VozesDiscrepâncias Carlos Coutinho - 11 Ago 2023 PENSANDO bem, há, mesmo entre cientistas, algumas discrepâncias de ordem conceptual e sistemática que me custam a engolir. É o caso, por exemplo, da configuração e definição do Antropoceno que é o período em que a acção humana interfere com o clima da Terra e com os seus ecossistemas. Não sendo eu perito em ramo algum da Ciência, mas sentindo-me com direito a ter e expandir opinião própria dentro do senso comum, considero que o Antropoceno começou há largos milhões de anos, quando o primeiro hominídeo se pôs a mastigar e a deglutir os primeiros cereais, raízes, folhas, frutos, cascas moles, etc., devolvendo-os seguidamente à Natureza transformados em dejectos que rapidamente passam a nutrientes da flora e até de alguns bichos escatológicos. Com a partida do primeiro primata humano para sua primeira caçada, o fenómeno acelerou-se notoriamente e ninguém me tira da cabeça que o Antropoceno começou logo a preparar o futuro, até chegar, caótico e autodestrutivo, aos precários dias de hoje. É a disrupção conceptual tende a agravar-se de tal modo que mesmo nas páginas do mesmo jornal do mesmo dia e em substâncias distintas – neste caso, o “Público -, ode aparecer um cientista a explicar que o grande facínora que é o CO2, aquele gás amoral que produz o efeito de estufa é assim ameaça gravemente a continuação da vida na Terra, afinal, tanto pode ser orgânico como inorgânico e, em ambas as condições, vai encontrando maneira de assentar nos leitos marinhos, onde agradece que não o revolvam nem de qualquer outra forma o incomodem. Oliver Moore, investigador na área da geoquímica da Universidade de Leeds, Reino Unido, garante que os oceanos absorvem 30 por cento do CO 2 emitido nas actividades humanas. Há vários processos que contribuem para isso e é mesmo o que acontece “o carbono orgânico se agarra a uma partícula mineral na coluna de água, tornando-se menos flutuante e por isso afundando-se mais rapidamente para o leito do. mar, diminui o tempo para os micróbios o degradarem” e tornarem prejudicial na atmosfera.. Ou seja, se a Humanidade encontrar resposta para isto, como sempre tem acontecido ao longo da história, estamos safos. Isto remete-me, aliás, para um artigo de Arlindo Oliveira, um engenheiro que preside aia INESC e que, também no “Público”, escrevia anteontem: “A expressão latina ‘sapere aude’, que se deve originalmente ao poeta e filósofo romano Horácio, é geralmente considerada como o lema central do movimento iluminista, tendo sido proposta pelo filósofo Immanuel Kant. Traduzida para português, significa algo como ‘atreva-se a conhecer’ ou ‘ouse conhecer’, a que eu acrescentaria “em vez de se reger pela fé, como supersticioso”. Até porque, no mesmo jornal, algumas páginas antes e no dia anterior, uma simpática enfermeira que parece ter deixado de exercer, escrevendo todos os domingos uma crónica de página inteira, zurzia os destituídos de fé num estilo caceteiro que nunca lhe vi. Confessa ela que também foi ao Papa e diz: “(… ) Mas eu que sempre soube lidar com estas coisas e até com a pretensa superioridade intelectual dos meus amigos ateus (…), confesso que não estava preparada para aquilo que vi durante a última semana e que foi, nada mais, nada menos que ódio mal disfarçado. Caramba, isto foi mesmo feio. Tanta gente cega por um ódio ao catolicismo a roçar o irracional.” Pobre Carmen Garcia, que rasteja angelicamente ao apelo da fé, tão crédula e devota como os que vão à bruxa, os que temem encontrar lobisomens em todas as encruzilhadas, os oram piedosamente nas procissões organizadas para pedir chuva aos céus, os que acreditam em moiras encantadas, os que rezam àquela virgem eterna que vinha, sempre vestida e calçada a rigor, esfregar os pés no ramo mais alto de uma azinheira e caucionar o milagre do sol dançante, os que vão à Kathmandu aspirar o ar espiritual, os que pagam a quem lhes lê a sina na palma da mão, os que adoram as serpentes emplumadas de Macchu Pichu, os que suportam a espiritualidade das vacas hindustânicas, os que contam e beijam as cagalhetas místicas de uma cabra animista no Vale do Rift, porque, senhores, para com nenhum destes fiéis devotos, destes iluminados exemplares do “homo sapiens”, a cronista do “Tanto faz não é resposta” é incapaz de mostrar superioridade intelectual. A fé é a fé, chiça! E nada há mais digno de respeito e reverência, caramba! Por mim, tudo bem, porque percebo que a Terra, afinal, é menos que um micróbio unicelular num sistema planetário que também é menos que um micróbio pluricelular, num dos prováveis quatriliões de quatriliões de galáxias que perfazem o incomensurável Universo que Deus criou por desfastio e para arranjar um poiso discutível para as pessoas com fé, mesmo que obrigadas a conviver com ateus, aqueles desalmados dialécticos que, tal como os agnósticos – estes mais timoratos – exigem provas para todos os teoremas e fundamentos para todos os acórdãos.