Euforismos

Ter nascido não é um erro, mas uma equação irresolúvel.

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Errar não é humano, é cósmico. Tudo isto se assemelha a um erro gigantesco.

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Viemos das estrelas, mas a elas não voltaremos. A queda é irreversível.

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Fomos abandonados por um Deus que nunca foi.

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É patético o esforço de alguns filósofos quando pretendem convencer-nos do “prazer de viver”.

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Espaço e tempo: os dois se conjugaram para me tramar.

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O corpo é o embrulho de um presente envenenado.

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O melhor do ser humano é a capacidade de se saber desprezível.

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Quem que se crê livre é prisioneiro da sua própria arrogância.

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Viver com intensidade é o mesmo que um incêndio em terra queimada.

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O pior que pode acontecer é ter algum sucesso. Verás ser uma porta que te leva
à vacuidade de tudo. Onde, afinal, já abundantemente te banhavas.

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Omnia sunt sine ratione. Pensar é um exercício fútil quando em causa
não está a sobrevivência ou o prazer.

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A realidade é, em si mesma, infinita. Pretender dominá-la, compreendê-la em toda a sua extensão, é um sintoma de loucura.

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Teremos o dever de relatar o universo, mas a esse relato juntemos sempre
uma imprescindível nota de humildade.

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Por mais que me iluda, a razão regressa para me humilhar. Tenho então de a ouvir, eventualmente entender, mas nunca crer totalmente nos mundos que ela habilmente arquitecta.

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A constante dúvida pinta-nos um mundo difícil, talvez horrível.
Mas é com esse mundo que temos de saber viver.

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Acreditar numa verdade, é acreditar na exclusão, numa pobreza formatada da realidade.

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O século XIX acreditou na existência de génios.
Depois um vento frio desembaciou o espelho.

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O amor pelo outro é o reconhecimento da nossa profunda incompletude.
Isso, por outro lado, dota-o de uma arrepiante e ficcionada beleza.

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Digo-me: deve haver coisas que eu amo.
E rio-me deste esforço tonto para não levar a arma à boca.

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O desespero não é um sentimento. É uma condição.
Advém da constatação do nada, ou seja, de um mero olhar à volta.

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Ser poeira não é pessimismo, mas uma aspiração.

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O espectáculo da natureza: quanto mais belo, mais deprimente; porque plasma ali mesmo à minha frente, sem qualquer piedade, a dimensão da minha insignificância.

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O sublime é ofensivo.

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O fedor a podre é a verdadeira metáfora do tempo.

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Criar, criação, criadores, criativos! O melhor mesmo é criarem galinhas.

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Quando a ideia de ouvir música te exaspera e o silêncio te deprime, o que hás-de então fazer?

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O silêncio aporta um horror apocalíptico. Ninguém se quer ouvir demais.

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Só o que é doloroso nos faz sentir realmente vivos. Resta saber se vale a pena.

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Chego da rua, quero regressar a mim e não consigo.
Constato então que, provavelmente, não existo.

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Pensar é a doença da mente que nos faz perder a noção do ridículo.

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São o desespero e a raiva que ainda me obrigam a andar. A ver se depois fico liso e triste,
até a tristeza se tornar insuportável de tão inútil, tão parada, tão bovinamente melancólica.

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A existência seria absurda se não fosse meramente cruel.

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O pensamento é o ópio de uma aristocracia inexistente.

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Numa sociedade perfeita cairia a máscara da nossa utilidade.

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A utopia conduz-nos ao silêncio dos mortos a haver.

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D’après Shitao:
Vemos o mundo pelos olhos dos mortos,
embora não seja a barba deles o que nos cresce na face.

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O êxtase que uma pintura me provoca é um processo lento.
O tempo necessário para criar uma fantasia e nela me banhar para sempre.

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No século XX, a arte fez uma estrondosa colecção de becos sem saída.

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O minimal repetitivo exprime a sinceridade de quem compreende nada mais ter para dizer.

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A imaginação foi sobrevalorizada enquanto se acreditava no indivíduo.

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O individualismo é uma ambição ignorante. Talvez por disso ter consciência inicial,
procurei melancolicamente ir colmatando essa falta.

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O nojo de me saber gregário.

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Uma página em branco é o meu verdadeiro espelho.

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Um raio de luz entra pela minha janela e volutas de fumo percorrem-no em silêncio.
Para quê ir ao museu, se a arte não passa de uma contemplação do efémero?

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Tudo o que nos dizem ser infinito, não o é porque nos dizem. Se fosse, ninguém teria a capacidade de dizê-lo. Pergunto-me então o que existirá realmente infinito por descobrir ou para além de qualquer possível descoberta. Indizível. Indefinível. Infinito.

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Por vezes, obrigo-me a andar, a visitar as cidades. Só para mitigar o facto de saber
que não deixo nunca de estar parado e a isso dar alguma justificação.

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De nada adianta percorrer o planeta, porque ele hoje não passa de uma enorme favela.

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Algumas tribos praticavam um canibalismo ritual.
A civilização não se dá ao incómodo da cerimónia.

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Felizmente que quando comeram o Capitão Cook tiveram o bom gosto de não o cozinhar.

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Existimos num único plano, num desenho em espiral que não chegamos a completar.

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O narcisista não se olha ao espelho porque se crê belo. Quem regressa obsessivamente
à sua imagem é porque tem medo, a cada momento, de ter deixado de existir.

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Folheio mentalmente um cardápio de nuvens. Organizo por géneros, formas, comportamentos. Farto de me ver, invoco o vento, esqueço tudo, tudo se esvai.

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Passeio atormentado pela consciência do erro, da sua inevitabilidade. Subo jardins, desço vales, desemboco em ruas largas, avenidas imperiais. Aí percebo que me enganei no caminho.

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Saturei o silêncio de ideias para depois reparar que elas não estavam sozinhas.
Um gotejar martelante, um motor distante, um amor por saber, uma raiva por nascer,
outra conhecida, uma necessidade imperativa e mais…
As ideias sentaram-se no canto de uma sala que acreditara vazia.
Não estava. Há demasiadas coisas à nossa volta.

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Por baixo de qualquer pensamento, por baixo de qualquer acção, resfolgam os monstros.

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Estar sozinho não passa de uma reconfortante ilusão.

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Nasci, cresci, envelheci. Nada disto faz sentido.

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João Vieira Branco
João Vieira Branco
27 Jul 2023 20:48

Muito bom Carlos. Obrigado por partilhares
Abraço

Fernanda Gil Costa
Fernanda Gil Costa
28 Jul 2023 01:14

muito lúcido e esteticamente irrepreensível.
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