Literatura | “Poemas de Su Dongpo” lançado hoje em Lisboa

É hoje lançado no Centro Científico e Cultural de Macau um novo livro de poesia chinesa com tradução, introdução e notas de António Graça de Abreu. Editado em Portugal com a chancela da Grão-Falar, “Poemas de Su Dongpo” é uma compilação de escritos do poeta da dinastia Song, que pela primeira vez foi traduzido para português

 

A história da China está repleta de poetas. Depois de se debruçar sobre grandes nomes da poesia chinesa clássica do período da dinastia Tang, como Li Bai ou Wang Wei, António Graça de Abreu está de regresso às traduções, desta vez com a poesia de Su Dongpo, um dos grandes poetas do período da dinastia Song (960 a 1278).

“Poemas de Su Dongpo” é o nome do novo livro lançado hoje no Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), com a chancela da Grão-Falar, nova editora lançada em Portugal por Carlos Morais José, director do HM.

Pela primeira vez será possível ler, em língua portuguesa, os poemas do poeta muito amado na China e bastante estudado no país e no estrangeiro. Dos mais de mil poemas que Su Dongpo escreveu em vida, António Graça de Abreu escolheu 170 para esta obra.

“Ele escreveu cerca de 1300 poemas e eu escolhi aqueles que me pareceram mais fáceis de traduzir para língua portuguesa, garantindo alguma qualidade literária. É sempre a minha preocupação, que os poemas traduzidos para língua portuguesa possam soar bem e tenham essa qualidade. Mas estamos sempre longe da maravilha do poema em chinês, porque lê-lo só seja possível a quem sabe muito da língua e quem entende bem a cultura chinesa”, contou ao HM.

António Graça de Abreu diz estar “satisfeito” com o livro que é hoje lançado, por ter conseguido “dar um lado chinês a estes poemas em português”. “Poemas de Su Dongpo” tem “a qualidade necessária para que qualquer pessoa consiga ler e entrar dentro da China clássica, e isso para mim é o mais importante nas traduções”.

António Graça de Abreu não traduziu os poemas de Su Dongpo directamente do chinês, tendo recorrido a algumas traduções deste poeta já existentes em inglês. “Tenho sempre ferramentas que me ajudam a traduzir os poemas. Comecei a estudar chinês com 30 anos, muito tarde, e tenho algumas dificuldades, pois não conheço todos os caracteres. Além disso, falamos de um chinês clássico, do período da dinastia Song. Os próprios chineses têm dificuldade em perceber a poesia chinesa do passado.”

Graça de Abreu, que viveu em Pequim nos anos 70, destaca que é sempre “difícil traduzir directamente dos originais chineses”, fazendo-se sempre acompanhar de dicionários e de outras traduções para línguas ocidentais. “Muitas vezes não entendemos a sequência dos caracteres e há poemas que funcionam em chinês, mas que são intraduzíveis para português ou outra língua ocidental.”

Um mandarim peculiar

Nascido em 1137, Su Dongpo foi um mandarim, ou seja, um funcionário público que se destacou em algumas funções oficiais, mas que também caiu em desgraça. Viveu na dinastia Song, que se caracteriza como sendo o “período áureo da poesia chinesa”, dando-se a “consolidação cultural do império”.

Era um período dos “exames imperiais que privilegiavam a meritocracia”, ou seja, o subir na hierarquia pública mediante o conhecimento dos candidatos, e Su Dongpo “vai ser um dos homens mais brilhantes deste período como funcionário estatal a governar várias regiões da China”, a função que os mandarins desempenhavam à época.

Su Dongpo “esteve também sujeito a algo que era muito vulgar na China que era a despromoção de mandarim, que poderia cair facilmente em desgraça”.

“Quando isso acontecia era marginalizado e colocado noutra região com postos insignificantes, quase numa espécie de degredo intelectual. Isso aconteceu com Su Dongpo. Os mandarins caíam muitas vezes em desgraça porque contestavam as ordens que vinham de cima. Era a política, que passava por estas subidas e descidas de quem manda, e a China tem uma longa tradição nisso”, conta António Graça de Abreu.

Adversidades na poesia

Apesar de caído em desgraça, tendo inclusivamente recebido uma condenação à morte, Su Dongpo nunca viveu de forma amarga. “Este homem também teve os seus problemas ao longo da vida. É curioso que Su Dongpo era um homem muito sábio e conseguiu transformar essas descidas, em que caiu em desgraça e passou a ter menos importância, em períodos de paz e de tranquilidade pessoal, dedicando-se mais à poesia e ao entendimento do homem com a natureza”.

Essa temática “é fundamental na sua poesia”, sobretudo para um homem que esteve tão ligado ao budismo. “Ele não transformou essas quedas políticas em coisas más, e isso nota-se na sua poesia. Su Dongpo tem muitos poemas sobre a ideia de saber viver e de envelhecer, uma coisa que é muito útil nos dias de hoje, se estivermos atentos à filosofia e modo chinês de ver o mundo.”

Falecido com 67 anos e viúvo três vezes, Su Dongpo tem também poemas sobre as mulheres que amou, colocando-as num pedestal. “Ele foi casado três vezes e todas as mulheres morreram antes dele. É impressionante. Ele descreve o que sentia quando as esposas faleceram, faltou-lhe o apoio feminino, e ele levou as mulheres a um patamar que não era comum na China, em que eram subjugadas ao homem. Para Su Dongpo não era assim, ele tinha uma adoração pelas mulheres.”

Além de ter escrito um poema sobre o filho falecido, Su Dongpo compôs também diversos escritos sobre um irmão, de quem era muito próximo. “Tinha ainda poemas de crítica, além de ser também um bom escritor de prosa. Ele explica muito bem a época em que viveu e o que lhe aconteceu. Explica muito bem a China dessa altura que é, se calhar, a China de sempre”, acrescenta o autor.

Dedicado ao sogro

António Graça de Abreu descreve que Su Dongpo é, ainda hoje, “um poeta querido pela maioria dos chineses”, tendo ficado surpreendido quando percebeu a forte presença da poesia na música ou no cinema que são feitos no país.

“Têm sido feitos filmes e canções sobre este poeta na China, faz-se um aproveitamento, nos dias de hoje, por parte de cantores chineses de alguns dos seus poemas. E isso porque ele escreve sobre a arte de saber viver, a ideia do ying e do yang, de coisas que têm de correr bem e mal. É um homem que nos reconforta a vida, e é um nome que me tem acompanhado.”

António Graça de Abreu dedica “Poemas de Su Dongpo” ao seu sogro, falecido este ano com 93 anos. “O meu pai chinês foi o meu companheiro na ligação à China nestes últimos anos. E ele era tão parecido com Su Dongpo, aprendi muito com ele. Ele era o bom chinês, que sabia aproveitar as vicissitudes da vida para transformá-las num pequeno ou grande conforto, esquecendo-se das maldades que os homens têm dentro de si próprios.”

Com esta obra, António Graça de Abreu pretende chamar a atenção para um período do império chinês, e da própria poesia chinesa, muito pouco conhecidos em Portugal. “É um poeta muito pouco conhecido em Portugal e vale a pena chamar mais a atenção para o período da dinastia Song. Infelizmente a nossa sinologia é pequenina, temos poucos sinólogos portugueses”, lamenta.

A sessão de apresentação do livro acontece hoje no CCCM a partir das 17h30, contando com a presença de Ana Cristina Alves, coordenadora do serviço educativo do CCCM.

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