VozesRECORDES METEOROLÓGICOS Olavo Rasquinho - 7 Mar 20247 Mar 2024 Perante notícias por vezes difundidas pelos meios de comunicação social, relativas a recordes meteorológicos, é conveniente esclarecer que os valores divulgados nem sempre correspondem à realidade. Para que seja estabelecido um determinado recorde é necessário que o parâmetro correspondente seja medido em estações meteorológicas em que os instrumentos estejam devidamente calibrados. Para que tal aconteça, os instrumentos e a sua instalação deverão obedecer a normas específicas estabelecidas pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), agência especializada das Nações Unidas nas áreas da Meteorologia, Climatologia, Hidrologia e assuntos ambientais relacionados. Os recordes de alguns parâmetros meteorológicos, desde que há registos regulares, constam na tabela “World Weather and Climate Extremes”, publicada pela OMM, a qual é periodicamente atualizada. A mais recente data de 30 de janeiro de 2024. O recorde mundial de temperatura do ar à superfície foi 56,7 °C, em 10 de julho de 1913, em Furnace Creek, Greenland Ranch (próximo do Death Valley, Estados Unidos da América), à altitude de 54 m abaixo do nível do mar. A temperatura mais baixa registada foi de -89,2 °C, em 21 de julho de1983, em Vostok, na Antártida (1253 km do Polo Sul e altitude 3420 m). Nesta tabela, Bangladesh é um dos países que mais vezes é mencionado. Ali ocorreu, em 12 e 13 de novembro de 1970, o fenómeno meteorológico (ciclone tropical) que maís vítimas provocou em todo o mundo, cerca de 300 mil. Foi também no Bangladesh que foi observado, em 26 de abril de 1989, o tornado mais mortífero de sempre, que provocou cerca de 1300 vítimas. Ainda neste país, em 14 de abril de 1986, caiu o bloco de gelo (saraiva1) mais pesado até hoje observado, com 1,02 kg. No que se refere ao vento à superfície, a rajada mais forte até hoje registada, num ciclone tropical, foi de 220 nós (407 km/h) na ilha Barrow, na Austrália, em 10 de abril de 1996. Os ventos mais fortes, à superfície, são geralmente associados a tornados, fenómenos dos mais espetaculares que ocorrem na natureza. É raro conseguir-se medir a velocidade do vento nestes fenómenos, dada a sua violência. Foi possível, no entanto, registar a velocidade de 262 nós (485 km/h) em Bridge Creek (Oklahoma, EUA), em 3 de maio de 1999. O Tornado é um fenómeno meteorológico que consiste numa coluna de ar que rodopia em torno de um eixo, por vezes de forma violenta, que se forma entre o solo e a base de nuvens de desenvolvimento vertical, frequentemente cumulonimbus. Os tornados são, dentro de certa medida, fenómenos similares aos ciclones tropicais, mas com dimensões muito inferiores. Enquanto os ciclones têm diâmetros com algumas centenas de quilómetros, os dos tornados variam entre centenas de metros e alguns quilómetros. O tornado de maior diâmetro (4,184 km) até hoje observado ocorreu em El Reno (Oklahoma, EUA), em 31 de maio de 2011, e o que percorreu maior distância (359 km), em 11 de abril de 1991, na Califórnia. Quando os tornados se formam sobre o mar ou superfícies aquosas, designam-se por trombas de água (ou trombas marítimas, quando no mar). É curioso relembrar como Luís de Camões (1524-1580) descreveu magistralmente a ocorrência de um destes fenómenos, no Canto V dos Lusíadas: Eu o vi certamente (e não presumo Que a vista me enganava): levantar-se No ar um vaporzinho e sutil fumo E, do vento trazido, rodear-se; De aqui levado um cano ao Pólo sumo Se via, tão delgado que enxergar-se Dos olhos facilmente não podia; Da matéria das nuvens parecia. Ia-se pouco e pouco acrescentando E mais que um largo mastro se engrossava; Aqui se estreita, aqui se alarga, quando Os golpes grandes de água em si chupava; Estava-se co’as ondas ondeando; Em cima dele ûa nuvem se espessava, Fazendo-se maior, mais carregada, C’o cargo grande d’água em si tomada. Chupando mais e mais se engrossa e cria, Ali se enche e se alarga grandemente: Tal a grande coluna, enchendo, aumenta A si, e a nuvem negra que sustenta. Mas, depois que de todo se fartou, O pé que tem no mar a si recolhe E pelo céu, chovendo, em fim voou. Por que co a água a jacente água molhe; Às ondas torna a água que tomou, Mas o sabor do sal lhe tira e tolhe. Vejam agora os sábios na escritura Que segredos são estes de Natura. Também D. João de Castro (1500-1548, cientista, navegador, décimo terceiro governador e quarto vice-rei da Índia) dedicou grande atenção a este