China | Trabalhadores migrantes em crise buscam empregos temporários

Emprego temporário para trabalhadores que procuraram as cidades em busca de melhores condições de vida é uma das consequências do menor crescimento da economia chinesa, espelhado nos mais recentes dados do Produto Interno Bruto. Os cerca de 296 milhões de trabalhadores migrantes existentes no país procuram trabalhos a tempo parcial para se conseguirem sustentar

 

O abrandamento económico da China deixou trabalhadores migrados nas grandes cidades a lutar por trabalho temporário, enquanto economistas reconsideram previsões, até recentemente tidas como certas, sobre a ascensão do país asiático a maior economia mundial.

Na vila de Houchang, situada no norte de Pequim, em frente à sede da rede social Baidu, símbolo do desenvolvimento tecnológico da China, milhares de trabalhadores rurais saem todos os dias em busca de trabalho temporário: na construção, mudanças ou entregas ao domicílio. “Ocasionalmente aparece trabalho, mas a maioria tem agora pouco que fazer: estão praticamente desempregados”, descreve Wang Yushua, um trabalhador oriundo da província de Henan, à agência Lusa.

A China tem cerca de 296 milhões de trabalhadores migrantes – oriundos do interior chinês, radicados nas prósperas cidades do litoral. No primeiro trimestre do ano, o seu rendimento médio caiu para 4.504 yuan, de 4.615 yuan no ano passado, segundo dados oficiais.

A economia chinesa cresceu 0,8 por cento, no segundo trimestre, em comparação com os três meses anteriores. Isto representa uma desaceleração, em relação ao primeiro trimestre, quando a economia cresceu 2,2 por cento. Estas taxas de crescimento contrastam com a média de quase 10 por cento ao ano, alcançada entre 1979 e 2019.

Uma mudança de paradigma para taxas de crescimento menores tem impacto para trabalhadores como Wang. Com 44 anos, nota que, para a sua geração, é “imprescindível” ganhar dinheiro: “devemos cuidar dos familiares mais velhos e dos mais jovens, antes de pensar em nós mesmos”.

Este novo paradigma acarreta também consequências para a posição global da China: ultrapassar os Estados Unidos como a maior economia do mundo teria especial importância para Pequim, num período de crescente competição ideológica, geopolítica e tecnológica com Washington. Até recentemente, muitos economistas davam como certo que o PIB da China ultrapassaria o dos EUA até ao final desta década.

Seria o culminar daquela que é considerada a mais extraordinária ascensão económica de todos os tempos: de um país pobre e isolado, a China converteu-se no principal mercado do mundo para várias matérias-primas e produtos com valor acrescentado. A procura chinesa tornou-se fundamental para determinar o preço da soja, petróleo ou minério de ferro e para os resultados trimestrais das principais marcas mundiais.

Covid e liquidez

Mas as perspectivas deterioraram-se nos últimos anos, face a uma crise de liquidez no sector imobiliário, fraco consumo interno ou altos níveis de endividamento dos governos locais. Estes factores foram agravados pela política ‘zero covid’ e crescentes fricções geopolíticas.

A situação está a criar dúvidas sobre com que tipo de modelo a China poderá realizar a transição, quando um crescimento assente no consumo interno parece improvável, já que os salários permanecem baixos, e a aposta em sectores de alto valor acrescentado sofre grande resistência externa, com os Estados Unidos a imporem sanções e a restringirem a venda de tecnologia à China.

Pequim lançou um plano, designado “Made in China 2025”, para transformar o país numa potência tecnológica, com capacidades nos sectores de alto valor acrescentado, incluindo inteligência artificial, robótica e carros eléctricos.

No sector automóvel, a China conseguiu gerar marcas como a BYD [Build Your Dreams], NIO ou Xpeng, capazes de ameaçar o ‘status quo’ de uma indústria dominada há décadas pelas construtoras alemãs, japonesas e norte-americanas.

“A minha pergunta é: será que há deste tipo de empresas em número suficiente?”, aponta Richard Koo, economista na consultora japonesa Nomura Research Institute.

O dividendo demográfico que propiciou o rápido desenvolvimento económico do país chegou também ao fim. A ONU projecta que a população da China em idade activa vai diminuir em mais de 100 milhões, na próxima década.

A consultora Capital Economics estima que, se o PIB da China não ultrapassar o dos Estados Unidos até meados dessa década, talvez nunca o venha a fazer.

Ruchir Sharma, presidente da gestora de ativos Rockefeller Capital Management, concorda: “uma crise demográfica, baixos níveis de produtividade, altos níveis de endividamento e crescente rivalidade com os EUA, significam que o período de trepidante crescimento económico da China chegou ao fim”.

Posições revistas

Outros economistas continuam a antever a ascensão do país à posição de maior economia mundial, mas estão também a rever as suas previsões.

O Centro de Estudos Económicos e Empresariais, um grupo de reflexão com sede no Reino Unido, diz agora que a China vai ultrapassar os EUA apenas em 2030, dois anos mais tarde do que a previsão original. O Centro de Pesquisa Económica do Japão, com sede em Tóquio, também adiou em quatro anos, para 2033, a consagração da China como ‘número 1’.

Há cerca de uma semana foram divulgados os dados semestrais do desempenho da economia chinesa, tendo-se registado um crescimento homólogo de 6,3 por cento no segundo trimestre, um valor bastante aquém das expectativas dos analistas, ainda que esta percentagem tenha sido superior à de 4,5 por cento registada nos meses de Janeiro a Março. No entanto, a economia cresceu apenas 0,8 por cento no segundo trimestre.

A expansão robusta, em termos homólogos, deve-se em grande parte ao crescimento de apenas 0,4 por cento, durante o segundo trimestre de 2022, quando o país impôs rigorosos bloqueios em Xangai e outras cidades, visando conter surtos de covid-19. Os analistas previam que o crescimento se fosse fixar acima dos 7 por cento. O Governo chinês estabeleceu a meta de crescimento económico deste ano em “cerca de 5 por cento”. Para alcançar aquele valor, o PIB vai ter que crescer mais rapidamente nos próximos meses.

Relativamente às exportações, estas caíram 12,4 por cento em Junho, em termos homólogos, devido a uma menor procura global potenciada pelo aumento das taxas de juros na Europa, Estados Unidos e outros países, que visam conter a inflação.

Ao contrário do resto do mundo, a China não enfrenta altas taxas de inflação, mas pode acabar por registar o oposto: a queda dos preços, ou deflação, devido à fraca procura.

Nos últimos meses, as autoridades tentaram estimular o crédito e gastos.

Se nas grandes cidades os trabalhadores migrantes buscam emprego temporário, ou estão mesmo desempregados, a realidade não é muito melhor para os jovens. Actualmente, a taxa de desemprego entre os jovens urbanos da China, dos 16 aos 24 anos, é de 21,3 por cento, tendo atingido um novo recorde histórico no mês passado.

O Gabinete Nacional de Estatística avançou ainda que a taxa de desemprego urbano, no primeiro semestre, foi de 5,3 por cento, sendo que Pequim estabeleceu, ainda para este ano, a meta de criar cerca de 12 milhões de novos empregos nas cidades. A China tem mais de 96 milhões de jovens com idades entre 16 e 24 anos, entre os quais mais de 33 milhões deles ingressaram este ano no mercado de trabalho.

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