Magnus Wennman, fotojornalista: A verdade numa imagem

Natural da Suécia, Magnus Wennman é fotojornalista, com uma carreira iniciada aos 17 anos no jornal sueco DalaDemokraten. Ao HM, à margem da última edição do festival de fotografia português Êxodus, em Aveiro, Magnus falou das imagens que fez sobre o despejo de roupas da H&M em países pobres, com um enorme impacto ambiental, ou do projecto “Where The Children Sleep”, que expõe um lado emotivo da guerra

 

Porque decidiu tornar-se fotógrafo, focando-se em contar este tipo de histórias através da imagem?

Tenho duas respostas para estas perguntas. Tornei-me fotógrafo quando era muito jovem, e nunca tive de pensar muito sobre aquilo que queria ser quando crescesse porque decidi muito cedi que queria tornar-me fotógrafo. Não sei porque gostava tanto de desenhar e de arte quando era mais novo, e descobri a câmara quando tinha cerca de 16 ou 17 anos. Simplesmente meti na cabeça que queria ser fotógrafo e fotojornalista. Essa é basicamente a minha história e comecei a trabalhar pouco tempo depois de ter terminado a escola secundária. Comecei literalmente a trabalhar no dia seguinte a terminar a escola, num jornal local do local de onde sou.

Então nunca foi para a universidade ou fez um curso de fotografia?

Nunca fui para a universidade, pode-se dizer que sou um auto-didacta. Estava muito apaixonado por esta área, e gastei grande parte do meu tempo a tentar aprender a melhor maneira de contar histórias e tirar fotografias.

Aprendeu tudo o que sabe na redacção.

Sim, no jornal da minha cidade, com todos os fotógrafos que lá trabalhavam. Tenho 44 anos e quando comecei era um tempo diferente para os jornais, pois havia muitos fotógrafos na equipa, em que se usava a máquina analógica. Era um tempo diferente, um trabalho diferente, talvez mais técnico do que é hoje. Mesmo que eu nunca me tenha interessado muito pela técnica, era de facto um trabalho mais árduo do ponto de vista técnico do que é hoje. Comecei a trabalhar na área do desporto e ao longo de dez anos fotografei muito essa área. Os tempos mudaram, envelheci, e o fotojornalismo desportivo já não era a mesma coisa.

Deixou de ser desafiante?

Sim, pode-se dizer isso. Foi nessa altura que comecei a focar-me mais nas questões sociais, em projectos de longo prazo. Passaram a enviar-me para trabalhos cada vez maiores, tal como conflitos e problemáticas a nível mundial.

Fale-me sobre o projecto fotográfico que fez no Gana, após ter descoberto que a marca de roupa H&M colocava roupa no lixo enviada para África.

Tudo começou com uma reportagem no jornal. O repórter com quem trabalhei recebeu uma queixa anónima sobre o facto de as roupas recolhidas pela H&M nas lojas da marca terminarem em terrenos de vários países como depósito de lixo, e isso tornava-se num enorme desastre natural. Não acreditámos dada a imagem que a marca tem, e a ideia que era transmitida era de que a marca se preocupa com a produção de roupa, sabendo que esse é um grande problema para a indústria da moda. Muitas pessoas usam uma peça de roupa sete vezes e depois põe-na de lado. Então a marca desenvolveu esta iniciativa de recolher roupas que já não são usadas pelos seus clientes nas lojas, prometendo que iriam reciclá-las de uma forma ecológica. A queixa que recebemos indicou-nos que isso não era verdade.

Como começaram então a investigar?

Colocámos etiquetas de ar em dez peças de vestuário que comprámos e devolvemo-las às lojas H&M em Estocolmo, para que pudéssemos acompanhar o seu destino. Percebemos que essas roupas são vendidas a outras empresas que as coleccionam e seleccionam, sendo que parte fica na Europa e outra parte simplesmente desaparece, aparecendo meses depois em países como África do Sul, Benim ou Índia. Quando olhamos para muitos dos países onde estas roupas acabam depositadas, percebemos que existem muitos problemas.

Pode dar exemplos?

No caso do Benim é um país com imensos problemas [sociais e económicos], onde são compradas toneladas de roupa que depois são vendidas às pessoas nas ruas. Mas apenas se consegue vender ou usar cerca de 50 por cento da roupa que é enviada, e a restante simplesmente fica junto às praias ou em terrenos vazios, em lixeiras. Pudemos comprovar isso mesmo quando nos deslocámos a estes lugares. Vimos que as roupas que a H&M recolhe nas lojas acaba em lixeiras de vários países, tornando-se num problema ambiental enorme.

Quais as consequências deste projecto, qual foi a reacção da marca?

A publicação da reportagem gerou, de facto, algum debate. Todos falaram desse assunto durante um tempo e tornou-se algo em grande. A H&M não mostrou muita disponibilidade para falar sobre o assunto, tendo tentado, claro, proteger a marca. Consigo compreender a sua frustração porque estavam a fazer algo que consideravam bom. O problema maior é que não se trata apenas da H&M, mas sim de toda a indústria da moda produzida muito rapidamente. De certeza que há muitas marcas e lojas que têm um comportamento pior do que a H&M. Acontece que nós trabalhamos na Suécia e a H&M é uma das maiores empresas de moda do mundo, tendo a responsabilidade de garantir que as roupas terminam num bom lugar ou são tratadas da forma mais ecológica possível.

