Via do MeioMas porque é que os alunos chineses não falam? Hoje Macau - 1 Nov 2023 Por Li Guofeng No fim de setembro, estive numa conferência numa universidade portuguesa. Uma das comunicações falava sobre as diferenças culturais entre Portugal e a China, dois países que têm histórias, crenças, costumes, etc., tão diferentes. O orador, como tem origem chinesa, abordou a diferença cultural entre os dois países numa abordagem do pensamento, ou seja, todas as acções que explicitamente são diferentes resultam do pensamento tradicional do respectivo povo/país. Depois de acabar a comunicação, um participante, que também é um professor que conheço, lançou uma pergunta ao orador: “Mas o Senhor Professor, podia dizer-me, afinal, porque é que os alunos chineses não falam nas aulas?” Pois. É uma boa pergunta. Eu fui um aluno chinês naquela instituição onde se realizou a conferência (e continuo a ser um aluno chinês, mas desta vez já em Lisboa). A pergunta lançada é uma situação existente. Nos últimos anos, o número dos estudantes chineses em Portugal tem aumentado duma forma substancial em todos os ciclos, licenciatura, mestrado e doutoramento. Entretanto, creio que a maior parte continua a ser os estudantes que vêm cá para fazer intercâmbios da licenciatura e para tirar mestrado. Como estes estudantes são principalmente do curso de Língua Portuguesa na China, os cursos que eles frequentem em Portugal também são os relacionados com a língua, por exemplo, Português Língua Estrangeira (PLE), Linguística, Literatura etc. O que acontece é que, em algum destes cursos, a maioria dos alunos é chineses (ou até, sem exagero nenhum, são todos chineses). Muito diferentes dos alunos portugueses, ou dos ocidentais em geral, os chineses não são activos e não gostam de dar as suas opiniões/comentários (muito menos críticas) nas aulas. Já me aconteceu várias vezes que o professor português queria ouvir falar os alunos e deixavam-lhes alguns minutos para perguntas e dúvidas, mas, como não esperava, ninguém levantou a mão e a sala estava totalmente silenciosa. O professor, obviamente, sentia-se desmotivado, “triste” ou até irritado (no caso de alguns). Yiri weishi, zhongsheng weifu/一日为师,终生为父 Os chineses têm um entendimento distinto, em comparação à cultura ocidental, dos professores. Na cultura do País do Meio, o professor não é apenas uma profissão qualquer, mas sim um papel importante para o crescimento da geração futura e, por conseguinte, para o desenvolvimento da nação. Por isso, a sociedade atribui relevância elevada aos professores. Yiri weishi, zhongsheng weifu/一日为师,终生为父, é uma frase vinda da dinastia Tang (618-907), literalmente quer dizer “Professor por um dia, pai para sempre”, ou seja, o papel de professor tem o mesmo peso dum pai numa sociedade que era eminentemente patriarca e paternalista. Na língua chinesa tradicional, a palavra “professor” é xian sheng/先生, literalmente significa alguém nasce antes de mim, ou seja, mais velho do que eu. Na cultura chinesa, a velhice é o símbolo da saberia porque os velhos, naturalmente, têm mais experiências de vida e conhecimentos deste mundo do que os ainda jovens. Portanto, devido à sua importância e sabedoria, no entendimento chinês, o professor é símbolo de autoridade e verdade. Portanto, tudo o que o professor nos dá é válido, verdadeiro e certo, onde está o espaço de discussão? Se um aluno disser aos colegas que o professor está errado, todos vão rir dele, em vez de pensar se o professor está realmente a cometer erros. Ren huo yizhang lian/人活一张脸 Mesmo que o professor esteja evidentemente enganado, é provável que também ninguém aponte o erro. O que está em causa aqui é a questão de face/面子. A importância da face na vida social dos chineses tem sido um tema muito quente nos trabalhos académicos. Há uma frase popular muito conhecido: Ren huo yizhang lian, shu huo yizhangpi/人活一张脸, 树活一张皮, o que significa a face é tão importante para o ser humano como a casca para uma árvore. Se o professor for criticado pelos alunos na aula, então, onde está a autoridade e face do professor? Portanto, resumindo, mergulhando neste ambiente educativo, da escola primária até ao ensino superior, os estudantes chineses vêm o professor como uma figura paterna, à qual se deve o maior respeito e face. Desta forma, não valorizam o pensamento crítico e estão sempre tímidos nas aulas, porque o que diz o professor é, nos seus entendimentos, certíssimo. Entretanto, isto não significa que os alunos chineses não pensam e não são inteligentes. (Muito ao contrário … vejam lá nas universidades americanas, os alunos chineses estão sempre no topo) Quer dizer, a abordagem pedagógica é uma escolha do docente. Ao contactar estudantes duma outra cultura, seria compensatório ajustar um pouco as técnicas didácticas. Um outro participante na mesma conferência ajudou a responder à dúvida daquele professor, dizendo que: Quando eu era docente, conversava normalmente com os alunos num outro sítio fora da sala de aula, por exemplo, casa de chá, café ou enquanto na durante uma refeição. Fora das aulas, os alunos chineses falam e falam muito. É verdade. Normalmente, depois de acabar a aula e o público basicamente sai, há sempre alguns alunos chineses que rodeiam o professor para conversar, em voz suave, tirando dúvidas ou partilhando acontecimentos interessantes. Mas as coisas mudam. À medida que os jovens chineses têm mais contacto com culturas diversificadas e começaram a viver numa atmosfera mais aberta, a sua timidez reduz-se gradualmente nos últimos anos. Contudo, de qualquer maneira, ainda não chegou (e provavelmente nunca chegará) ao mesmo nível de abertura dos estudantes ocidentais na sala de aula. Posto isso, ao receber cada vez mais estudantes chineses, não seria interessante e útil conhecer também, mesmo um pouco, a cultura deles? Seja para lazer, seja para melhoria do trabalho pedagógico. Doutorando do ISCSP/Bolseiro CCCM-FCT