Tragédia no mar

Durante muitos anos a minha família passou as férias de Verão nas praias entre Vieira de Leiria e São Pedro de Moel. Conheço bem aquele mar e os habitantes de todos os locais plantados à beira-mar naquela região. Gente simples, pobre, dedicada à sua paixão: a pesca. Desde a Figueira da Foz até à Marinha Grande são centenas de pescadores, homens de barba rija e de mãos que parecem ter nascido já inchadas.

Uma profissão de risco elevado. Ao longo dos anos têm morrido no mar dezenas de pescadores. A sua vida é dura porque são o sustento da família. Por vezes, com a mulher incapacitada para o trabalho e com vários filhos para criar. A vida da pesca é algo assustador, especialmente quando o mar lhe dá para o torto e de ondas de dois e três metros passa para uma altura de oito e dez metros. Se acompanhado de ventania tempestuosa a faina pode ser uma tragédia e o naufrágio é inevitável. Não foi o que aconteceu desta vez.

Entre Vieira de Leiria e São Pedro de Moel com o mar brando, as traineiras saíram para a pesca da sardinha e não longe do areal, a cerca de duas milhas apenas. Sem qualquer explicação até agora, uma das traineiras virou-se e morreram seis pescadores. Salvaram-se 11.

A tragédia no mar foi estonteante, assombrosa e as famílias ficaram à beira de um ataque cardíaco. Três pescadores estiveram uma semana desaparecidos e as forças de socorro por ar, mar e terra não pararam um dia de procurar os corpos.

Uma equipa de nadadores-mergulhadores merece a nossa condecoração porque mergulharam constantemente durante uma semana, por vezes, com o mar a não permitir o mergulho. Andaram a vasculhar a traineira afundada de ponta a ponta e as notícias eram sempre negativas até que o comandante marítimo transmitiu aos jornalistas que os mergulhadores conseguiram entrar na parte mais difícil do barco e encontraram os três corpos. As famílias enlutadas, na profunda tristeza, respiraram de alívio porque já poderiam realizar o luto e os respectivos funerais.

Aqui é que está o problema: nas famílias. Podemos informar que as seis viúvas com os seus filhos estão na miséria, porque os maridos pescadores eram o sustento do agregado familiar. Ficaram sem qualquer pecúlio e não se vislumbrou qualquer apoio oficial por parte das mais diversas instituições no sentido de ouvirmos que essas viúvas e os seus filhos iriam ter apoio pecuniário das Câmaras Municipais de Leiria, Figueira da Foz ou Marinha Grande; do Governo; da Segurança Social; de uma qualquer Santa Casa de Misericórdia; da Igreja Católica, de ninguém.

Isto, não pode acontecer. Não é humano, não é justo. O sacrifício que os pescadores fazem para que nunca falte peixe nas mesas dos portugueses há muito que devia existir um departamento governamental para apoio a casos semelhantes. A tragédia no mar espalhou-se às residências de quem perdeu os seus maridos e pais. Desta feita, foram seis, mas muitos pescadores já morreram e as suas famílias ficaram à míngua dos amigos e vizinhos.

Uma situação grave e que tem de merecer a atenção das autoridades. Não basta a Presidência da República emitir um comunicado de condolências à semelhança do Gabinete do primeiro-ministro. As condolências de Lisboa não dão de comer e vestir aquela gente que ficou na miséria. Haja uma decisão rápida e contundente por parte das autoridades em apoio a estas famílias que choram vinte e quatro horas sobre vinte e quatro.

Os pescadores têm uma profissão arriscada, certo. Vão para o mar sem saber se regressam, certo. Algumas traineiras estão velhas e não têm manutenção eficaz, certo. A maioria dos armadores apenas se preocupa com o lucro da venda do peixe, certo. No entanto, os pecadores usufruem de um rendimento mínimo e ainda são eles que tratam do arranjo das redes piscatórias. Mas, os pescadores também merecem uma reprimenda: vão para o mar e não colocam os coletes de salvação. Desculpam-se que os coletes lhes dificultam os movimentos durante a faina. Não pode ser desculpa, porque primeiramente têm de pensar na sua sobrevivência e na família que deixaram em terra.

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