Bruno Carnide, realizador: “O meu cinema não é tão convencional”

Nomeado duas vezes para os prémios Sophia da Academia Portuguesa de Cinema, Bruno Carnide conta já com um importante percurso na indústria cinematográfica portuguesa. Pela primeira vez em Macau, o realizador traz “Memórias de Uma Casa Vazia” para a primeira edição do festival de curtas-metragens organizado pelo Governo e Galaxy, exibido novamente amanhã. Bruno Carnide revela um pouco mais de um filme em torno de memórias familiares e as suas diferentes visões

 

Apresenta na primeira edição do Festival Internacional de Curtas-metragens de Macau a curta “Memórias de Uma Casa Vazia”, o seu mais recente filme. Fale-me deste projecto.

Esta é uma curta-metragem de 2023 que estreou em Setembro na Albânia, no festival de cinema de Tirana, onde ganhou uma menção honrosa, depois passou por Bilbao num festival bastante importante. Curiosamente ainda não teve a oportunidade de ser estreada em Portugal, mas esperamos que no decorrer de 2024 ela possa estrear no seu país de origem. “Memórias de Uma Casa Vazia” fala, no fundo, de memórias, sendo um pouco uma abordagem à ideia de que as mesmas coisas vividas por diferentes pessoas ganham perspectivas diferentes, e também importâncias diferentes. Baseio-me numas cartas escritas por uma mãe de família que abordam a relação com a filha e com o pai dela. [O filme aborda] a descoberta destas cartas, estas memórias de uma família.

Inspirou-se de facto em cartas escritas, ou quis simplesmente trabalhar o conceito de memórias?

Estas são cartas fictícias. Há alguns anos, quase desde o início do meu percurso, que me debruço bastante nesta temática familiar de pai, mãe e filha. Sendo este um filme completamente independente a nível narrativo, e também a outros níveis, ele acaba por ser o último filme de uma trilogia que tenho vindo a fazer. O primeiro filme retrata o ponto de vista do pai em relação à família, o segundo filme é o ponto de vista da filha em relação à família e este aborda o ponto de vista da mãe. Mas são filmes separados uns dos outros, não precisamos de ver os três para os entender, pois trabalham bem sozinhos. É uma temática que quis abordar, pois a relação familiar, que idealmente pensamos como um sonho ou algo pacífico, quase harmonioso, mas, de repente, por mil e uma razões, esta harmonia pode quebrar-se de forma bastante violenta, e isso é retratado no filme.

O Bruno tem alguma visibilidade no cinema feito em Portugal. Como olha para o percurso que tem traçado até aqui?

Claramente orgulho-me no que tenho feito. Curiosamente o meu trabalho já esteve presente em Macau há cerca de dois anos com uma curta-metragem de animação, “O Voo das Mantas”. Fico bastante satisfeito. Tento fazer o que me apetece, mas sempre com as condicionantes face ao que me é permitido fazer. Vou trabalhando com aquilo que posso. O meu cinema não é tão convencional no sentido clássico, como estamos mais habituados, onde podemos ter os actores que nos contam as histórias e trabalham para a câmara. Nesse sentido, os meus filmes poderão ser mais experimentais ou diferentes, digamos assim. Fico satisfeito porque, apesar de mostrar uma linguagem que não é tão comum, o cinema que tenho feito tem tido uma aceitação constante.

Até que ponto este “Memórias de Uma Casa Vazia” constitui uma mudança ou evolução como realizador?

Sinto que a cada filme que faço há sempre alguma coisa em que sinto que amadureci e que acabei por incluir de alguma maneira. Neste filme sinto que talvez tenha conseguido, finalmente, amadurecer o ritmo em que a história é contada. Cada filme é um filme, não quero falar menos bem dos meus filmes anteriores, mas sinto que este é, talvez, um filme menos apressado, onde não tive tanta pressa de contar a história ao espectador, ela é contada no seu próprio ritmo. Isso foi uma coisa muito boa que consegui construir.

Que expectativas deposita nesta edição do festival? Acredita que pode dar uma maior visibilidade ao seu trabalho na Ásia, por exemplo?

Estou expectante, porque este festival está a arrancar com um grande apoio a nível organizacional por parte do Governo e isso é muito bom, porque se consegue juntar os realizadores e outras pessoas da área e isso é desde logo um ponto a favor para esta primeira edição. Parece-me também que juntar todas estas pessoas traz muita credibilidade ao festival, pois arranca já com uma grande expectativa.

Como olha para o cinema feito em Macau, ainda de pequena dimensão face ao mercado de Hong Kong, por exemplo?

Confesso que não estou familiarizado com o cinema que se faz em Macau, mas vou aproveitar esta viagem para o fazer. Fiz questão de estar presente e de estar uma semana para conhecer o máximo de pessoas possível e estabelecer contactos. Quero começar a perceber como funciona a indústria, se há ou não oportunidades.

Já está a pensar em algum projecto novo, ou está ainda focado na promoção desta curta?

De momento sim, mas já estou a desenvolver algumas experiências ao nível da inteligência artificial para cinema, mas no sentido exploratório, de tentar perceber o que é que esta área pode fazer pela indústria do cinema, no sentido de poder vir a facilitar algum tipo de processos. Mas estou muito focado na promoção deste filme, que tem a particularidade de ser filmado em película analógica Super 8. Acaba até por ser um pouco um contrassenso eu andar a pesquisar sobre inteligência artificial e, ao mesmo tempo, andar a promover este filme feito de uma forma ainda muito tradicional, com película analógica.

A inteligência artificial pode trazer mais benefícios do que riscos, ou o contrário?

Se nos focarmos naquilo que é inteligência artificial exclusivamente para cinema, e na ajuda do processo de criação artística, acredito que seja uma mais-valia para acelerar alguns processos, ou algumas coisas de pós-produção que até são um pouco aborrecidas de fazer. Se olharmos para a inteligência artificial de uma forma mais geral, é um tema preocupante e assustador, porque não sabemos até onde pode ir. É um misto de emoções e pensamentos, mas, ao mesmo tempo, não podemos ficar na ignorância.

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