °C e vento de 40 km/h corresponde o valor de “wind chill” de -14  °C, conforme a tabela adotada pelo Serviço Meteorológico do Canadá.

Em situações de temperaturas baixas, embora a velocidade do vento seja o fator mais decisivo, a humidade relativa também tem importância para a sensação térmica. O frio é mais suportável quando o ar é seco. Por exemplo, uma situação meteorológica caracterizada por 7 °C em Lisboa é mais suportável do que a mesma temperatura em Macau, onde, em geral, o ar é muito mais húmido.

*Meteorologista

Referências:

“Heat Waves in China: Definitions, Leading Patterns, and Connections to Large-Scale Atmospheric Circulation and SSTs” (by Pinya Wang, Jianping Tang, Xuguang Sun, Shuyu Wang, Jian Wu, Xinning Dong, Juan Fang).

“Extreme rainfall and summer heat waves in Macau based on statistical theory of extreme

Values” (by Weiwen Wang, Wen Zhou, Soi Kun Fong, Ka Cheng Leong, Iu Man Tang, Sau Wa Chang, Weng Kun Leong).

Note-se que se trata da temperatura média diária e não da temperatura máxima diária. No que se refere a esta, o recorde mundial é de 56,7 °C, em 10 de julho de 1913 em Furnace Creek, Greenland Ranch (próximo do Death Valley, Estados Unidos da América), à altitude de 54 m abaixo do nível do mar.

“Avaliação do impacto das alterações climáticas na saúde humana” – estudo elaborado pela empresa de consultoria OIiver Wyman, em colaboração com o Fórum Económico Mundial (FEM).

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