fenómeno. Segue-se parte da descrição que fez (num dos “Roteiros de Lisboa a Goa”), de um fenómeno deste tipo ocorrido em 1538 no Oceano Índico: «… a ponta que pegava no mar erguia hum grande fervor por derredor, e segundo notauamos os que isto víamos, parecia chupar a água e leuala por dentro da tromba acima; duraria isto espaço de um quarto de ora e estariamos arredados della pouco maes de mea legua; e como se desfez deunos huma chuua grossa com trouões. O princípio como se ordenou esta manga, foi aparecer no mar huma grande fumaça e feruencia dagua do tamanho de huma nau e depressa foi crescendo para o ceu, ate pegar nas nuuens, deixando figurada esta tromba por onde subia a agua a elas» (D. João de Castro, Obras Completas, Academia Internacional da Cultura Portuguesa, Coimbra, 1968) Desenho de D. João de Castro – tromba marítima no Oceano Índico, em 1538. Em altitude, nas chamadas correntes de jato, que se distribuem em torno do globo com forte componente oeste-leste, ocorrem frequentemente ventos muito mais intensos do que à superfície. Na zona de transição entre as massas de ar tropical e polar forma-se uma espécie de tubo de vento com milhares de quilómetros de comprimento e algumas centenas de largura. Estes ventos são diariamente aproveitados pelas companhias de aviação para reduzirem o tempo de voo e, consequentemente, o combustível. Foi o caso que ocorreu de maneira significativa em 24 e 25 de fevereiro de 2024. Nestes dois dias foram registados ventos extraordinariamente fortes, com cerca de 230 nós2 (aproximadamente 425 km/h), o que fez com que certos voos da América do Norte para a Europa demorassem consideravelmente menos do que numa situação normal. Os voos comerciais longos realizam-se na alta troposfera, sensivelmente entre os níveis isobáricos de 300 e 200 hPa, ou seja, aproximadamente entre 9 e 12 km de altitude, onde ocorrem, nas latitudes médias, essas correntes. Assim, um voo de oeste para leste é geralmente mais rápido do que no sentido contrário. Os planos de voo são elaborados de modo a aproveitar (ou evitar) esses ventos. Neste caso concreto as aeronaves chegaram a atingir uma velocidade de cerca de 1.300 km/h (em relação ao solo), aproximadamente mais 380 km/h do que a velocidade normal quando não há vento, cerca de 920 km/h. Os velocímetros dos aviões não indicam estes valores, na medida em que medem a velocidade em relação ao ar envolvente. Nestas condições, supondo que o nível do voo era FL3003 (ou seja, 30.000 pés = 9.144 m), os passageiros viajaram temporariamente a uma velocidade superior à do som. Neste nível o som propaga-se, na atmosfera padrão, à velocidade de 301,1 m/s, ou seja, 1.091 km/h. Viajar em plena corrente de jato tem, por vezes, o inconveniente de se ficar sujeito à chamada turbulência em ar limpo (Clear Air Turbulence – CAT), que pode ser fraca, moderada ou forte. Neste último caso, é de se evitar voar na zona da atmosfera onde está previsto que tal ocorra, na medida em que comodidade dos passageiros e a estrutura da aeronave podem ser afetadas. Representação gráfica da corrente de jato polar Ainda sobre recordes meteorológicos, consta na tabela “World Weather and Climate Extremes”, o recorde de aridez, medido em termos de número de dias sem precipitação. Ocorreu em Arica, Chile, onde não choveu durante mais de catorze anos seguidos (de outubro de 1903 a janeiro de 1918 – 172 meses). Por esta razão é considerada a cidade mais seca do mundo. Curiosamente está situada no litoral do país, junto ao deserto de Atacama. Não será de estranhar que, atendendo às alterações climáticas, os recordes meteorológicos possam vir a ser batidos. Entretanto, de acordo com a OMM e o IPCC, o recorde de temperatura à escala mundial registado em 2016 foi ultrapassado em 2023 e há perspetivas que seja batido de novo em 2024, em parte devido ao episódio do El Niño que está a decorrer. Meteorologista Quando a pedra de granizo tem 5 cm de diâmetro, ou mais, designa-se por saraiva. 1 nó (ou milha náutica por hora) = 1,852 km/h – unidade de velocidade do vento usada em navegação marítima e aérea. FL300 – significa Flight Level 30.000 pés.De acordo com a OMM e o IPCC, o recorde de temperatura à escala mundial registado em 2016 foi ultrapassado em 2023 e há perspetivas que seja batido de novo em 2024 No que se refere ao vento à superfície, a rajada mais forte até hoje registada, num ciclone tropical, foi de 220 nós (407 km/h) na ilha Barrow, na Austrália, em 10 de abril de 1996 Destaques