Quanto tempo demorou até concluírem este projecto?

Viajámos muito e é preciso referir que fomos dois a trabalhar nisto, eu e o jornalista, que tem uma mente brilhante. Sem dúvida que não fui só eu. Ele adorou acompanhar esta história, percorrendo todos os detalhes, e eu pude contar com a sua experiência. Primeiro viajámos até ao Benim e depois fomos ao Gana, que é ainda um país pior onde se pode despejar roupas que já não são usadas.

Pior em que sentido?

Não viajámos assim tanto para este projecto, apenas fomos até Benim e ao Gana porque vimos que foram os locais para onde foram enviadas as roupas que nós depositámos. Mas o Gana é famoso por isso, é um país onde a situação do despejo de roupa é muito má. Quando lá chegámos, percebemos que o cenário era muito pior do que aquele de que estávamos à espera, destruindo zonas costeiras e a indústria pesqueira. É algo que tem enormes consequências para o ambiente.

Como é o dia-a-dia das pessoas que vivem esta situação?

Afecta a população porque há demasiadas roupas a chegar, e estas pessoas não conseguem usar todas as toneladas de roupa que chegam ao país com frequência, é pura e simplesmente impossível. Como não têm infra-estruturas para fazer a gestão das roupas que chegam, estas vão parar a rios, oceanos, nas zonas costeiras, tornando-se um problema social. Há lixo nas ruas, enormes mercados onde vendem as roupas, e todas as semanas se compra um fardo, tipo com 500 peças de roupa, e não se sabe o que vai lá dentro, que tipo de peças contém. Abre-se o fardo e pode, por exemplo, só ter roupa de criança, e grande parte das peças de roupa não servirem, e metade da roupa não pode ser vendida. As roupas que não são vendidas não se conseguem armazenar, então são deitadas fora, e as autoridades não conseguem fazer nada quanto a isso. São mesmo muitas quantidades de roupa, tornando-se um enorme problema para eles. Não existem recursos para lidar com isso. É todo um sistema, não é um problema de uma só pessoa.

Reduzir o consumo de roupa nova é uma das soluções.

Sim, cada um de nós tem responsabilidade em relação à indústria da moda e ao consumo. Trabalhei na área do jornalismo ambiental muitos anos, de diferentes formas, e sei que esta é uma área com a qual as pessoas se preocupam, porque se sentem culpadas. Eu, você, é todo um sistema. O nosso trabalho coloca o dedo na ferida em relação a um problema que não percebemos que existe. Não é sustentável continuar a comprar novas roupas que vestimos apenas uma vez ou duas, e que são muito baratas. Claro que toda a indústria da moda reconhece isso, mas acabam por encontrar novas formas de nos fazer comprar roupa.

Outro projecto que desenvolveu foi “Where The Children Sleep”. O que aprendeu com esta experiência?

Tudo aconteceu durante a guerra na Síria e durou cerca de cinco anos. No jornal questionávamo-nos porque é que as pessoas na Suécia não estavam a prestar a devida atenção a este conflito, porque não havia muitas coisas escritas sobre ele. Tratava-se de um conflito muito difícil de compreender. Quem eram os maus da fita? Não sabíamos muito bem. Na Suécia era de facto difícil termos pessoas preocupadas com o conflito. Decidimos então ir para os países vizinhos da Síria e contar a história da guerra através do olhar das crianças, porque são as mais vulneráveis, as que mais sofrem com o conflito, independentemente de quem são os maus ou os bons da fita. Na altura, o meu filho de cinco anos tinha muitos pesadelos e vinha frequentemente para a nossa cama. No jornal discutíamos a melhor forma de fazer este projecto, e pensei como é que as crianças poderiam escapar da guerra, onde dormiam, se é que dormiam. Quais seriam os seus sonhos. Essa ideia começou a surgir na minha cabeça e pensei em fotografar os sítios onde as crianças dormiam. O primeiro país onde fomos foi o Líbano.

Antes da explosão que destruiu parte de Beirute?

Sim. Parámos o táxi e começámos a falar com as famílias enquanto as crianças dormiam, e foi aí que tirei as primeiras fotografias. Aí é que percebi que poderia ser um projecto bastante interessante, e comecei a procurar crianças a dormir em vários locais, tentando diferentes foto-reportagens, histórias diferentes, passei a ter a minha própria agenda. Trabalhei nessa história seis ou sete meses, e depois a situação dos refugiados explodiu na Europa, em meados de 2015, e muitas pessoas queriam ir para a Alemanha, a Suécia e diferentes países no norte da Europa. De repente todos se preocupavam, porque passava também a ser um problema nosso, as pessoas queriam entrar no nosso país. Foi quando comecei a ter um poderoso corpo de trabalho com cerca de 30 crianças a dormir em vários locais na Europa. Obtivemos com “Where The Children Sleep” reacções bastante extremas. Quando vemos imagens de refugiados a escapar nas fronteiras, não nos relacionamos com elas, mas se virmos uma criança a dormir numa floresta, todos se relacionam com a situação ou têm sentimentos sobre ela. Da minha parte nunca me preocupei em estar na linha da frente, fotografar bombardeamentos, por exemplo. O desafio, para mim, era encontrar formas de os nossos leitores compreenderem o que se estava a passar. É mais poderoso encontrar alguém num determinado ambiente do que ver o desastre como um todo.

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