Casa de Macau | Carlos Piteira fala em “nova fase histórica”

Recentemente eleito presidente da Casa de Macau em Lisboa, o antropólogo Carlos Piteira defende que a entidade “entrou numa nova fase histórica e não se encontrou”, mantendo uma “continuidade do pós-25 de Abril”. O novo presidente fala ainda do património oral dos sócios da Casa que pode ser aproveitado por investigadores

 

Foi no passado dia 16 que Carlos Piteira, macaense e antropólogo, venceu as eleições para a presidência da Casa de Macau em Lisboa, tendo formado a única lista candidata que trouxe alguns novos rostos aos órgãos dirigentes. Em declarações ao HM, o também académico considera que a Casa deve repensar bem o seu papel e adaptá-lo aos novos tempos.

“Não percebemos ainda que a Casa de Macau entrou numa nova fase histórica e não se encontrou. A Casa teve um papel importante no período do Estado Novo e na representação do império colonial [português], e fechou esse ciclo entre 1974 e 1975, tendo sobrevivido porque a China não quis a entrega de Macau [no pós-25 de Abril]. Aí renasceu a Casa que fez a ponte entre o Governo português de Macau e a pertença à China.”

Carlos Piteira lamenta que a Casa “continue a trabalhar como se fosse uma continuidade do pós-25 de Abril”, sendo que o “paradigma da RAEM não foi intercruzado” nas actividades da entidade.

“Formalmente é uma casa da RAEM em Portugal (…). Temos de reavaliar qual o nosso papel neste processo histórico e até que ponto esta continuidade exige adaptações, no sentido em que lidamos com uma Macau que está a integrar-se na China”, explicou ainda.

O novo presidente acredita que, numa lógica de crescente diluição dos macaenses na comunidade chinesa, caberá às diversas Casas de Macau espalhadas pelo mundo “fazer a ponte com os macaenses de Macau”, preservando uma cultura e história muito próprias, bem como “a lógica das tradições e do processo histórico”.

Chamar a academia

Com 260 sócios activos, Carlos Piteira considera que o número é baixo e pretende congregar mais pessoas, não apenas macaenses, mas todos os que se sintam ligados a Macau, nomeadamente ex-residentes portugueses.

O novo presidente chama ainda a atenção para o património oral constituído pelos sócios mais antigos da Casa que têm muitas histórias para contar, fundamentais para investigações na área da história ou antropologia, por exemplo.

“A Casa tem um espólio muito interessante para quem estuda Macau ou os macaenses e essa vertente não está muito explorada. Temos gente com histórias de vida interessantíssimas. Quero sensibilizar mais os centros de investigação para que incluam esta componente [das histórias orais].”

Um dos projectos prementes da nova direcção prende-se com a necessidade de renovação da sede, que fica numa moradia a precisar de pinturas e obras. Tal faz com que a Casa “não tenha a dignidade suficiente para ser um espaço para os sócios e para a sociedade civil”.

“Há necessidade de uma restauração de fundo para que a imagem da Casa mude e para que se possam preparar mais uns bons anos de actividade com uma dinâmica mais intensa. Essa é a questão estrutural que leva ao financiamento.”

Actualmente financiada pela Fundação Casa de Macau, Carlos Piteira defende que devem ser procuradas novas formas de obtenção de fundos. “Devemos avaliar com parceiros e com a Fundação quais as hipóteses que existem, e até que ponto não haverá empresas ou associações, ou sócios beneméritos, que queiram associar o seu nome à Casa, dando-lhe prestígio. Essa é uma matéria a explorar.”

Debate necessário

Tendo em conta que 2024 é o ano da realização de um novo Encontro das Comunidades Macaenses, Carlos Piteira pede uma intervenção mais assertiva.

“Gostaria que o Encontro fosse mais pró-activo no sentido da tomada de posições, o que não tem acontecido muito. O Encontro tem sido mais festivo do que interventivo, e se calhar o modelo é esse, mas por parte dos presidentes das Casas de Macau poderia haver algum diálogo sobre o nosso papel no futuro.”

Para o responsável, trata-se de uma “questão central”, pois “os macaenses estão em Macau e ainda bebemos da representação da comunidade no território, mas desconhece-se qual a tendência, se os filhos dos actuais macaenses terão a perspectiva da comunidade e representação da identidade dos seus pais e avós. Não sei como vai ser a preservação se não houver macaenses a fazê-lo, ou se estes tiverem numa matriz diferenciada. Este seria um debate interessante”, rematou.

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